Rui Maria Pêgo dispensa apresentações. O público conhece-o da televisão, do teatro e da rádio, mas será que sabe quem ele é? Não nega o vínculo que tem Júlia Pinheiro e Rui Pêgo, mas o seu percurso provou ser mais do que o filho do casal, não somasse já mais de uma década.

A par da vida de artista - mas também devido a ela - nasceu a responsabilidade de comunicar algo, o que fez com que se associasse a diversas causas, nomeadamente à luta LGBT.

Acredita que ciclos terminam para que outros nasçam e este verão abraçou um novo desafio ao tornar-se locutor da Rádio Comercial. Uma experiência que está a pôr à prova o adolescente que se tornou homem na casa dos 'trintas'.

Como se vê, em que acredita e, sobretudo, que olhar tem sobre o que o rodeia? Descobrimos nesta conversa sem filtros.

A rádio estava nos planos desde que ingressou no mundo da comunicação?

Não. Sabia que queria apresentar programas de televisão, a rádio nunca foi um objectivo. Cresci com uma das vozes mais marcantes da rádio portuguesa em casa [o pai, Rui Pêgo]. Portanto, nunca achei que tivesse grande voz. Mais tarde percebi que para se fazer bem rádio, mais do que uma voz bonita, é preciso ter algo para dizer.

Não tenho créditos ilimitados de simpatia e nunca me esqueço disso. Estou habituado a ter de provar mais

Em alguma medida o facto de ser filho de uma ilustre figura da televisão portuguesa abriu ou fechou algumas portas?

As portas que fecham não seriam para casas onde fizesse sentido eu estar. Prefiro sempre trabalhar com quem acredita no meu trabalho e no meu talento, e não na simpatia que alguém possa ter pelo meu pai, mãe [Júlia Pinheiro], avô, tio, ou cão. Tive a sorte de ter crescido com acesso a muitas coisas, mas não tomo isso como garantido. Sou radicalmente republicano e anti hierarquias nesse sentido. O meu pensamento quanto a esse tema é muito prático: não mereço mais por ser filho de quem sou, mas certamente que não mereço menos.

Quando era mais novo, sofria mais com isso. Sou – e disto tenho a certeza –, muito privilegiado por ter nascido numa família que comunica entre si, que exprime amor e que me deu a melhor educação que poderia pedir – que nem sempre soube honrar, devo dizer, sou um terrível aluno universitário. Dentro deste contexto, sei que por maior boa vontade que possa existir por parte das pessoas que veem e ouvem o meu trabalho por gostarem da minha família, ninguém fica a ver e gosta se não gostar seriamente. Ninguém repete se não gostar, a não ser por desporto de hate-watch. Logo, não tenho créditos ilimitados de simpatia e nunca me esqueço disso. Estou habituado a ter de provar mais. O que é ótimo porque me faz ter a noção sempre clara de que as áreas profissionais nas quais me movo são apenas isso: trabalho. Não me deslumbro com as lantejoulas.

Respeito muito o trabalho feito na Comercial. Sinto-me um bocado como a chegar ao Real Madrid da Rádio. São os melhores e tenho aprendido muito com esta concentração de talento

Quais as diferenças do Rui Maria Pêgo que começou na Mega Hits para o que hoje comunica na Rádio Comercial?

Há muitas. Cheguei à Mega Hits com 24 anos e hoje tenho 30. Seis anos na década dos 'vintes' fazem toda a diferença. Hoje, peço facturas de tudo! Antes nem sabia o meu NIF. Vinha de um grupo pequeno de rádios onde estive 3 anos na Radar e Rádio MeoSudoeste e fui para o 'mainstream' radiofónico para a velha Renascença que fez de mim um profissional. Acho que tinha jeito e um mini percurso considerável para a minha idade, mas foi no Grupo Renascença que o meu potencial foi trabalhado e acarinhado. Tenho as melhores memórias. Adoro a Mega, e as pessoas da Mega, e os ouvintes da Mega. Deixei muito boas relações com pessoas em todas as rádios e só não fiquei mais tempo no grupo porque acredito em ciclos e o meu, ali, tinha terminado. Queria evoluir para outro tipo de programas, voltar à televisão...

O 'Era o que faltava' na Rádio Comercial corresponde a um sonho que tinha há muito tempo – o de conversar sem estar a contar os minutos. Quando surgiu o convite, achei que era o passo natural. Respeito muito o trabalho feito na Comercial. Sinto-me um bocado como a chegar ao Real Madrid da Rádio. São os melhores e tenho aprendido muito com esta concentração de talento. Não são a rádio mais ouvida por acaso. Se voltar atrás, aos 24 era intempestivo, rebelde e pouco disciplinado. Aos 30, sou isso tudo, mas tenho a noção da responsabilidade. E, claro, do meu privilégio.

