Se comunicar fosse simples, a nossa vida não estaria repleta de apresentações desinteressantes, reuniões intermináveis, conversas que dão azo a mal-entendidos e dificuldades em fazer-se entender. No entanto, ser um bom comunicador não é um dom que nasce (ou não) connosco: “qualquer um de nós pode transformar-se num comunicador exímio. Só precisa de conhecer as regras do jogo”. Esta é a mensagem que nos traz Carla Rocha, apresentadora da Renascença e formadora na área da Comunicação, no seu livro Fale Menos, Comunique Mais (edição Manuscrito).

O livro apresenta ao leitor dez estratégias práticas para saber tirar partido do poder da comunicação, que implica preparação, ouvir o outro e comunicar de forma direta e assertiva, sem ruídos e sempre com empatia.

A presente edição, revista e atualizada, surge também direcionada para a comunicação remota. Hoje, no contexto profissional, ter uma reunião via Zoom, Teams ou Skype é tão frequente como fazer um telefonema ou enviar um e-mail. A plataforma muda, mas o objetivo continua a ser o mesmo: passar a mensagem de forma clara e apelativa.

De Fale Menos, Comunique Mais publicamos o excerto abaixo:

Escutar: ouça mais do que fala

“Todas as manhãs penso que nada do que disser nesse dia me vai ensinar seja o que for. Se quiser continuar a aprender, devo continuar a escutar”.
Larry King

Quando o objetivo numa conversa é perceber a outra pessoa e estabelecer uma ligação com ela, o ato de escutar ativamente torna-se natural.

Por exemplo, quando jornalistas ou locutores de rádio fazem uma entrevista a um convidado têm esta competência da escuta bem ativada. Ainda que tenham um guião com algumas perguntas estruturadas, é importante não se colarem ao que está previsto ou correm o risco de perder grandes momentos. Muitas vezes, é a partir das respostas dos entrevistados que se constroem novas perguntas e que a conversa ganha vida. É no pormenor de uma resposta, no detalhe de um comentário ou num simples silêncio que nasce uma questão que se torna um grande momento de rádio ou de televisão.

A diferença entre ouvir e escutar é enorme. Ouvir é involuntário, podemos estar na rua, sozinhos, absorvidos nos nossos pensamentos, e, ainda assim, ouvimos sons e palavras que nos chegam sem que tenhamos de fazer qualquer esforço para que isso aconteça. Não requer esforço, compreensão ou interpretação. Escutar, por sua vez, implica interpretar o significado, compreender o que nos foi dito.

Não há conversação se não estivermos a escutar. Há apenas palavras que se atiram para o ar sem que façam um conjunto, sem que se organizem numa ideia, sem que ganhem qualquer significado ou dimensão.

E quantas vezes a escuta não acontece? Se reparar bem, todos os dias. Em casa, no escritório, no café. Quantas vezes sentimos que não nos ouvem?

No nosso dia a dia, não andamos a contabilizar, é certo, mas se olharmos para o contexto empresarial fica claro que não somos ouvidos demasiadas vezes; há estudos e relatórios que o demonstram. Um dos mais recentes sobre o tema*, feito com quatro mil trabalhadores de 11 países, refere que dois em cada três já sentiram que os líderes não ouviram ou ignoraram o que tinham para dizer. O resultado? Falta de confiança para partilhar ideias ou preocupações e vontade de deixar a empresa.

Caso

Tiago Varzim é natural de Barcelos e tirou o curso de Ciências da Comunicação em Lisboa. Embora sempre tenha sido um filho dedicado e atento, afirma que foi em Lisboa, com a distância a que se instalara da sua família, que começou a saber escutar a mãe: “Em casa, muitas vezes entravámos em conflito porque nem sequer a escutava. Já antevia o que ela me ia dizer e contra-atacava logo. Quando fui estudar para Lisboa, de certa forma, comecei a ter um outro tipo de paciência, ou se calhar eram as saudades, mas a verdade é que dei por mim a escutá-la mesmo quando sabia o rumo que a conversa iria ter e só por escutá-la os conflitos diminuíram grandemente”. O Tiago percebeu que saber escutar diminuiu as possibilidades de desentendimento, de conflitos.

