1957: A primeira visita
Às 15:20 do dia 16 de fevereiro de 1957 aterrava, na Base Aérea do Montijo, a rainha Isabel II. Naquela que foi a sua primeira visita a Portugal, tinha à sua espera, entre diversas figuras do Governo português, o príncipe Philip. A chegada do duque de Edimburgo a Portugal foi feita por via marítima, que chegou nessa manhã à Reserva Natural do Estuário do Sado no Iate Real “Britannia”, vindo de Gibraltar.
"Eram 7 e 15 quando o comandante Laurindo dos Santos subiu para bordo do iate real a umas duas milhas do mar da barra do Sado", refere o jornal Diário de Lisboa sobre o encontro do duque com o capitão do Porto de Setúbal que lhe deu a conhecer um pouco sobre o município e alguns dos principais pontos turísticos por onde passaram, como é o caso do Castelo de São Filipe, que partilhava o seu nome. "O marido da Rainha achou muito engraçada a coincidência e disse que até naquele pormenor Setúbal quisera ser amável para com ele." (1957), "Diário de Lisboa", nº 12284, Ano 36, Sábado, 16 de Fevereiro de 1957, Fundação Mário Soares / DRR - Documentos Ruella Ramos, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_19164 (2022-2-8)
Recorde-se que esta viagem até terras lusas foi uma espécie de reencontro para Isabel e Philip que estavam há quatro meses sem se ver. Antes de rumarem até à capital para dar início à sua visita oficial - que teve lugar de 18 a 21 de fevereiro - , o casal real pernoitou duas noites em Setúbal a bordo do iate real. Apesar do seu caráter informal, segundo a imprensa da época foram muitas as pessoas que quiserem ver de perto Sua Majestade que aproveitou a ocasião para dar um passeio pelas redondezas e conhecer o município.
"Quando ontem, pela noite, chegámos a Setúbal não havia outro motivo de conversas que não fosse a visita régia «nos cafés», nos restaurantes, em todos os centros de cavaco e nas ruas. É que, Isabel II será o primeiro chefe de Estado estrangeiro que, mesmo a título particular, visita a cidade de Setúbal". (1957), "Diário de Lisboa", nº 12284, Ano 36, Sábado, 16 de Fevereiro de 1957, Fundação Mário Soares / DRR - Documentos Ruella Ramos, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_19164 (2022-2-8)
Na manhã de 18 de fevereiro de 1957, Isabel II chegou ao Cais das Colunas a bordo do bergantim real, uma embarcação portuguesa que atualmente pertence ao Museu da Marinha e que foi utilizada para a ocasião. No Terreiro do Paço foi recebida pelo Presidente da República, Craveiro Lopes, a primeira-dama, Berta Craveiro Lopes, e pelo Presidente do Concelho, António de Oliveira Salazar, onde assistiu a um desfile militar.
"E o desfile militar começa admirável, magistral, de cadência, de porte heroico, a guarda de honra, a Marinha, tropas de terra, alunos do Colégio Militar, pequeninos soldados, admiráveis de aprumo, com as suas características barretinas, esquadrões brancos, castanhos, pretos, da G.N.R., levando à frente a sua marcial charanga, batendo as baquetas, sonoramente, nos tambores enormes", relatou o Diário de Lisboa sobre os momentos que antecederam o cortejo real que percorreu as principais ruas da baixa lisboeta apinhadas de gente. Para a ocasião foi utilizada a Carruagem da Coroa, uma viatura do século XIX, e vários landaus que atualmente estão em exposição no Museu dos Coches. (1957), "Diário de Lisboa", nº 12286, Ano 36, Segunda, 18 de Fevereiro de 1957, Fundação Mário Soares / DRR - Documentos Ruella Ramos, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_19200 (2022-2-8).
