“São dados muito preocupantes”, disse a investigadora da UMAR Ana Guerreiro, salvaguardando que em causa está uma análise preliminar e que os casos foram noticiados no ano passado, mas podem ter ocorrido em anos anteriores.
Analisando notícias publicadas na imprensa escrita em formato digital, a UMAR contabilizou 299 casos de violência sexual em 2021, o que corresponde, em média, a 25 casos por mês.
Desses casos, 62,7% ocorreram na habitação da vítima ou do ofensor, 10,9% em espaço público, 8,8% em local ermo e 5,4% na escola.
O veículo do ofensor ou da vítima, via Internet, numa casa de banho pública, num consultório médico, bem como num hospital, hotel, garagem ou local de treino são outros dos locais onde ocorreram situações de violência de acordo com as notícias analisadas.
A vitimação continuada é o tipo mais presente nos casos noticiados (52%), sendo o tempo médio de vitimação superior a três anos.
O relato dos casos confirma que na maioria das vezes os crimes são cometidos por pessoas conhecidas da vítima.
Só em 5,4% dos casos, a vítima e o ofensor não se conheciam.
“Destes dados destaca-se o facto de as pessoas serem conhecidas ou mesmo familiares. Isso demonstra mais uma vez que, tal como na violência doméstica, também a violência sexual tende a acontecer em espaços familiares e com pessoas conhecidas. A casa continua a ser um lugar inseguro para se viver”, analisou a presidente da UMAR, Liliana Rodrigues.
A violência sexual ocorreu em 87% os casos sobre o género feminino.
A idade das vítimas varia, “no caso das raparigas e mulheres”, conforme se lê no relatório, entre os 1 e os 90 anos.
No caso do género masculino, o intervalo de idades posiciona-se entre os 5 e os 62 anos.
Quanto aos ofensores, 95% são homens e a média de idades é 42 anos.
“Tal como a violência doméstica, a violência sexual não é individual, é estrutural. É estrutural numa sociedade sexista e patriarcal. Temos de combater o estereótipo e as narrativas que tentam justificar a violência”, disse Liliana Rodrigues.
Quanto às penas aplicadas aos agressores, a UMAR só identificou informação para 31 dos casos noticiados, sendo o tempo médio de nove anos de pena de prisão.
Lisboa, Porto e Braga são os distritos que apresentam maior número de casos.
Numa conferência de imprensa que decorreu na Faculdade de Psicologia da Universidade do Porto, a UMAR alertou ainda para as percentagens relacionadas com o tipo de crime.
Das 192 notícias em que foi possível perceber a tipologia criminal, o abuso sexual assume mais de metade dos casos (50,5%), seguindo-se a violação (42,2%).
As investigadoras destacaram também a percentagem associada a casos de pornografia infantil (5,7%) e de importunação sexual (1,6%).
Ana Rodrigues lembrou, em jeito de alerta, que “possivelmente há mais casos de assédio sexual que não se traduzem em denúncias e queixas”.
E em resposta à pergunta sobre se é possível estimar, com base neste relatório que só reflete notícias da imprensa 'online', quantos casos existem, a investigadora apontou que “o que os estudos têm vindo a dizer sobre a diferença entre a criminalidade real e a criminalidade oculta, as chamadas cifras negras, é que a diferença é de pelo menos o triplo”.
“Que o número real é maior temos a certeza que é”, completou Liliana Rodrigues.
A UMAR, associação já conhecida pela intervenção ligada à defesa das mulheres e que, periodicamente, tem tornado públicos apelos e números sobre o femicídio, realizou este relatório sobre violência sexual pela primeira vez e já está a preparar dados sobre este ano.
Na introdução do documento lê-se: “Este estudo é dedicado a todas as vítimas/sobreviventes de violência sexual e a todas e todos que se dedicam ao apoio e defesa das vítimas/sobreviventesde violência sexual”
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