Esta mudança profissional coincidiu com uma fase particularmente simbólica da sua vida?

Dizem que os 30 são uma das idades em que sentimos que conseguimos tudo, mas sem aquela arrogância teen, não é? Estamos mais arrumados, mas suspeito que é sol de pouca dura. Acredito que aos 31, 32, 33 e por aí fora, vou arranjar maneira de me transformar outra vez. Preciso disso. Há demasiadas coisas que quero fazer.

Estou destinado a rir-me das minhas desgraças. Olho para o futuro com expectativa e não com medo, embora sinta que estamos num momento crítico da evolução humana

Aos 30 anos, com que olhos vê o passado e o futuro?

Tenho de ter cuidado para não ser um nostálgico chato. Gosto muito de olhar para a passagem do tempo e de relacionar o que foi com o que é. Esse exercício em excesso por vezes compromete estarmos aqui e agora a viver. Tenho tido muita sorte. O bom e o mau que me tem vindo parar à vida tem feito de mim resiliente e, no fundo, um adulto. Não me sinto um miúdo. Reformei-me de sair até de manhã, por exemplo. Acredito que o que nos acontece serve para tirarmos lições e aprimorarmos a maneira como passamos pelo mundo. Falho muito e como dizia a minha convidada de há uns dias no programa, a brilhante Rita Ferro, 'sou um sofredor encartado'. Penso muito sobre as motivações dos outros e aquilo que nos aproxima. A parte boa no meio de tudo isto é que neste meu olhar analítico também consigo desconstruir o que se passa e rir-me muito se por alguma razão cair num buraco na rua. Estou destinado a rir-me das minhas desgraças. Olho para o futuro com expectativa e não com medo, embora sinta que estamos num momento crítico da evolução humana.

Sou branco, lisboeta, vindo de uma família equilibrada, homem cis e homossexual. Estudei nos melhores colégios. Portanto, dentro das ditas 'minorias', sou a cara do privilégio. O mínimo que posso fazer é ajudar a diminuir o fosso da desigualdade com o facto de poder chegar onde outros não chegam

Desde cedo que se associou a causas, nomeadamente à luta LGBT pela igualdade de sexos. A imagem mediática acarreta obrigatoriamente uma responsabilidade social?

Não é obrigatório, mas convém que isso aconteça. Demorei a chegar aí. Queria ser um diletante que dizia tudo sem consequências, mas percebi à força que isso não era para mim. Por mais privilegiado que tenha nascido, sou um marginal em várias coisas. O meu objetivo ao ter uma atitude de combate em público face a homofobia, xenofobia, racismo, foi sempre dar visibilidade a essa desigualdade que nem me atinge totalmente. Sou branco, lisboeta, vindo de uma família equilibrada, homem cis e homossexual. Estudei nos melhores colégios. Portanto, dentro das ditas 'minorias', sou a cara do privilégio. O mínimo que posso fazer é ajudar a diminuir o fosso da desigualdade com o facto de poder chegar onde outros não chegam.

Há muito a fazer. Temos leis progressistas, mas a mentalidade demora décadas a mudar. Não é seguro ser-se trans. Ainda muitos de nós pensam duas vezes antes de dar a mão a um namorado ou namorada na rua. Há depressões, suicídios, casos extremos de bullying de adolescentes que não são aceites pelos pais e que não têm para onde ir. Não estamos a falar de casos pontuais. O que realmente se passa é que são casos invisíveis. Ter um microfone nas mãos é uma oportunidade para ajudar a que haja mudanças à escala nacional. Não é só sobre mim, é sobre o tipo de sociedade que queremos ter.

Ainda faz sentido o conceito de ‘assumir’ a orientação sexual?

Tornar visível é tornar igual. Assumir quem somos, seja o que quer que seja que somos, é um ato político. É negar um espaço de vergonha, de submissão ou de segredo. Para quem nunca teve de pensar sobre estes temas, parece sempre que uma assunção de identidade em público parece um pedido desesperado de atenção. Não é desesperado; é absolutamente necessário. Existir como se quer num contexto social não tem de obedecer aos cânones de uma maioria. Não deve ferir as liberdades de ninguém, claro. Mas cada um deve poder sair à rua sem medo de ser espancado por não querer ter um género definido. Enquanto acontecimentos como os que já relatei nesta entrevista existirem, fará sempre sentido assumirmos. É na luz que mudamos alguma coisa. Não, na sombra.

