Licenciada em Filosofia e Letras e Mestre em Humanidades e Jornalismo, Elsa Punset é uma escritora best-seller na categoria de auto-ajuda em Espanha contando com diversos livros editados, entre eles Uma mochila para o Universo (2013), tendo mudado a vida de um milhão de pessoas em todo o mundo.

Quando não está a escrever divide o seu tempo entre conferências, programas de televisão e o Laboratório de Aprendizagem Social e Emocional da Universidade Camilo José Cela (UCJC). O Livro das Pequenas Revoluções é a sua mais recente obra onde se debruça sobre aquela que é a sua área de especialização: a inteligência emocional nos processos de tomada de decisões e aprendizagem. Através de uma linguagem fácil, prática, divertida e direta, a autora partilha 250 exercícios expresso que lhe permitirão dar pequenos passos para mudar a sua vida e o ambiente que o rodeia.

Mais do que um guia prático que alia rotinas diárias e os estudos mais recentes da inteligência emocional e a neurociência com frases inspiradoras, O Livro das Pequenas Revoluções posiciona-se como uma obra desafiante, que pretende acompanhar o leitor numa viagem de autodescoberta.

Qual a inspiração por detrás deste livro?

É engraçado porque eu viajo muito pelo mundo com o meu marido e como passamos muito tempo nos aeroportos estou sempre a ver a zona dos livros e houve um momento que me marcou particularmente. Peguei num livro sobre saúde feminina que tinha o seguinte título: "500 rituais para ter o corpo perfeito". Abri-o e, ao folheá-lo, nunca tinha visto um livro tão bom sobre exercício. “Como ter um estômago perfeito” ou “Como ter os braços musculados” eram alguns dos rituais que vinham acompanhados de uma pequena imagem e de forma muito fácil. Basicamente diziam que se fizéssemos isso durante cinco minutos todos os dias conseguíamos ter o corpo perfeito. E eu pensei que isto era uma boa ideia. A maior parte das pessoas não se exercita nem cinco minutos por dia. Se o fizessem não tinham o corpo perfeito mas seriam mais saudáveis e aos poucos iam gostar de fazer exercício.

Nesse momento percebi que era exatamente isso que todos precisamos: aprendemos a fazer isto com a saúde física mas quando o assunto é saúde mental permitimos que as emoções fluam e não fazemos nada para as mudar. E não o fazemos porque as mudanças mentais são muito mais difíceis de fazer do que as físicas. O físico conseguimos ver, é algo concreto. O mental é intangível e, para além disso, temos o inconsciente que é muito difícil de compreender e a maior das pessoas tem sempre o mesmo pensamento: “Se ficar muito doente vou a um psicólogo.” No fundo nunca fazemos a ‘manutenção’ das nossas emoções e achei que devia escrever um livro onde partilhasse gestos concretos e muito simples que as pessoas já conhecessem, não praticassem mas, caso o fizessem, perceberiam que podiam mudar.

O livro partilha 250 rituais diários que prometem mudar a vida do leitor. Como chegou a este número?

Eu queria abundância. Queria que o livro tivesse um índice longo e que as pessoas conseguissem identificar-se com alguma coisa. Pretendia que quem comprasse o livro encontrasse algo que o motivasse e que fosse útil para a sua vida. Para além disso, queria que fosse claro para todas as pessoas que existem muitas formas de mudarmos mentalmente. Os hábitos são um exemplo. “Se mudarmos os nossos hábitos, mudamos a nossa vida” é esta a mensagem do livro. Mas tivemos um problema com a editora porque o livro era muito grande e estávamos a dar demasiada informação.

E foi difícil para si ter de fazer essa seleção de exercícios?

Foi um desafio tendo em conta o número de rituais que poderia incluir no livro mas defini que tinham de ser pequenos e concretos. Li e trabalhei nestes temas durante muitos anos. Tenho os meus autores preferidos, aprendi truques com neurocientistas, psicológicos, com pessoas comuns, nas redes sociais e incluí aquilo que achei mais útil. Foi muito trabalhoso até chegamos a este conceito. Com os chamados livros de auto-ajuda existe muito a ideia de que, se já existem tantos, de que vale mais um? Mas a verdade é que sinto que este livro oferece algo completamente diferente. Eu queria que todos os rituais não ocupassem mais do que uma página dupla, queria que fossem pequenos, de forma a que as pessoas não pudessem dizer que não tinham tempo, queria que fosse possível fotografá-los de forma a enviarmos a um amigo e que pudéssemos escrever nas páginas. Demorei algum tempo até encontrar a fórmula certa e, apesar de agora ser óbvio, não conheço nenhum livro que tenha feito isto desta maneira.

