Todos nós gastamos uma enorme quantidade de energia a tentar que as pessoas à nossa volta nos ouçam. Apesar dos esforços, muitas vezes falhamos. “Mas, e se o segredo para influenciar os outros fosse, primeiro, aceitá-los?” Esta é a pergunta que nos deixa Caroline Fleck, psicóloga, consultora empresarial e instrutora clínica adjunta na Universidade de Stanford, como mote para o seu livro Validação (edição Nascente).

Para a autora, a validação é “uma forma de comunicação que transmite atenção, compreensão e empatia pela experiência do outro, reconhecendo-a como válida”.

Nas páginas de Validação percebemos que esta “tem efeitos profundos: melhora relações, resolve conflitos, aumenta a capacidade de gerar autocompaixão, impulsiona a mudança e influencia o crescimento dos outros e de nós próprios”, assim lemos na sinopse à obra.

Caroline Fleck explica-nos porque é que a validação é um catalisador para a transformação. A psicóloga conduz-nos através de oito competências que podemos usar para a comunicar de forma eficaz. “Com a prática, estas competências tornam-se um modo de vida, ajudando-nos em todas as frentes”, sustenta a autora.

Do livro, publicamos o excerto abaixo:

Agir – Quando as palavras não são suficientes

Todos nós, num momento ou noutro, precisamos de ajuda. Quer demos ou recebamos ajuda, cada um de nós tem algo de valioso para trazer a este mundo. Essa é uma das coisas que nos unem como vizinhos — à nossa maneira, cada um de nós é um doador e um recetor.

— Fred Rogers, The World According to Mister Rogers

No momento em que escrevo isto, a Rússia está em guerra com a Ucrânia. As pessoas fugiram em massa do país e todos os dias o mundo é inundado por imagens dos crimes de guerra cometidos contra os que ficaram. Os ucranianos não têm força militar para combater a Rússia sozinhos. O seu presidente, Volodymyr Zelensky, tem‑se reunido vinte e quatro horas por dia com os aliados do seu país, pedindo sanções económicas, armamento e uma zona de exclusão aérea sobre a Ucrânia.

Numa rara entrevista à ABC News que foi para o ar a 7 de março de 2022, perguntaram ao presidente Zelensky que mensagem queria enviar ao povo norte‑americano. Zelensky falou em ucraniano e usou um tradutor durante toda a entrevista, mas quando lhe foi feita a última pergunta, olhou diretamente para a câmara e respondeu em inglês:

“Só quero que sintam e compreendam o que isto significa para nós. Porque o povo norte‑americano fala sempre de liberdade e sabe o que ela é. E agora, quando olham para os ucranianos, penso que sentem o que isso significa para nós. Portanto, não estamos longe de vós. Não estamos longe de vós. E é por isso, americanos, se veem e se compreendem como nos sentimos, como lutamos contra todos os inimigos pela nossa liberdade, apoiem‑nos, e não apenas com palavras, com medidas diretas concretas.

Zelensky está a pedir ajuda, porque não consegue gerir a situação sozinho. Responder ao seu pedido através de “medidas diretas concretas” é a única forma de validar suficientemente Zelensky e o povo da Ucrânia. Zelensky espera que, se os norte‑americanos virem e compreenderem que a liberdade pela qual o seu país está a lutar é a mesma liberdade que eles valorizam, serão compelidos a responder com empatia, agindo.

Agir significa intervir diretamente por outra pessoa. Em vez de oferecer soluções ou falar com alguém sobre a forma como pode resolver um determinado problema, agir significa intervir para resolvê‑lo pela outra pessoa. É a competência de “passar das palavras aos atos” e, em alguns cenários, é a única forma de mostrarmos que estamos lá, que percebemos e nos importamos.

Enquanto Competência de Empatia, agir obriga‑nos a ir mais além do que reconhecer (Competências de Mindfulness) e pensar logicamente sobre a experiência de alguém (Competências de Compreensão). Exige que invistamos na situação.

As Competências de Empatia atingem os objetivos das outras competências que aprendeu até agora e vão um passo mais além, transformando‑o de um observador num participante ativo.

Um momento, não é isto resolver problemas?

Agir é muito parecido com algo sobre o qual o alertei para nunca fazer ao validar — resolver problemas. A nossa inclinação natural para resolver problemas significa que, normalmente, precisamos de inibir a vontade de agir. Todavia, aqui estou eu a dizer que agir é, por vezes, a forma mais eficaz de validar as pessoas. Mas que raio?!