Temos urgentemente de ensinar empatia nas escolas. É a raiz de tudo. Isso e, já agora, educação fiscal. Um povo que não sabe o que está a pagar, não percebe o sistema em que existe

Uma sociedade nunca atinge a perfeição. Neste momento, que lacunas considera urgentes colmatar?

Eu sou só um homem, mas acho que temos urgentemente de ensinar empatia nas escolas. É a raiz de tudo. Isso e, já agora, educação fiscal. Um povo que não sabe o que está a pagar, não percebe o sistema em que existe e eventualmente desinteressa-se de participar, vive à margem. Temos de colmatar essa sensação de não sermos todos iguais, mesmo que seja utópico, temos de tirar o plástico dos supermercados, criminalizar de forma mais severa a pedofilia, a xenofobia e o racismo, a violência doméstica. Gostaria de ver licenças de paternidade de maior duração. E, claro, a agilidade nos processos de adopção por parte de casais de pessoas do mesmo sexo. Há tanto a fazer. O clima. A literacia. O desenvolvimento económico do interior. Pensarmos o género de outra forma. É uma caminhada longa.

O bom humor e a descontração são intrínsecos ou foram-se apurando como forma subsistir neste meio?

Fui sempre espicaçado a ter opinião à mesa desde muito cedo. Quando se cresce com dois colossos intelectuais que nos mostram comédias britânicas aos 8, acho improvável que não se desenvolva um olhar aguçado e irónico sobre a vida. Contudo, é importante não deixar que a ironia nos mate a capacidade de nos comovermos. Fui apurando a minha descontração com o tempo – parecendo que não, trabalho quase há 12 anos. O que não invalida que não tenha um nervoso miudinho todos os dias antes de entrar em direto ou, sobretudo, quando abro a boca no teatro. Ajuda quando percebo que não sou nada importante.

A responsabilidade social vai-me batendo mais. Tento não ser moralista. É bom não ter a vaidade de achar que influencio muitíssimo. Aliás, a ideia faz-me rir muito

Atualmente concilia a comunicação com a profissão de digital influencer. O verdadeiro sentido da palavra, em que mais influencia quem o segue?

Não entendo ser digital influencer como uma profissão, pelo menos, não no meu caso. Quem trabalha com comunicação já tem essa valência de “opinion-maker” ou de “influenciador” há décadas, simplesmente agora, é mais comum vermos esses fenómenos de influência acontecerem noutras esferas de acção. Criam-se negócios com grande força e as marcas estão atentas. Vejo essa existência digital como uma extensão do meu trabalho. Diverte-me. Acharia uma seca não poder falar com quem vê o que vou fazendo.

Se for honesto, acho que sou uma má influência grande parte do tempo porque digo muitos disparates, mas, nos últimos tempos, tenho vindo ser mais consequente no que partilho. A responsabilidade social vai-me batendo mais. Tento não ser moralista. É bom não ter a vaidade de achar que influencio muitíssimo. Aliás, a ideia faz-me rir muito. Dá-me logo vontade de me cobrir de brócolos todo nu no tejadilho de um carro só para ver se alguém faz igual. A beleza da internet é essa: aposto que uns quantos fariam. Não me levo a sério, mas de vez em quando, falo a sério. Pensar a nossa capacidade de contágio é muito importante em 2019.

Que figuras mais o influenciam atualmente?

Sobretudo, mulheres. Há as influências de sempre: a Inês Meneses, a Rita Ferro ou a Yrsa Daley-Ward. O meu cão Trufa que é um sobrevivente. A Agustina Bessa-Luís. A Oprah, o Stephen Fry. O meu pai. Estou a esquecer-me de duzentas pessoas. E, pontualmente, umas novas, a Janet Mock, o Chella Man ou pessoas com quem me vou cruzando e mudam a minha perspectiva. A Rita Revez, por exemplo. A Ana Martins com quem faço programa na Rádio Comercial.

Se o Rui Maria Pêgo pudesse encarnar a vida de outra celebridade por um dia, qual seria e porquê?

Gostava de ser um daqueles cães que herda uma fortuna absurda de uma velhinha, mas com consciência de humano, só para ver até que ponto é as pessoas se comportam de forma ridícula.

O ano de 2019 foi repleto de êxitos, há mais surpresas profissionais até ao final do ano?

Não sei. Tenho ideias, mas não sei se vem por aí um Mercúrio Retrógrado que lixe tudo. Estou muito contente com o 'Era o que faltava' que faço com a Ana Martins na Rádio Comercial. Mais... É esperar para ver.