O percurso contou apenas com três paragens: a primeira no Parque Eduardo VII, a segunda para um almoço em Queluz e a última para uma visita a Belém, onde Sua Majestade foi presenteada pelo presidente da República com um cavalo de raça portuguesa."- Como se chama? – pergunta Isabel em francês. - Ainda não tem nome… - acode também em francês o general Craveiro Lopes. – Ou antes, tem dois, á escolha… «Buçaco», o que já tinha, e que lembra as guerras peninsulares em que as armas inglesas e portuguesas se uniram contra o inimigo comum, e «Douro», que podia ser agora uma homenagem ao rio português que banha a região dos vinhos do Porto… Isabel volta-se para seu marido com um sorriso iluminado. Utiliza agora o idioma pátrio: - Penso que «Douro» será, talvez, melhor, não é verdade?" (1957), "Diário de Lisboa", nº 12287, Ano 36, Terça, 19 de Fevereiro de 1957, Fundação Mário Soares / DRR - Documentos Ruella Ramos, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_18259 (2022-2-9)
Nessa noite realizou-se ainda um banquete de gala e uma receção oficial no Palácio Nacional da Ajuda oferecida por Craveiro Lopes e que teve direito a música clássica.
No itinerário da visita oficial de Isabel II foram integrados alguns dos locais mais emblemáticos de Lisboa. No segundo dia Sua Majestade ficou por Lisboa, tendo visitado o bairro do Restelo, o Mosteiro dos Jerónimos e o Museu dos Coches. Após o duque de Edimburgo ter aproveitado para conhecer o navio-escola Sagres e a fragata D. Fernando II, o casal almoçou na Câmara Municipal de Lisboa. À noite sucedeu-se uma ida ao Teatro Nacional de São Carlos onde assistiram a uma récita de gala, destacando-se o bailado Inês de Castro. A forma como o povo lisboeta recebeu Sua Majestade foi motivo de conversa por parte da soberana, tal como referiu a imprensa portuguesa.
"O entusiasmo da população surpreendeu-a e só encontrou um paralelo para as manifestações de que foi alvo e para a grandiosidade de que se revestiu a recepção: evocou o cortejo da Coroação em Londres, como a única manifestação pública que se podia comparar á imponência e ao brilho da recepção em Lisboa." (1957), "Diário de Lisboa", nº 12287, Ano 36, Terça, 19 de Fevereiro de 1957, Fundação Mário Soares / DRR - Documentos Ruella Ramos, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_18259 (2022-2-11)
A 20 de fevereiro, Isabel II e Philip deslocaram-se até à Nazaré, tendo-se seguido uma visita a Alcobaça e à Batalha, onde tiveram a oportunidade de visitar os respetivos mosteiros das cidades. O terceiro dia terminou com uma passagem pela Lezíria e um jantar a bordo do "Britannia" oferecido por Sua Majestade.
"Duzentos campinos de várias casas de lavoura fizeram a saudação á rainha em vibrante cavalgada e agitando os pampilhos, seguindo-se uma exibição de apartação de touros e danças regionais por grupos folclóricos ribatejanos. Meia hora durou a festa com que os lavradores ribatejanos e alentejanos se quiseram somar ás homenagens á régia visitante, servindo-se depois um «chá» com doces regionais", podia ler-se num dos jornais da época. (1957), "Diário de Lisboa", nº 12288, Ano 36, Quarta, 20 de Fevereiro de 1957, Fundação Mário Soares / DRR - Documentos Ruella Ramos, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_18572 (2022-2-11)
No dia 21, data da sua partida para Londres, Isabel II e o príncipe Philip ainda rumaram ao Porto. Numa visita relâmpago de três horas, tiveram a oportunidade de visitar o Palácio da Bolsa e a Feitoria Inglesa. "E à saída [da Feitoria Inglesa], para corresponder ao desejo da cidade de que tanto a queria ver, Isabel II, sempre acompanhada pelo duque de Edimburgo, preferiu ao automóvel fechado em que viera um carro aberto de transporte de polícias que fora posto à disposição dos jornalistas. Nele regressou ao aeroporto pela Foz e Matosinhos", refere o documentário de 1957 intitulado “A Rainha Isabel II em Portugal” da Cinemateca Portuguesa.