Resolver problemas e intervir para resolver os problemas de alguém (agir) não são tecnicamente a mesma coisa. Sugerir ações que uma pessoa poderá tomar (por exemplo, “talvez devesses refazer o teu currículo antes de enviares mais candidaturas”) é diferente de intervir por ela (por exemplo, “refiz o teu currículo por ti; agora talvez consigas mais candidaturas”).

Resolver problemas é uma tentativa mais passiva de mudar a experiência de alguém, enquanto agir exige que se invista ativamente na situação.

Embora tudo isto seja verdade, agir centra-se na mudança. À primeira vista, isto poderá parecer incompatível com a validação, que tem tudo que ver com a comunicação da aceitação. Mas, por esta altura, já percebeu como a aceitação e a mudança dão origem uma à outra e podem coexistir. Isto não quer dizer que agir seja a melhor forma de demonstrar aceitação. Muitas vezes não é. Tal como na resolução de problemas, agir quando não se justifica revela que não compreendemos realmente a situação da outra pessoa ou o motivo pelo qual ela nos procurou. Por exemplo, poderá ser validador propor “isto é tão injusto para ti”, depois de a sua amiga lhe contar que o irmão, que consome drogas, está sempre a pedir‑lhe dinheiro; agir, organizando uma intervenção para o irmão, provavelmente não seria.

Caroline Fleck é psicóloga, consultora empresarial e instrutora clínica adjunta na Universidade de Stanford. Licenciou-se em Inglês e Psicologia pela Universidade de Michigan e doutorou-se em Psicologia e Neurociência pela Universidade de Duke. Especialista em tratamentos baseados na evidência para adolescentes, adultos e casais, Fleck domina abordagens como a Terapia Comportamental Dialética (TCD) e a Terapia Cognitivo-Comportamental. Reconhecida pela sua habilidade em ajudar pessoas a realizarem mudanças críticas e desafiadoras, é uma das psicoterapeutas mais procuradas da Califórnia.

O que acontece com esta competência é que, quando justificada, pode ser mais validadora do que todas as outras competências juntas. Esta competência é essencialmente uma ferramenta elétrica. Tal como uma serra elétrica ou uma pistola de pregos, supera as limitações das ferramentas mais básicas e não é possível fazer alguns trabalhos sem ela. No entanto, tal como acontece com qualquer ferramenta poderosa, se não soubermos como a utilizar ou se não a utilizarmos com cuidado, poderá destruir o que nos propusemos construir. A questão que se coloca é então: como saber se se justifica uma intervenção? Ser‑se capaz de discernir quando se deve intervir e quando se deve ficar de braços cruzados é onde reside a competência de agir.

Quando as ações falam mais alto do que as palavras

O principal aspeto a considerar antes de agir é se a pessoa precisa ou quer que intervenhamos.Note‑se que poderá ser válido agir mesmo que a pessoa não precise tecnicamente da nossa intervenção. Ou seja, eu poderia organizar uma festa para mim própria para celebrar a conclusão do meu livro, mas sentir‑me‑ia validada pelo Mat se ele decidisse organizar uma para mim. (Dica, dica!) O que se segue são as minhas dicas sobre como intervir por alguém que pode e não pode agir por si próprio.

O outro não pode agir por si próprio

Na sua entrevista, o presidente Zelensky pediu aos Estados Unidos que tomassem “medidas diretas concretas”, porque o seu país não pode derrotar a Rússia sozinho. O presidente Joe Biden poderia responder ao presidente Zelensky, atendendo e copiando: “Ah, ‘medidas concretas’”. Poderia igualar, “acho que a maioria dos líderes mundiais também quereria ajuda internacional”, ou propor, “deve estar transtornado com a invasão da Rússia ao seu país”. Poderia inclusivamente utilizar as outras duas Competências de Empatia — emocionar‑se e revelar —, mas, sejamos realistas, nada que não passe por uma intervenção conseguirá validar o povo da Ucrânia. Sem agir, todas as outras competências da Escada de Validação seriam entendidas como condescendência.