Nas primeiras páginas do livro diz que as pessoas estão programas para aprender e mudar até ao último dia da sua vida...

Esta tem sido uma era científica. Durante séculos que nos disseram que nascíamos com determinada inteligência, com determinado temperamento e que isso era inalterável. Para além disso, disseram-nos que o cérebro não era capaz de mudar, só de se degradar: cresce muito até termos 18 anos e a partir daí entra em degradação, o que é uma imagem deprimente. Podemos ter a sorte de nascer com um cérebro ótimo mas, com esta filosofia, somos todos seres humanos imperfeitos e temos de aprender a viver com os nossos defeitos. Os primeiros grandes ensaios que se fizeram sobre a flexibilidade e plasticidade do cérebro datam do ano 2000 e, até ao momento, ainda não temos consciência até que ponto somos capazes de mudar. Somos uma coleção de hábitos e isto é muito interessante porque acho que esta informação é a chave da liberdade para muitas pessoas, mas a verdade é que ainda não acreditamos nisso. As pessoas não são educadas para perceberem que são capazes de mudar e isso vai contra aquilo que acreditamos sobre o ser humano.

E é fácil fazer essa mudança?

Mudar é muito difícil. Há algo a que os neurocientistas chamam de ‘paradoxo da plasticidade’: o cérebro é capaz de mudar mas quando aprende algo isso fica enraizado na nossa mente. Como somos preguiçosos e o cérebro quer economizar energia temos tendência para escolher as opções seguras, repetindo-as vezes sem conta. Portanto o paradoxo da plasticidade é isto: quando aprendemos a fazer as coisas de determinada maneira ficamos bloqueados porque é muito exaustivo, enfadonho e assustador mudarmos a nossa forma de agir. Foi por isto que decidi escrever um livro intitulado O Livro das Pequenas Revoluções uma vez que as grandes revoluções são assustadoras para o cérebro humano mas as mudanças pequenas e concretas são fáceis de fazer e implementar.

Isto resume-se apenas a uma coisa: ao querer fazer algo. Será que quero escovar os dentes de manhã? Se calhar não mas tenho de o fazer se quero ter bons dentes. E com isto é a mesma coisa. O livro convida o leitor a experimentar e há muito por onde explorar: desde exercícios de motivação, a exercícios para melhorar relação com marido/esposa. E espero que o leitor fique viciado e diga: “Não foi assim tão difícil, não foi doloroso. Vamos fazer pequenas mudanças”.

No livro refere que o cérebro tem mais tendência para se focar nas coisas negativas do que nas positivas. Por que razão é que isto acontece?

Este é um dos princípios em que baseio o meu trabalho e ajudou-me bastante quando cheguei ao cerne da questão. "Por que é que as pessoas têm tendência para o stress e para a depressão?", "Por que é que pensamos nas coisas más quando vamos dormir?" ou "Por que é tão difícil desfrutar das pequenas coisas que acontecem diariamente?" eram algumas das questões que me intrigavam. E, basicamente, isto deve-se ao facto de o cérebro não querer que as pessoas sejam felizes ou criativas. Quer que as pessoas estejam vivas. O cérebro está programado para a sobrevivência, exagerando potenciais perigos que se possam cruzar no nosso caminho. Se algo mau acontece, o cérebro memoriza-o melhor do que uma coisa boa. Há um psicólogo que diz que o cérebro é como o teflon para as coisas positivas e o velcro paras as negativas.

O que se torna irritante numa base diária, mas o mais curioso é que isso não acontece às crianças. Se pensarmos as crianças são diretas, confiantes, curiosas e desfrutam da vida porque o seu cérebro não está tão desenvolvido como o dos adultos e não têm a capacidade de olhar para o passado e para o futuro com uma tendência negativa. Mas entre os 10-15 anos começam a perder criatividade, confiança e o medo cresce no cérebro. E há uma parte do livro que se foca nas razões pelas quais as emoções negativas têm um impacto significativo na nossa vida.

Aprender a compreender o nosso cérebro é muito libertador pois percebemos que ele só nos quer proteger adotando a postura da mãe superprotetora que nos alerta para determinadas coisas e, no fim de contas, temos medo de nos mexer. Temos de aprender a contrariar isso e encontrar o equilíbrio. Há milhões de anos, o mundo era muito perigoso e continua a sê-lo. A grande diferença é que atualmente podemos escolher a forma como nos sentimos.

