Afonso Dubraz: o nome pode não lhe ser familiar, mas o mesmo não se aplica à música 'Marido e Mulher', que o lançou na sua carreira de artista e foi muito ouvida na rádio ao longo dos últimos meses.
O Fama ao Minuto esteve à conversa com o cantor, que contou a sua curiosa história de vida.
Este ano despediu-se do escritório de advogados em que trabalhava para investir no sonho da música a tempo inteiro. Não tem formação musical, mas tem muita criatividade e amor pela guitarra.
Também não tem medo de assumir a sua identidade mais "comercial", sendo que as suas grandes inspirações são nomes como Miguel Araújo, Rui Veloso e Quatro e Meia.
Afonso, que chegou a participar no 'The Voice', quer que as suas músicas cheguem ao maior número de pessoas e que perdurem por várias gerações.
Era advogado de Direito Imobiliário.
Isso mesmo. Era advogado num escritório ali no Marquês [de Pombal] e tendo em conta os arrendamentos em Lisboa era uma área com muita saída, mas não era aquilo que eu queria fazer da vida. Saí há 7/8 meses quando lancei o 'Marido e Mulher'. Estou muito feliz e ainda por cima está a correr bem.
Como é que as pessoas à sua volta lidaram com essa decisão?
Acho que foi uma gestão de expectativas, não só de família, como de amigos e colegas de trabalho, porque tive de dar a notícia a toda a gente.
A reação normal foi: 'tens a certeza? Os tempos não estão fáceis, já tens a tua fonte de rendimento e agora vais para a música com muita gente e concorrência'.
Só que acabou por não ser este o contexto que se instalou porque a minha maneira de dizer às pessoas foi mostrando a música - nomeadamente o 'Amanhã' - este novo single. Quando mostrava diziam: 'vai, tenta, porque isto está muito giro, muito bom. Se der, bom, estamos aqui para celebrar, se não der, podes sempre voltar'. Porque essa é a coisa boa de ser advogado, é para a vida.
A decisão de ir para a música foi para tirar essa rede, porque acredito que quando temos um plano B, nunca damos prioridade total ao plano A.
Como é que foi o dia em que apresentou a demissão?
Foi um misto de sensações. Até tenho um vídeo desse dia com imensa piada. Antes de sair estava numa sala com vários estagiários, com a malta mais jovem. Quando me estou a ir embora, eles apagam as luzes, metem o 'Amanhã' a dar no escritório e estão todos com os braços no ar.
Custou, porque há sempre aquela sensação do 'será que estou a fazer bem?', 'será que não consigo conciliar e fazer as duas coisas ao mesmo tempo?', 'será que é preciso ficar só a 100% na música?'. Agora que passaram estes primeiros tempos comecei a aperceber-me de que foi a decisão certa.
Quando é que se deu o clique de que estava na hora de se despedir?
No fim de 2022 assino com a Warner Music, a minha editora, e a partir daí apercebo-me de que tenho uma base de recursos a trabalhar comigo, ou seja, já não sou só eu no meu quarto.
Se já tenho esta gente toda comigo, esta família na música, então vamos tentar, isto está a acontecer por alguma razão. Vou sempre atrás da maré nas coisas, até agora tem corrido muito bem, a ver se não me afogo... [ri-se].
A música sempre esteve presente na sua vida? Porque no final de contas priorizou o plano B, a advocacia.
É uma das coisas que me dá serenidade, de eu saber que o meu plano B está concluído. Sou advogado, tenho a minha cédula e tenho a Ordem feita. Durante esse processo académico não era óbvia para a mim a questão da música, era mais um hobbie. A partir do momento em que se cria o contexto de profissionalização eu vou de braços abertos.
Sempre foi bom para gerir expectativas, até porque em 2017 participei no 'The Voice', também como hobbie. Mas a música foi ganhando cada vez mais espaço e passou a ser a minha fonte de rendimento. Ter uma profissão em que acordamos para fazer uma coisa de que gostamos imenso é a maior bênção.
O estilo que estou a fazer é muito 'Araujesco', Rui Veloso, Quatro e Meia. Costumo dizer que isto não é um projeto de cinco anos, é de 50Não tem medo de ter atingido um pico e dos momentos baixos que possam surgir no futuro?
Esse medo pesou na balança, sem dúvida, mas não me assusta muito por duas razões: uma delas porque no pior dos casos pego aqui no meu código civil e volto à advocacia.
Mas há outra coisa que é muito benéfica para mim neste projeto. É que não estou a tentar ser apenas artista de música, tenho o lado da composição. Escrevo não só para mim, mas para os artistas. E esse lado de direitos de autor acaba por também conseguir dar algum tipo de estabilidade.