"Quem olhasse hoje atentamente o rosto de Isabel II notar-lhe-ia um leve ar de cansaço. O programa dos actos oficiais é apertado. Ás vezes, detém-se ligeiramente, interrogando este, querendo saber daquele. Mas, mesmo assim, não cumpre os desejos que pusera á margem do programa oficial: uma visita ao Instituto Britânico, uma visita a Elizabeth School, de que é patrona, uma visita á sede dos Inglesinhos. Impossível. O tempo não é imenso." (1957), "Diário de Lisboa", nº 12289, Ano 36, Quinta, 21 de Fevereiro de 1957, Fundação Mário Soares / DRR - Documentos Ruella Ramos, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_18574 (2022-2-11)
1985: A segunda visita
Em 1985, Portugal voltou a receber a rainha Isabel II e o príncipe Philip com toda a pompa e circunstância que um evento real desta magnitude exige. À semelhança da visita anterior, o casal chegou no dia anterior a Setúbal e na manhã de 26 de março rumaram em direção a Lisboa. A bordo de um escaler, Isabel II e o duque de Edimburgo chegaram à Torre de Belém onde foram recebidos pelo presidente da república Ramalho Eanes. Recorde-se que esta vinda a terras portuguesas - que foi antecedida por uma visita do príncipe Philip e de Alexandra de Kent ao Funchal - teve lugar em contextos políticos bastante diferentes, uma vez que Portugal já não era uma ditadura, e ficou marcada pela sua adesão à Comunidade Económica Europeia (CEE), que foi efetivada em junho desse ano.
"No cais [de Alcântara], encontravam-se o Presidente da República e esposa que, após as boas vindas, acompanharam a soberana nos cumprimentos, à escolta a cavalo da Guarda Nacional Republicana. Isabel II tomou depois lugar num «Rolls-Royce» da Presidência da República, e sempre rodeada por efetivos da segurança britânica e portuguesa, dirigiu-se para o Mosteiro dos Jerónimos. Após as honras militares e cumprimentos das personalidades que se encontravam na tribuna de honra, entre as quais o Primeiro-Ministro, ministro dos Negócios Estrangeiros e chefes militares, Isabel II depôs uma coroa de flores no túmulo de Camões." Após a cerimónia de recepção oficial, seguiu-se um almoço no Palácio de Belém. (1985), "Diário de Lisboa", nº 21718, Ano 64, Terça, 26 de Março de 1985, Fundação Mário Soares / DRR - Documentos Ruella Ramos, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_1495 (2022-2-14)
A noite do primeiro dia ficou marcada pelo banquete oferecido por Ramalho Eanes a Sua Majestade que, durante o seu discurso, surpreendeu os presentes ao citar em português parte do poema "Mar Português" de Fernando Pessoa. "Isabel II recordou o apoio da Grã-Bretanha à adesão portuguesa ao Mercado Comum, dizendo que é com satisfação que a Comunidade encara a «perspectiva de acolher Portugal como um parceiro com muitos pontos em comum», tendo desejado votos de êxito para o processo de negociações com a CEE", disse nessa noite no Palácio da Ajuda. (1985), "Diário de Lisboa", nº 21719, Ano 64, Quarta, 27 de Março de 1985, Fundação Mário Soares / DRR - Documentos Ruella Ramos, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_1496 (2022-2-15)
No segundo dia na capital passou pela Estufa fria, localizada no interior do Parque Eduardo VII, onde procedeu à inauguração de um busto do avô Eduardo VII e foi almoçar ao Palácio da Vila, na vila de Sintra, a convite do primeiro-ministro Mário Soares. Da parte da tarde houve ainda tempo para uma passagem por Carcavelos, onde visitou as instalações da St Julian’s School, e por São Bento, onde visitou a Assembleia da República.
