Retratos Contados (RC): Os Retratos Contados apresentam-se como um projeto único, diferenciador e inovador, uma vez que nos focamos numa área diferente do habitual. Somos um site onde o nosso objetivo é falar das ligações entre avós e netos, a importância dos avós na vida dos netos e vice-versa. O que é que acha dum projeto destes?

Alice Vieira (AV): Acho que é um ótimo projeto, porque tudo o que sirva para lembrar as raízes das pessoas é muito importante. Os miúdos estão longe dessas preocupações, sobretudo quando estão fora do país. Estive no Canadá, em Toronto, e vi miúdos filhos de pais portugueses, e que estavam lá ainda há pouco tempo, e quando eu perguntava: “Tu és de onde?”; “De Portugal!”; “Portugal, como tu sabes, é muito grande; de que terra?”; “Não sei “. Portanto, tudo o que sirva para lhes dar a conhecer as suas raízes, a sua terra, a família…

RC: Quando olha para o nosso país, como é que vê a população mais velha?

AV: Eu digo sempre que sou uma avó muito atípica. Neste tempo de crise é evidente que é necessário maior apoio dos avós, mas os avós não servem para isso. Eu não sou, nunca fui, nem nunca serei avó a dias. A avó não é para aturar os meninos, não é pra dar comida aos meninos, não é pra ensinar a escola aos meninos. Avó é outra coisa! A casa dos avós devia ser sempre um espaço de alegria, de brincadeira, de descoberta. Eu estou pouco com os meus netos mas, quando estou, estou a 100% e não faço mais nada. Agora, usar os avós pensando “eles têm obrigação de ficar com os meus filhos”… Não têm! Nós criámos os nossos filhos, eles agora que criem os deles. Por mim falo, dou o apoio que posso, mas sempre tendo isso muito certo. No mês de Julho tenho sempre os mais novos em minha casa porque eles fazem um curso de inglês, e é numa escola mesmo em frente. Isso está sempre garantido. De outro modo, quando é preciso, o meu filho tem de me falar com uns dias de antecedência para saber como é que é, se eu posso ou se não posso. Às vezes não posso, e acho que esta relação é muito mais saudável. Eles divertem-se muito mais quando vão lá a casa do que se me vissem todos os dias. Se eu estivesse a chateá-los por causa da escola, ou por causa disto, ou por causa daquilo…!?  Para além disso, cada vez mais as avós são mais novas e ainda trabalham. Aqui há tempos, estive num encontro de avós organizado por uma inglesa muito engraçada. Toda a gente dizia “as mães trabalham, as mães trabalham, as mães trabalham“. Pois quando eu lá cheguei, disse “então e as avós, não trabalham também?” Muitas avós ainda estão no ativo, têm a sua vida e, tal como as mães, não podem dispor do seu tempo. Eu vejo isto assim porque não tive nenhuma avó a ajudar-me com os meus filhos, quando eram pequenos.

RC: Para si, qual é o drama maior dos idosos? Para além das doenças, do isolamento…

AV: Leciono há vários anos cursos de escrita, e no último que dei havia uma senhora que era mais velha do que eu. Normalmente, isso não acontece; costumam estar na casa dos vintes, trintas… São muito assíduas e, quando o curso acabou, disseram-me «foi muito bom, gostámos muito. Mas o melhor de tudo foi fazer-nos sair de casa e conversar com outras pessoas.» Eu creio que muitas das doenças dos velhos têm esta origem – o estar sozinho em casa. Isso é um grande problema.

RC: Até porque há dois tipos de solidão: a solidão da pessoa que é abandonada e fica sozinha, e a solidão por opção.

AV: Isso é outra coisa. A pessoa pode estar sozinha porque quer, porque lhe apetece.

RC: Ou porque não consegue ver nada além disso. Estou a pensar em duas pessoas que viveram uma vida inteira juntas e depois uma delas desaparece. Até a pessoa conseguir adaptar-se a outra vida diferente, ao dia a dia de que já não faz parte daquela pessoa, acaba por não ir ao café, não ir ao mercado, não conviver com outras pessoas.

AV: Isso é verdade, também. Em Portugal há muito aquela ideia de que uma mulher sozinha não vai para lado nenhum. Quando ficamos sozinhos temos de refazer a nossa vida, não temos de estar à espera que alguém vá connosco, porque senão não fazemos nada.

RC: E acha que há uma crise de valores, como tantos dizem?

AV: Agora é tudo tão diferente… Por exemplo, a relação dos miúdos com as outras pessoas. Há dias eu ia na escada rolante num centro comercial, passou um miúdo com uns 11 ou 12 anos e empurrou-me. Disse “desculpe, desculpe “. Depois chegou lá acima, olhou para trás e disse “nunca viu um miúdo tão bem educado como eu, pois não?” Realmente é difícil encontrar uma criança que conheça estas regras básicas de educação. Há coisas que não é a escola que ensina, tem de ser a família: ajudar alguém a subir a escada, ajudar a levar um saco….

RC: E as redes sociais, a internet, em que é que vieram ajudar ou prejudicar os relacionamentos?

AV: Eu trabalho pra uma revista já há muitos anos que se chama “AUDÁCIA”. Pertence aos missionários combonianos, e no texto que escrevi para o Natal e eu falei exatamente disso. A primeira vez que eu me zanguei a sério com uns amigos tinha sido numa passagem de ano; aquela gente estava toda em frente da televisão para ver o Zé Maria, do Big Brother. Zanguei-me a sério e saí porta fora.

Aqui há tempos, os três miúdos mais novos estavam lá em casa. De repente, a televisão pifou e eu pensei “ai, minha mãe”! Já era noite, não podia pedir para ma virem arranjar, e disse: «amanhã vou tratar disso. E agora, o que é que a gente vai fazer?» Então, fomos buscar o banco do piano, pusemos em cima da mesa para imitar o quadradinho da televisão, eles escreveram os textos e representaram-nos! A gente riu que nem uns tolos, passámos a noite a fazer telejornais! Eles adoram essa brincadeira. A minha neta faz sempre de mãe do Passos Coelho com umas cabeleiras postiças que tenha lá. Diz sempre: “Não foi esta a educação que eu lhe dei”! (risos). No fim, fazem como eu: arrumam tudo no sítio devido.