Por outro lado, estes altos e baixos estão sempre associados ao estilo de música dos artistas e há estilos que são mais efémeros. O estilo que estou a fazer é muito 'Araujesco', Rui Veloso, Quatro e Meia. Costumo dizer que isto não é um projeto de cinco anos, é de 50. É um estilo de música que fica com as pessoas e que faz parte da banda sonora da vida delas a longo prazo.
Para que artistas já escreveu?
Tento sair da minha zona de conforto e escrever para artistas de estilos diferentes. Por exemplo, o 'Até ao Fim', do Maninho. Fizemos a letra e melodia juntos.
No próximo ano vai sair o próximo álbum da Mariza e uma das músicas fui eu que fiz, o que me deixa super orgulhoso e feliz. Ela por acaso já a cantou num concerto e foi uma choradeira. Escrevi também para o Nelson Freitas.
São artistas muito diferentes, de facto.
Uma das razões é um bocado interesseira: ainda me estou a descobrir como artista e compositor e não quero já estar a dar material para projetos semelhantes ao meu. Agora tudo o que é fado, funk brasileiro, kizomba, isso adoro. Quem quiser, posso escrever. É giro porque é uma narrativa diferente.
Como é que é o seu processo de criação? Até porque nem sempre acordamos inspirados.
Esse é um dos maiores medos que eu tenho. 'E se eu acordo um dia e nunca mais vem nada de música?'. É uma chatice. Saio de uma área segura para entrar em algo que está dependente de coisas que me aparecem na cabeça e eu não sei bem porquê.
O meu processo criativo é uma desordem tão grande que nem eu sei por onde começa. Por exemplo, tenho músicas que começam por uma frase a que eu acho piada. O 'Amanhã' surgiu numa noite no escritório, às 23h00 de uma sexta-feira. Tinha uma transação enorme entre mãos e iria ter de lá estar sábado e domingo, também.
Lembro-me de me estar a ir embora, com as luzes apagadas e de pensar: 'fogo, amanhã já estou de volta'. Os primeiros versos são precisamente isso: amanhã estou de volta para mais um dia assim.
Há algum lado da música que o tenha deixado desapontado?
Para já desapontado ainda não, porque eu acho que ainda estou na lua de mel, é tudo novidade. Agora, acho que a questão que mexe mais comigo é a gestão de expectativas. É a coisa de que não gosto tanto, porque para isto ser bem sucedido tem de estar a tocar nas rádios, as pessoas têm de ouvir, o número de seguidores tem de crescer... Tenho de me obrigar a entrar neste mundo de visibilidade e fazer coisas para me vender.
Ser comercial não é ser mau, hoje há essa guerraComo é que encontra o equilíbrio entre 'vou fazer um produto para vender' e 'vou fazer um produto bom'?
Este tema é difícil porque está completamente entregue à subjetividade. Aquilo que para mim é comercial e tem conteúdo, para outro artista é o contrário. Sempre tive muita sorte porque a música que eu adoro fazer é bastante comercial. Passei a minha vida toda a ouvir o Rui Veloso, Miguel Araújo, lá fora Jason Mraz, John Mayer, Ed Sheeran, agora o Harry Styles também.
São artistas que chegam às massas e isso é preciso referir: ser comercial não é ser mau, hoje há essa guerra. O que é comercial é o que vende e o que chega ao maior número de pessoas possível. Acho que é importante ter esta visão de empresa, porque tenho técnicos que trabalham comigo e que precisam de receber.
Nunca fui muito de ouvir música alternativa, nunca tive formação musical, por isso não tenho aquelas conceções do que o que é o correto e o que é o mais ou menos bonito. Sempre fui muito pelo que sinto: pego numa guitarra e não faço ideia que acordes estou a fazer, simplesmente soa-me bem e vou por aí.
Por isso acho que é fácil gerir isso. A minha identidade sempre foi muito comercial, sendo que tento dar algum conteúdo a essa comercialidade através das letras.
Há ferramentas que ganhou na advocacia que lhe têm dado jeito na música?
Passei os últimos anos da minha vida muito ligado a esta parte da escrita, da argumentação, de criar na minha cabeça uma ordem de ideias e apresentá-la o melhor possível.
Essa foi uma das coisas boas que consegui trazer para a música, porque a comunicação é importante, neste caso, como o artista pensa e a forma como o diz. Consegui trazer essa parte do Direito e estou muito feliz. Às vezes acho que falo demasiado, mas quando o consigo fazer de forma mais tranquila e não tanto jurídica, é algo que ajuda o projeto.
E agora? O que se segue?
Já temos cá fora 'Marido e Mulher' e o 'Amanhã'. No caso do 'Amanhã' acho que saiu numa ótima altura porque andamos todos um bocado tristes, ligamos a televisão e é só guerra, crises e no trabalho há muita gente que não gosta do que faz. Quero muito dar essa motivação às pessoas, para serem felizes e fazerem aquilo que querem na vida. Em 2024 vem aí o meu primeiro álbum com 10 temas e serão anunciadas as minhas primeiras datas de concertos.
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