De acordo com os jornais da época, a última deslocação de Sua Majestade ficou marcada por quebras protocolares, particularmente "ao visitar a sala de deputados, através da galeria habitualmente destinada aos membros do Governo, e ao ser saudada com uma salva de palmas pelos funcionários do Parlamento – facto inédito." (1985), "Diário de Lisboa", nº 21720, Ano 64, Quinta, 28 de Março de 1985, Fundação Mário Soares / DRR - Documentos Ruella Ramos, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_1497 (2022-2-15)
A noite terminou no Teatro Nacional D. Maria II com uma gala de honra onde Isabel II e Philip assistiram a diversos números musicais preparados especialmente para esta ocasião de Estado. "Cantigas de amigo de D. Sancho e D. Diniz, interpretadas pelo grupo «La Batalla», sob a direcção de Pedro Caldeira Cabral, e três sonatas de Carlos Seixas, interpretadas pela pianista Helena Sá e Costa abriram o programa. Anabela Chaves e Olga Pratts interpretaram, então, uma obra de Luís Costa e Adriano Jordão e Jennifer Smith tocaram três redondilhas de Camões, encerrando a primeira parte do programa. O «Ballet Gulbenkian» com «Danças para uma guitarra», numa coreografia de Vasco Wellenkamp e música de Carlos Paredes encerrou o espectáculo." (1985), "Diário de Lisboa", nº 21720, Ano 64, Quinta, 28 de Março de 1985, Fundação Mário Soares / DRR - Documentos Ruella Ramos, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_1497 (2022-2-15)
No dia 28 o casal real deslocou-se até ao sul do país para conhecer Évora. Nesta viagem, feita a bordo de um comboio especial, Isabel II e Philip passaram por alguns dos locais mais emblemáticos da cidade.
"O casal real e a comitiva chegaram ao fim da manhã de hoje a Évora, onde foram recebidas na câmara municipal daquela cidade. Depois da sessão de boas-vindas, a soberana britânica visitou a Sé e zonas da cidade antiga, tendo ainda assistido a uma exibição da escola portuguesa de Arte Equestre, no Terreiro das Meninas da Graça, finda a qual almoçou na Universidade." (1985), "Diário de Lisboa", nº 21720, Ano 64, Quinta, 28 de Março de 1985, Fundação Mário Soares / DRR - Documentos Ruella Ramos, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_1497 (2022-2-14)
O Porto não voltou a ficar esquecido por Sua Majestade que, no dia da sua partida para Londres, fez questão de fazer uma curta visita à Invicta. A sua primeira paragem foi na Câmara Municipal do Porto, onde se encontrou com o presidente, seguindo-se um almoço na Casa do Infante. Da parte da tarde ainda houve oportunidade para uma passagem pelo Palácio da Bolsa. De acordo com o Arquivo Municipal do Porto, durante esta visita Sua Majestade e o príncipe Philip tiveram a oportunidade de visitar a exposição ‘Os Ingleses e o Porto’.
"À sessão de boas-vindas seguiu-se uma exibição dos ranchos folclóricos. Pouco depois do meio-dia, a comitiva real chegou à Praça da Ribeira, onde decorreu uma saudação de barcos rabelos, no rio Douro, iniciando-se, de seguida, um percurso a pé até à Casa do Infante onde o casal real e comitiva almoçaram." (1985), "Diário de Lisboa", nº 21721, Ano 64, Sexta, 29 de Março de 1985, Fundação Mário Soares / DRR - Documentos Ruella Ramos, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_1498 (2022-2-14)
Nas suas duas vindas a Portugal, a rainha Isabel II e o príncipe Philip ficaram hospedados no Palácio Nacional de Queluz, juntamente com a sua comitiva.
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