“Antes era de manhã até fechar o dia. Era contínuo, só parava para almoço e café. Era um bom tempo. Tempo de vacas gordas”, recorda, em conversa com a Lusa, Adilson Andrade, 38 anos, taxista na ilha do Sal desde 2003.

Desde que começou a trabalhar como taxista, nunca viveu um ano como 2020, sobretudo o período de confinamento, logo após Cabo Verde se fechar a voos internacionais, acabando abruptamente o negócio do turismo, também para o Sal, cujo aeroporto movimentava um milhão de viajantes por ano.

“Vivemos só com nacionais, sem turistas, está difícil. Antes foi sobreviver com as poupanças, mas foi difícil”, conta, recordando o período de abril a junho, fechado em casa, mas com as contas para pagar.

“Nos primeiros meses parou praticamente tudo, ficava mesmo difícil. Com muita expectativa, continuámos sempre a trabalhar”, explica Adilson, que faz praça no centro de localidade turística de Santa Maria.

Agora, acrescenta, o trabalho “já melhorou bastante”, face aos meses anteriores, mas “nada que se compare” às ‘corridas’ que fazia há um ano.

“Estamos a sentir um bocadinho de turismo, mas ainda é insuficiente. É difícil apanhar fretes na rua”, admite, ainda assim esperançado que 2021 seja diferente.

Também em pleno centro de Santa Maria, Helton Delgado, 23 anos, afirma sem rodeios que em 2020 viveu “os piores momentos” da sua vida.

“Tudo fechou, não havia clientes para fazer o serviço de táxi e tudo ficou parado. Ainda bem que tinha as minhas poupanças, que tinha guardado. Os proprietários das casas desceram as rendas, foi assim que se conseguiu levar a vida”, explica o taxista, profissão em que leva já quatro anos.

Antes da pandemia, Helton conta que o trabalho “não dava para parar” e o dia era todo ele “sempre uma corrida”, tal era a vida que os turistas davam à ilha do Sal.

“Espero bem que esse tempo volte”, desabafa.

Para já, confessa que para os táxis “ainda está tudo parado” naquela ilha, e que os taxistas que ainda trabalham na atividade vivem praticamente dos fretes com os clientes cabo-verdianos, que por sua vez também são poucos, dada a crise generalizada.

“Como o turismo parou, eles também voltaram para as suas ilhas”, aponta, para logo de seguida garantir: “Mas acredito que vai começar a melhorar”.

Pouco antes da pandemia, a autarquia do Sal aprovou um reforço no contingente de táxis, até ao limite de 330, contrariamente ao máximo de 200 antes estipulado, segundo deliberação dos órgãos locais.

Aquela ilha, com uma população residente de cerca de 35.000 pessoas, contava com um contingente máximo de 120 táxis em 2001, número que foi revisto em 2007 para 200.

“É evidente que, decorrida mais de uma década sobre a data do contingente de 200 táxis, visto a importância que os transportes públicos de aluguer em táxi desempenham numa ilha turística como o Sal, (…) à primeira vista, parece liminarmente insuficiente, não somente para as necessidades do mercado Sal, como também das demandas turísticas”, previa uma deliberação municipal de dezembro de 2019.

O documento referia ainda que à data, segundo os próprios profissionais de táxi da ilha, estavam no mercado “mais de 400 táxis”.

Marco Gomes, 29 anos, é um desses taxistas, a sua principal ocupação há quatro anos, embora admita que já antes não tinha tanto trabalho como gostaria, culpando os programas de férias “tudo incluído” dos operadores, que fazem com que os turistas praticamente não saiam do hotel. “Já não havia muito trabalho, agora ficou ainda pior. Foram meses sem trabalhar”, recorda o taxista, sobre os primeiros meses da pandemia.

Apenas desde dezembro, com a retoma pontual de alguns voos internacionais para o Sal, suspensos desde 19 de março, é que recomeçou a trabalhar, mas num cenário em que a grande maioria dos hotéis da ilha permanecem encerrados.

“Nenhum de nós vai esquecer 2020, principalmente a nossa classe, que sofre muito com isso. Se os hotéis não estão abertos, não temos trabalho”, assume Marco, que por isso tem-se dedicado a outros trabalhos, além do táxi, para tentar sustentar a família.

“Posso ir à pesca, fazer outra coisa. Mesmo sem pandemia não conseguia viver só de táxi”, conta, explicando que dos cerca de 300 euros por mês que recebia antes, 200 euros pagavam a renda de casa da família.

E a preocupação aumenta, ao ver o pontão de Santa Maria sem praticamente sem turistas. “Está melhor do que no início. Já dá para fazer alguma coisa, mas ainda não dá para pagar as contas”, aponta.

Ainda assim, Marco resume o pensamento generalizado no Sal, enquanto os turistas chegam a conta gotas às praias de areia branca e ao mar azul da ilha: “Todos nós estamos a esperar por dias melhores”.

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