Falar e ouvir ocorrem ao mesmo tempo, cada participante na conversação é ao mesmo tempo orador e ouvinte. Não é assim tão complexo, nascemos com boca e ouvidos, conseguimos fazer ambas as funções. No entanto, a qualidade de uma conversação depende mais da qualidade da escuta do que da qualidade do discurso.

É na escuta que percebemos o ponto de vista do outro e encontramos pontos comuns.

Mas será que toda a gente tem consciência da importância de saber escutar no processo de comunicação?

Durante as formações que dou são muitas as pessoas que me dizem que este é o pilar da comunicação que mais precisam de melhorar para conseguirem chegar aos outros. Fico espantada com a quantidade de pessoas que admitem que não escutam porque estão mais preocupadas em falar e em fazer valer as suas ideias sem reparar no que os outros lhes estão a dizer. Fico espantada, mas contente ao mesmo tempo. Afinal de contas, ter consciência de um comportamento é o primeiro passo para o alterar.

De algum modo, ao escutarmos mostramos que estamos atentos, que aquilo que a outra pessoa está a dizer nos interessa; mostra que estamos recetivos às ideias do outro. Estes inputs resultam numa conversa muito mais harmoniosa entre quem fala e quem ouve.

Deveremos saber quando é a altura certa para parar de enviar e começar a receber. Para se tornar melhor comunicador deve tentar desenvolver, a todo o custo, a arte de saber escutar.

“O homem comum fala, o sábio escuta, o tolo discute”.
Provérbio chinês

Perceba se é um bom ou um mau ouvinte

Procure no quadro que se segue quais os pontos em que considera ter um bom desempenho enquanto ouvinte e aqueles em que ainda pode melhorar e tente, numa próxima conversa, colocá-los em prática. Sim, toda e qualquer conversa é uma oportunidade de nos tornarmos melhores comunicadores.

Perceba se é um bom ou um mau ouvinte
créditos: Manuscrito

Quando olho para este quadro, há dois aspetos que me saltam à vista: a importância de escutar mais e falar menos e a importância do silêncio na comunicação.

Quando comecei a carreira na rádio, a ideia que tinha era a de que o silêncio era o meu pior inimigo e deveria ser evitado a todo o custo porque era constrangedor. Esforçava-me por encher todas as pausas assim que abria o microfone e começava a falar, debitava informação num ritmo alucinante como se estivesse em contrarrelógio e, quando entrevistava alguém, estava mais preocupada em lançar as perguntas que tinha preparadas do que em ouvir as respostas da pessoa com quem conversava (se é que posso chamar “conversa” às primeiras entrevistas que fiz).

Quando, nas formações que dou, abordo esta questão do silêncio (da importância das pausas para sublinhar uma ideia) e da necessidade de ouvir os outros, costumo referir o exemplo de John Francis, um caso extremo – era impensável seguirmos o seu exemplo –, mas que nos ajuda a essa reflexão.

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A primeira vez que ouvi falar deste norte-americano foi durante a investigação para a dissertação de mestrado, enquanto analisava episódios do programa Ted Radio Hour – baseados nas TED Talks. O episódio “Quiet” conta a história de um ativista ambiental que decidiu deixar de falar. A ideia inicial era manter este voto por 24 horas apenas mas, na verdade, acabou por ficar 17 anos em silêncio. John Francis conta na entrevista a Guy Raz, o apresentador do Ted Radio Hour, que, mesmo depois de ter tomado esta decisão, não conseguia estar em silêncio por completo, havia sempre qualquer coisa a acontecer nos seus pensamentos. Mesmo sem abrir a boca, estava permanentemente a pensar em conversas que tivera ou em argumentos que poderia usar numa próxima vez para fazer valer o seu ponto de vista. Foi preciso um mês para que o silêncio se instalasse de vez na sua mente e para que começasse, realmente, a ouvir-se a si e aos outros. Mas que razão levou este homem a deixar de falar e a deixar-se ficar nesta condição durante 17 anos?

