No momento em que nos colocamos
no nosso tapete de prática
e estabelecemos contacto com
a nossa fisicalidade, iniciamos
o percurso de descondicionamento
a partir da matéria mais perceptível,
o corpo.

Condicionamento, separação, desagregação entre corpo, inteligência (buddhi), mente (manas), ego (ahamkara), um big-bang individual, disparando em todas as direcções, deixando-nos tão despojados de essência, à medida que crescemos e cumprimos o nosso destino anatómico (segundo Freud, anatomia é destino).

Esta constatação é o princípio da busca individual pelo Eu, o que está para além do nome, idade, profissão, email, telemóvel, hobbies. Como Vergílio Ferreira descreve no seu livro “Aparição”, a estranheza, mal-estar do personagem, confrontado alguns momentos com a sua imagem reflectida no espelho do quarto de dormir.

Começamos pelas posturas (asana), através das quais o corpo ganha mobilidade, elasticidade, leveza; aprofundamos, estudamos, reconhecemos este corpo que em bébés tanto espanto nos causava, as mãos, as solas dos pés, o movimento ondulante dos dedos, como o olhar acompanha estes acontecimentos
e a mente se funde em atenção plena com eles. Observamos na permanência como a pele se ajusta, os músculos alinham, as articulações encaixam; nas passagens dinâmicas como a respiração consciente (ujayiPranayama) se torna o fio condutor, no relaxamento (savasana) a entrega dos elementos de que somos feitos ao chão que os recebe.

De todas as sensações vividas até hoje, nada como a do silêncio da prática para me sintonizar com as minhas memórias de bióloga de campo e voltar a sentir-me una com a Natureza: a música de um regato que corre fresco saltitando sobre as pedras aquecidas pelo Sol, bandos de abelharucos flauteando pelo céu enquadrado por ramos de carvalhos e velhas figueiras, o vento penteando os cabelos no alto de uma arriba duriense, enquanto o cheiro a resina perfuma o ar, os olhos fixos no Pôr-do-Sol até se esbater numa fina linha do horizonte anunciando a irmã Lua.
Esta fusão com o Universo permite tocar as estrelas quando estiramos um braço, encontrar frescas e húmidas as raízes mais profundas das árvores quando tomamos consciência dos nossos pés, sentir os ventos que nos envolvem e preenchem quando criamos espaço, alongando e ajustando o nosso corpo, ouvir o mar, lar ancestral, na nossa respiração e o vácuo cósmico na mente límpida e lúcida.

É esta solidariedade com a Natureza que nos remete ao ponto nulo, ao início, o reconhecimento em nós dos elementos Terra, Água, Fogo, Ar, Éter (bhutas), ponto de partida da viagem de fora para dentro, onde persiste completo domínio do subconsciente e fluxo psicomental. Isto é Yoga.