Este artigo devia chamar-se algo do género de Histórias do meu Japão.

É que estou no Japão há cerca de duas semanas, e,
embora já seja a minha terceira visita , esta tem um
sabor especial, pois escrevo da Universidade de Kyoto
de Arte e Design, onde vim frequentar um Seminário
para estrangeiros, sobre Jardins, História e Herança
Cultural Japonesa.

Escusado será dizer que o curso é
interessantíssimo, muito bem estruturado e organizado,
de forma a termos aulas teóricas, visitas aos locais
mais emblemáticos da cidade de Kyoto e aos seus arredores e ainda aulas
práticas. É particularmente destas últimas que gostaria de vos falar.

Às 8 horas da manhã, os 28 alunos
que compõem o nosso grupo multinacional,
multilinguístico e transcultural,
encontrou-se à porta de Parque Imperial
de Gyoen, onde passou o dia (das 8 às 16
horas) a aprender a podar árvores. Só interrompemos
para um intervalo para almoço,
no chão de musgo, com a famosa
Bento Box (caixa de Bento), que contém
uma série de divisórias com vários tipos
de comida tipicamente japonesa, que se
come, é claro, com pauzinhos.

Que não se pense que as técnicas
de poda têm alguma coisa em comum
com aquilo que se pratica em Portugal.
Tirando a orientação da tesoura e alguns
princípios básicos mandatórios, a poda
aqui é um acto de amor que se tem com
uma árvore ou arbusto, e não a utilização
de uma serra eléctrica que, quanto mais
rápido, melhor, corta a eito e de qualquer
maneira o que é considerado a mais, às
vezes sabe-se lá com que critério.

Podar um pinheiro japonês (para
não estar aqui a usar nomes técnicos
complicados), por exemplo, demora a
um jardineiro quatro dias. Ramo a ramo,
vai desbastando o pinheiro, tirando as folhas ou, se
quiserem, as carumas, de maneira a dar-lhe a forma
desejada, quer no volume, quer na direcção dos
ramos. Além disso, o estilo de poda varia, consoante
a árvore está num gosho (palácio), numa machyia
(casa citadina), num templo, ou num pavilhão de chá.
A dificultar o processo está o facto de tudo ter que ser
feito em cima de um escadote.

Surpreendente também é olharmos para os
pés dos jardineiros japoneses pois as botas que eles usam são de um
material extremamente flexível e separando os
dedos dos pés,isto é, exactamente o contrário
das nossas botas de jardinagem ocidentais, tipo
Wellington, pesadas e duras. Perguntei o porquê
daquele estilo tão diferente e foi-me respondido que
«Assim sente-se melhor o chão que pisamos...».


É uma resposta tipicamente japonesa. Podiam
ter dito que a razão era porque conseguiam mais
aderência ou eram mais confortáveis. Mas não.
Interiorizam que, assim, estão mais próximos da
Natureza que eles tanto respeitam.


Veja na página seguinte: A profunda relação harmónica que existe com a natureza

É esse respeito pela Natureza e culto da estética
que faz com a operação de poda seja tão importante
no Japão.

Há uma profunda relação harmónica com
a Natureza mas, por outro lado, querem dominá-la,
para assim melhor compreender a sua essência.
Um bocado complicado para um ocidental, não é?

Outro aspecto extraordinário são os instrumentos
usados nas tarefas de jardinagem. As tesouras de
poda são parecidas com as nossas, mas tudo o resto,
vassouras, garfos e outros utensílios têm o formato tradicional,
usado há vários séculos, feito em materiais naturais,
e são elegantes e bonitos.

Mais uma curiosidade, as escadas não são
escadotes, mas sim uns triptícos, muito mais estáveis
e confortáveis para trabalhar. Posso dizê-lo porque
estive duas horas em cima de um deles. Não entendo
porque é que este modelo não é copiado no Ocidente.
Enfim, uma experiência que não vou esquecer
tão depressa, e que me faz pensar em que consiste,
afinal, o prazer de jardinar?

É fazer o mais rapidamente
possível uma tarefa maçadora para se obter um
resultado visual que depois nos enche de orgulho e
satisfação. Ou é um ritual sem pressa, para melhor
sentirmos as árvores, os arbustos, as flores e aproveitar
o contacto físico com o mundo natural para nos
libertarmos do peso das contrariedades do dia-a-dia?
Ou será que estou a ficar com os olhos em bico?

Texto: Vera Nobre da Costa