A razão principal foi para evitar discussões com quem estava à sua volta: família, amigos, vizinhos. Todos tentavam demover John de uma decisão que tinha tomado, mas sem resultado, e isso estava a pesar na sua vida. Tudo começou quando, um dia, nos anos 70, viu dois camiões que transportavam petróleo colidirem na baía de São Francisco. O acidente provocou um derramamento que afetou toda aquela área. John, acérrimo defensor das causas ambientais, decidiu, naquele momento, que tinha de tomar uma medida drástica: deixar de usar transportes e começar a andar a pé para todo o lado. Resultado: discussões, discussões e mais discussões a tentar convencer família e amigos do seu ponto de vista e a justificar a sua decisão. Argumentava que uma única pessoa poderia fazer a diferença no mundo e contribuir para um planeta mais limpo, mas pouca gente se deixava convencer e continuavam a insistir para que voltasse atrás na decisão. “Um dia, resolvi dar à minha família, à comunidade e ao mundo este presente: o meu silêncio”.

fale menos comunique mais
créditos: Manuscrito

John deixou de falar para acabar com as discussões e argumentos e descobriu um novo mundo e uma nova pessoa. Deixou de falar, passou a andar a pé mas nunca parou: completou um doutoramento, foi nomeado embaixador das Nações Unidas, percorreu todo o território dos Estados Unidos a pé e fez amigos em todo o lado. Conta que com este voto de silêncio aprendeu mais acerca dos outros e de si próprio do que alguma vez em toda a sua vida. Ouvia sem nunca interromper, sem fazer assunções ou juízos de valor, nunca deixando a sua mente divagar e dando plena atenção ao outro.

John fala no alívio que sentiu quando deixou de ter a pressão de mostrar aos outros o seu ponto de vista, e partilha: “As pessoas têm muito a ensinar umas às outras se estiverem disponíveis para ouvir”.

Quando sentiu que tinha aprendido a sua lição e que tinha feito o seu caminho para se tornar uma pessoa melhor, John voltou a falar. Dezassete anos depois, reuniu a família num hotel e deu a notícia. Hoje passa a vida a viajar pelo mundo (certamente já não apenas a pé) para falar em empresas, escolas e organizações sobre os benefícios do silêncio.

Excêntrico? Sim.

Impensável para a maioria das pessoas? Sem dúvida.

Simultaneamente inspiradora, a história deste homem deixa-nos com vontade de contribuir com um pouco de silêncio no mundo e chama-nos para esta reflexão:

– Que ações concretas podemos levar a cabo para promover a escuta ativa e a atenção pelo outro, independentemente do que temos para dizer nos mais variados contextos?

– Que estratégias podemos adotar a partir desta história?

Dou-lhe algumas sugestões e convido-o a anotar as suas.

– Ouvir muito mais do que falar.

– Não deixar a sua mente vaguear enquanto tem uma conversa.

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Algumas táticas para praticar a escuta ativa

– Concentre-se na pessoa que fala consigo.

– Repita na sua cabeça as mensagens-chave que recebeu. Vão ajudá-lo a manter-se concentrado e poderá, no final, comprovar se o que ouviu está de acordo com os pontos que memorizou.

– Mostre que está a compreender o que lhe dizem mantendo contacto visual ou acenando com a cabeça. Certifique-se de que a sua postura é aberta e de acolhimento.

– Clarifique a informação. Repita o que lhe estão a dizer por palavras suas para se certificar de que entendeu a mensagem tal qual ela foi transmitida. Coloque questões se for necessário.

– Evite interromper ou orientar a conversa.

– Encoraje o outro a falar.

– Numa situação de conflito, liberte-se das emoções negativas. Controle as suas emoções e ajude os outros a controlarem as deles. Só o simples facto de mostrar que está disposto a ouvir e a compreender o outro tem um efeito apaziguador. Se ambos tiverem essa atitude o mais certo é que o entendimento não tarde.


* Relatório www.ukg.com/resources/webinar‑ -replay/heard-and-heard- ‑nots-impact-listening-work, “The Heard and the Heard-Nots: The Impact of Listening at Work (2021)”, The Workforce Institute at UKG.