O Livro das Pequenas Revoluções

Outra dos temas que aborda prende-se com o facto de ser possível treinar o cérebro e ensiná-lo a ser mais positivo. Por que é tão importante que as pessoas aprendam a fazer isto e quais os benefícios que daí advêm?

Os benefícios são inúmeros. Num mundo que estava orientado para a sobrevivência e para fazer aquilo que está correto, a felicidade nunca ocupou um lugar primordial, sendo considerada um luxo biológico. Antigamente não sabíamos que as pessoas felizes tinham um QI mais alto, que eram mais criativas, que eram mais sociáveis, mais saudáveis e que viviam mais anos. Tudo é melhor na vida de uma pessoa feliz porque as emoções deixam uma marca no corpo físico. Antes achava-se que falar de felicidade era algo tonto e inútil, mas agora sabemos que vivemos mais tempo e que esperamos mais da vida do que antigamente. Apesar de ser um conceito subjetivo, sabemos que a felicidade tem um impacto direto na saúde física e que mente e corpo estão interligados. O mesmo se passa quando falamos de inteligência emocional: as emoções e a racionalidade estão interligadas. Os humanos são feitos de emoções e temos de as compreender e cuidar delas.

No livro partilha exercícios muito diferentes que vão desde a respiração e postura passando por posições de ioga e meditação. Qual é o seu favorito?

Gosto muito do número 51: posturas poderosas. Eu gosto deste exercício porque é uma forma muito fácil de mostrar ao leitor que é possível gerir as nossas emoções de formas muito diferentes. Não só através do cérebro, mas através do corpo porque, no fundo, é a mesma coisa. Todos nós sabemos que sorrimos quando estamos felizes, mas se estivermos a fazer exercício e estivermos com o rosto fechado temos mais consciência da dor e o cérebro muda, fabricando químicos que nos fazem sentir pior. Não sabemos como funciona, mas sabemos que se sorrirmos, mesmo quando não estamos felizes, que relaxamos o cérebro e este produz químicos que nos fazem sentir bem.

A Amy Cuddy, que é psicóloga na Universidade de Harvard [citada no livro], teve um acidente e precisou de encontrar uma forma rápida de se sentir melhor. Normalmente quando as pessoas se sentem bem fazem posturas poderosas – abrem os braços, têm os pés assentes no chão, olham nos olhos do outro – e o que concluíram no laboratório foi que basta estarmos numa destas posturas durante dois minutos para mudar o nosso químico cerebral. A testosterona sobe e cortisol (hormona do stress) baixa imediatamente. O cérebro é tão poderoso que basta imaginarmos que estamos numa dessas posturas que isso impacta a maneira como nos sentimos. Gosto destas pequenas revoluções porque são uma forma fácil de percebermos como um gesto tão pequeno tem um impacto tão forte no nosso bem-estar.

É a autodescoberta um dos intuitos deste livro?

Sim. A ideia é acompanhar o leitor numa viagem de autodescoberta, perceber aquilo que ele gostava de fazer com a sua vida e que não desista da ideia que é ele que a controla. Apesar de não podermos decidir tudo na nossa vida, podemos decidir o caminho que vamos seguir. A autodescoberta e viver conscientemente é o grande objetivo do meu trabalho: perceber que temos mais poder sobre a nossa vida do que aquilo que pensamos, trabalhar na forma como nos sentimos em relação a ela e o que podemos fazer com ela. É algo essencial.

O que a surpreendeu neste livro? Como tem sido a receção pela parte dos leitores?

O [modelo do] livro é baseado num grande best-seller de culinária em Espanha em que o objetivo é oferecer ao leitor receitas simples. E este livro funciona da mesma maneira. Quando descobrimos que é possível educar o cérebro, torna-se fundamental termos não só as ferramentas certas como ferramentas simples à nossa disposição. No fundo, este livro é uma caixa de ferramentas que tem diferentes abordagens por parte do leitor. Uma rapariga alemã disse-me que tinha começado a ler o livro e que fazia uma rotina por dia. Depois tive uma mãe que me disse que a filha adolescente estava presa no trânsito, a caminho do aeroporto, e que estava muito stressada e em pânico. A mãe enviou-lhe pelo Whatsapp quatro ou cinco rotinas dos exercícios anti-stress que estavam no livro e dez minutos depois a filha ligou-lhe a dizer que se sentia muito melhor. Este é um livro que tem impacto na vida das pessoas. E mais do que isso, é um livro útil, personalizável e que eu quero que as pessoas vejam como seu. Eu só lhes dou as ferramentas.

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