Pérola é um dos maiores nomes da música angolana. Com uma carreira de 20 anos, repleta de sucessos, descobriu a paixão pelo canto ainda em criança, quando atuava para os vizinhos.
Filha de uma médica e de um advogado (também músico), a artista sempre foi incentivada a seguir o sonho nas artes. Chegou a licenciar-se em Direito na África do Sul, época em que gravou o seu primeiro disco 'Os Meus Sentimentos'.
Mãe de três filhos - Valentine, Kenzo e Zuriane - frutos do casamento com o empresário Sérgio Neto, em 2022 lançou o disco 'Sincera', depois de uma pausa que fez na sua carreira para se dedicar à maternidade.
Estivemos à conversa com a cantora que em novembro tem passagem marcada por Portugal.
Tem um concerto marcado para o dia 15 de novembro no Coliseu dos Recreios, em Lisboa. O que podemos esperar deste espetáculo?
Quem tem acompanhado o meu trabalho sabe que eu tenho uma carreira de 20 anos. Durante estes anos, passei por Portugal em momentos pontuais, por exemplo, em 2015, e na altura percebi que aqui havia um público com vontade de ouvir a minha música e de fazer parte da 'minha festa'.
Sempre tive este sonho de estar no Coliseu dos Recreios como cabeça de cartaz e fazer um concerto só meu. É uma celebração dos meus 20 anos com as minhas músicas mais antigas.
Gosto imenso do público português porque é muito atento
O público português distingue-se de alguma forma?
Gosto imenso do público português porque é muito atento. Independentemente de conhecer o artista ou não, está lá para se divertir e quer conhecer.
Completou 20 anos de carreira, contudo começou a cantar logo em criança para os vizinhos.
Sim [ri-se]. Foi logo muito pequena...
Como é que descobriu o gosto para a música?
O meu pai foi músico e a minha família sempre foi muito ligada à música e à dança. Desde muito pequena que gostava de participar em concursos de dança, de canto e, mesmo na igreja, sempre mostrei o meu lado artístico.
Eu mesma sentia esta necessidade de partilhar este gosto com as pessoas. É algo que sempre esteve comigo e que fui desenvolvendo de forma mais profissional.
A música sempre esteve presente na sua vida, mesmo quando teve de ir para Luanda por causa da guerra civil
Certo.
Foi um momento de dificuldade para muitas famílias angolanas, as pessoas ficaram dispersas. Lembro-me de ver os meus tios e tias a chegarem, sempre com a esperança que estivessem vivos.
Devem ter sido momentos difíceis...
Muito. Sobretudo porque víamos os mais velhos, particularmente a minha mãe, a passar por aquele processo difícil da melhor forma possível para que os filhos não sentissem tanto.
Deixámos tudo no Huambo [terra natal de Pérola] e fomos para Luanda. Tenho em mente ver a minha mãe preocupada connosco, em nos dar o melhor e nos confortar da melhor forma possível para que a mudança não fosse tão dolorosa.
Foi um momento de dificuldade para muitas famílias angolanas, as pessoas ficaram dispersas. Lembro-me de ver os meus tios e tias a chegarem, sempre com a esperança que estivessem vivos.
Foram momentos muito tristes e pesados, mas que moldaram a pessoa que sou hoje. Em Luanda começámos do zero. Não tínhamos onde viver e estivemos em casa de uns familiares. Não tínhamos roupa, calçado e foram-nos dando devagar. Hoje, obviamente, damos muito mais valor às coisas.
Entretanto foi estudar para a África do Sul
Primeiro ainda fui para a Namíbia. A minha mãe é médica, foi lá colocada para trabalhar, por isso, eu e os meus irmãos acompanhámo-la. Estudei lá desde o 8.º até ao 12.º ano e, nesse colégio, além de estudar, participava também em concursos musicais.
Em 2002 - até 2007 - fui para a África do Sul, onde me licenciei em Direito.
A música nunca era um plano B, mas não era vista em Angola como uma profissão sólida. A minha mãe incutiu-me e bem que tinha de ter um curso, para o caso de as coisas não correrem bem na música
Porquê Direito?
A música nunca era um plano B, mas não era vista em Angola como uma profissão sólida. A minha mãe incutiu-me - e bem - que tinha de ter um curso, para o caso de as coisas não correrem bem na música. Inicialmente quis fazer Medicina, mas não consegui entrar. O meu pai era músico, mas também advogado, então decidi seguir o percurso dele.
Nunca chegou a exercer?
Não, não cheguei a estar num tribunal ou num escritório, mas o Direito é muito abrangente. Na música há os direitos autorais, os direitos conexos, os contratos...
Daqui para a música como é que deu o salto?
