Farmácias Portuguesas
Os campos mantêm os tons dourados do Estio. Quadrados de terra castanha e vermelha prendem o olhar aqui e ali. É quando se sucedem as azinheiras e os sobreiros, árvores de troncos fortes e copas verdes, que sentimos o lugar onde estamos: o Alentejo profundo, ancestral, pacífico, onde o tempo parece cronometrado com relógios diferentes.
Há tempo para tudo, até para descobrir outros tempos. Em Reguengos de Monsaraz, o Megalítico espera há milhares de anos para ser descoberto e contar histórias dos nossos antepassados.
Rui Aparício, farmacêutico ribatejano de 57 anos que se apaixonou por Monsaraz há mais de 30, é o contador das histórias e memórias do seu Alentejo. Recebe-nos na vila erguida sobre a colina, eleita Aldeia Monumento no concurso “7 Maravilhas de Portugal”.
Das muralhas da vila medieval, ou “Monte Saris”, como a nomearam os mouros que a ocuparam até 1167, há beleza até onde o olhar alcança. «Chamaram-na assim devido à abundância de estevas. Na Primavera conseguimos ver grandes extensões de estevas em flor», conta Rui.
Por estes dias, as estevas não estão floridas, mas vê-se montes, alguns povoados, campos e campos a perder de vista, com Espanha a poucos quilómetros. Lá em baixo, o Alqueva. E vinhas.
A produção do néctar dos deuses é um dos grandes orgulhos da região, diz Rui, para logo acrescentar que está longe de ser o único. Acreditamos.
Nas terras contíguas ao grande lago em que se transformou o rio Guadiana há um tempo anterior ao da produção vitivinícola: o da magia, quando os nossos antepassados acreditavam na necessidade de garantir morada após a morte, e construíam antas para a assegurar.
Partimos à descoberta da Idade do Bronze no Olival da Pega, mas a aldeia de São Pedro do Corval impõe uma visita. As cores vivas e o modo de ser e viver alentejano estão expostos em pratos pendurados nas paredes do casario térreo. «São Pedro do Corval tem a maior concentração de olarias do país», comenta Rui.
Na Olaria Tavares somos recebidos por Dora, filha do dono. «Abrimos há 52 anos», diz, acolhedora e sorridente, contando que na aldeia há ainda 17 olarias a funcionar. Ela e a amiga Lídia pintam as peças construídas na fábrica da família, nas traseiras da loja.
Pouco depois, nova paragem à beira da estrada, na Pedra dos Namorados, formação geológica semelhante a um cogumelo gigante. «Segundo a tradição, as raparigas casadoiras vinham aqui atirar pedras para o rochedo. Se as pedras ficassem lá em cima, arranjavam marido», conta o farmacêutico.
Finalmente, o conjunto megalítico do Olival da Pega. Datado de 3500 a.C. a 3000 a.C. e constituído pelas Antas 1 e 2, foi um grande complexo funerário. Nas pesquisas foram encontradas 134 placas de xisto e 200 vasos cerâmicos, além de uma necrópole coletiva onde estariam sepultadas 158 pessoas. E porque é de um olival que se fala, é impossível não reparar nas oliveiras, algumas milenares, em redor das antas.
A zona guarda também a herança dos tempos em que os homens acreditavam que fecundar a terra com enormes pedras fálicas garantiria melhores colheiras. Uma dessas pedras fica na aldeia do Outeiro. Encontrado tombado em 1964, o Menir do Outeiro, com 5,6 metros de altura, foi reerguido e restaurado. Os estudos arqueológicos revelaram que teria funcionado para rituais de fertilidade.
Partimos à descoberta do modo de fazer vinho alentejano. O destino é uma das adegas da região, reconhecida internacionalmente pela excelência dos seus produtos. Trata-se da Herdade do Esporão, onde o guitarrista Grutera, alter ego de Guilherme Efe, gravou “Sur Lie”, que ganhou o nome em homenagem ao processo de envelhecimento do vinho em barrica.
Vera Simões é a simpática anfitriã da visita pelas vinhas já sem uvas. «Fazemos a vindima de agosto a outubro, mas este ano tivemos de apressar as coisas por causa do calor. Terminámos em setembro», conta, mostrando as enormes cubas e máquinas que possibilitam a produção dos vinhos Esporão.
«Aqui em baixo ficamos com a uva esmagada. E depois decidimos o que fazer com ela, se a pisa a pé ou mecânica». Na herdade, explica Vera, ainda se pisa a uva a pé «para as melhores castas, com maior potencial de produção». O método permite observar o comportamento da uva e acompanhar o processo de fermentação, preservando a tradição. A pisa mecânica é usada para grandes volumes. Todos os anos, a Herdade do Esporão produz entre 13 e 15 mil litros de vinho.
Chegamos a uma adega com cubas de cimento, que permitem uma oxigenação lenta. «Cada uma delas produz parte do mesmo selecionado, alguns monocastas, experiências…». E há as talhas, um regresso ao passado: «É a forma de produzir vinhos trazida pelos romanos há mais de dois mil anos, aquando da ocupação da Península Ibérica, e que continuou no Alentejo. Temos muitas famílias que produzem os seus vinhos dessa forma. As pessoas estão a aprender a apreciar vinho da talha. São vinhos muito fortes, com taninos fortes, muita acidez, frutos vermelhos acentuados, muito álcool. Ou se gosta ou se odeia», explica Vera.
Da produção, passamos ao estágio em barrica, a sete metros de profundidade e temperatura constante de 18 graus. Ao descer à cave, a sensação é semelhante à entrada num templo. Logo à entrada, pequenos potes com pedaços de carvalho francês e americano, as árvores utilizadas na tanoaria das barricas da Herdade do Esporão, introduzem a esta paixão. «O carvalho francês tem aroma a especiarias, cravinho, pimentas. É mais fino, entra mais oxigénio e mais depressa. E depois temos o carvalho americano, mais grosso, com menor e mais lenta entrada de oxigénio, com aromas próximos ao coco, à baunilha, ao caramelo». Confirma-se. Os vinhos ficam aqui «oito, 12, 18 meses», precisa Vera, no corredor que parece não acabar nunca. Foi este o túnel, onde estão sobrepostas em geometria perfeita entre 2.500 e 3 mil barricas, escolhido por Grutera para dar corpo à música da sua guitarra no terceiro disco a solo.
Jantamos, na Taverna “Os Templários”, em Monsaraz. A vista sobre a paisagem é soberba, com os dourados, pontuados aqui e ali por verdes e vermelhos, casas, outros montes. «Espanha é logo ali», aponta Rui. Começa a escurecer quando chegam as bochechas de porco e o vinho – alentejano, claro está.
É chegada a hora de olhar o céu negro, estrelado, infinito. Com todo o tempo do mundo.
Texto de Sónia Balasteiro
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