Foi na África do Sul que gravei o meu primeiro disco. Estudava durante a semana, no fim de semana ia para Angola e cantava um bocadinho. Na altura do curso fazia tudo ao mesmo tempo e em 2004 lancei o meu primeiro álbum e depois licenciei-me em 2007. Quando terminei o curso continuei com o meu lado da música e até hoje estou aqui.
O que é que tinha em mente quando lançou o disco? Que ia ser um êxito ou não tinha grandes expectativas?
O primeiro disco foi lançado com a intenção de 'eu quero mostrar aquilo que gosto de fazer'. Queria realizar o sonho de ter algo meu. Não tinha muitas expectativas de continuar e transformar-me na Pérola que sou hoje. As coisas começaram a ficar mais sérias, as pessoas começaram a conhecer-me e a pedir-me para ir cantar a alguns lugares.
É preciso haver um exercício mental muito grande para não nos deixarmos afetar por todas as opiniões externas
No início lidou bem com a fama?
Uma parte engraçada foi o nome. O nome Pérola surgiu logo quando comecei a gravar o álbum, porque o meu nome é Jandira [Sassingui Neto]. Era algo a que não estava habituada e quando saiu o disco e as pessoas me chamavam de Pérola, eu não associava, ignorava. Era engraçado.
Mas claro que há as partes menos boas como perder um bocadinho a privacidade e pensarem que têm direito de opinião sobre a nossa vida. Essa parte é pesada para quem não tem os pés bem assentes no chão. É preciso filtrar o que se ouve e conhecermo-nos: independentemente do que as pessoas pensem, eu sou o que sou. É preciso haver um exercício mental muito grande para não nos deixarmos afetar por todas as opiniões externas.
Há pessoas próximas que nos desapontam, mas a maior parte das vezes vêm de pessoas que nem sequer conhecemos
De onde vinham essas opiniões externas?
Há pessoas próximas que nos desapontam, mas a maior parte das vezes vêm de pessoas que nem sequer conhecemos. Chega a ser chato, porque têm uma opinião sobre nós e que se propaga rapidamente, porque as pessoas gostam de coisas negativas. É algo que me deixa desconfortável. Ao longo destes anos aprendi a lidar com isso.
E nestas duas décadas consegue destacar os momentos mais difíceis e os mais felizes?
Foram anos bem doseados. Sempre planeei a minha vida profissional e pessoal. Soube quando tinha de parar para dar espaço ao meu lado pessoal, mas fiz tudo ao meu ritmo, sem pressão.
Se tivesse de voltar para trás e fazer algo diferente era entrar na faculdade de artes. Estudaria mesmo música a fundo ou um instrumento musical.
Quando tirou esse tempo para a sua vida pessoal nunca teve medo de ficar para trás ou de ser esquecida? Sentiu-se de certa forma dividida entre o pessoal e o profissional?
Ainda hoje me acontece. Os homens sentem pouco isso. Às vezes penso que gostaria de viver noutro sítio para alimentar este meu sonho, mas não posso fazer isso porque tenho o meu marido e ele também tem os seus projetos, mas se fosse o inverso se calhar ia acontecer.
Por isso é que interiorizava as coisas, que iam acontecer de uma determinada maneira, para que não fosse frustrante para mim. Fiz as coisas no meu tempo. Agora vou ser mãe, agora vou casar-me. Fiz uma pausa e não deixei as cobranças tomarem conta e sentir-me frustrada.
No ano passado, quando lançou o seu novo disco, o público recebeu-a de braços abertos como se tivesse estado sempre presente.
O público aprendeu a entender-me e a esperar por mim. Nos momentos em que parava também não os deixava sem nada, lançava sempre uma música para que tivessem 'algo para comer' [ri-se].
Ao longo destes anos criei uma marca que, independentemente de surgirem outros artistas, consegui solidificar no trabalho.
Como é que lidou com as mudanças no mercado musical? Aqui em Portugal, por exemplo, a música brasileira cresceu imenso.
Senti esse 'shift' muito grande. Tivemos uma época muito alta do kizomba e agora é mais a música brasileira. Ainda assim, sinto que há espaço na Europa e a nível mundial para a música africana. Penso que o mundo se está a interligar em termos de sonoridades. As pessoas estão muito dispostas a ouvir tudo, mesmo que não entendam o que o outro está a cantar. A música, o 'beat', o instrumental leva as pessoas e isso é interessante.
Nunca pensou em vir viver para Portugal?
Sim, já pensei, não só para ficar em Portugal mas também para poder explorar um pouco a Europa.
Além dos concertos, o que tem em vista no futuro?
Tenho várias colaborações, parcerias e surpresas. Não posso falar muito, mas vêm coisas boas, não só para o público de Portugal, mas do mundo.
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