De uma forma mais pequena, não exatamente igual, mas mais ou menos semelhante, conseguimos identificar‑nos com a posição de Zelensky. Todos nós já estivemos em situações em que precisámos de ações, e não de palavras, para nos sentirmos validados. Não nos sentimos validados por funcionários eleitos que não tomam medidas, apesar de afirmarem que levam as nossas preocupações a sério. Nas relações, não nos sentimos validados por pessoas que não mudam comportamentos que nos magoam. Seria invalidante se um parceiro infiel dissesse todas as coisas certas, mas continuasse a trair‑nos. Também não nos sentimos validados por pessoas que não levam as nossas preocupações suficientemente a sério para responderem com a ajuda de que precisamos. Se partisse uma perna e pedisse ao seu parceiro para lavar a louça até poder voltar a andar, ele poderia construir um poema épico de validação integrando todas as outras competências deste livro para validar o seu pedido, porém, se não lavasse a louça, o poema de validação provavelmente só o iria irritar.

Porque é que ser ouvido depende de saber validar os outros? A resposta da psicóloga Caroline Fleck
Porque é que ser ouvido depende de saber validar os outros? A resposta da psicóloga Caroline Fleck créditos: Nascente

Infelizmente, não é tão simples como “quando alguém pede ajuda, ajuda‑o” se a outra pessoa não conseguir fazer o que lhe está a pedir. O problema de agir é que pode rapidamente transformar‑nos numa coisa que ninguém quer ser: um facilitador.

A Havana tem 8 anos, e eu ainda costumo assentir quando ela me pede para lhe desembaraçar o cabelo antes de dormir, porque, convenhamos, ela não consegue fazê‑lo sozinha. Para que fique claro, escovar o cabelo não é como esvaziar a máquina de lavar louça, o que ela sabe fazer, mas tenta queixar‑se para não o fazer, ou aspirar, o que ela sabe fazer, embora não na perfeição. Ela literalmente não consegue passar o pente pelos nós de calibre dreadlock que tem no cabelo no final do dia.

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Validar a dor e a frustração da Havana com palavras, enquanto ela tenta escová‑los, não me parece validador. Também devo acrescentar que normalmente acabo por lhe puxar o cabelo para trás durante o dia, porque, quando ela tenta, acaba por cair e ficar ainda mais emaranhado. Suspiro. É um círculo vicioso, mas também é uma desculpa. A verdade? O meu nome é Caroline Fleck e sou uma facilitadora.

Pelo menos, posso ser quando se trata da Havana. Na maior parte das vezes, sou bastante boa a manter‑me do lado da validação e não da facilitação quando me pedem para agir, mas sou humana e a minha filha é tão gira, por isso, inevitavelmente, faço asneira e intervenho quando não devia. Quando sou eficaz com esta competência, é porque tomei as devidas diligências ao fazer três perguntas a mim própria. Poderão não se aplicar todas, mas sentir‑me‑ei mais confiante para agir se conseguir responder «não» às que se aplicam.

Agir ou não agir: Estas são as perguntas (a fazer a si próprio)

  1. Esta pessoa tem os recursos necessários para tomar qualquer ação que seja necessária?
  2. Estaria eu a fazer algo que ela precisa de aprender a fazer por si própria? Nesse caso, será ela capaz de desenvolver as competências necessárias?
  3. A ação está em conflito com os meus valores?

Tente pensar num momento em que alguém lhe tenha pedido para agir (talvez não com tantas palavras) e em que tenha pensado em fazê‑lo, pelo menos em parte, para a validar.

Pode escolher algo do passado ou um cenário atual, como no meu exemplo da escovagem do cabelo. Agora, tente responder às perguntas Agir ou Não Agir para essa situação.

Lembre‑se de que só deve considerar a possibilidade de agir se puder responder não a todas as perguntas. Para ver exemplos, consulte a tabela seguinte.

tabela
tabela créditos: Livro "Validação"

Não achou útil?! Naturalmente, outros fatores como o custo, a viabilidade e a capacidade pessoal também poderão ser importantes de considerar. As perguntas Agir ou Não Agir ajudam‑no simplesmente a determinar se a intervenção se justifica. Caso contrário, arrisca‑se a permitir o excesso de dependência, protegendo as pessoas das consequências de que necessitam para desenvolverem competências necessárias para a vida, ou comprometer o seu respeito próprio.

Caso decida não agir, não presuma que a outra pessoa vai ficar marcada para sempre. Lembrese de que uma regra fundamental da validação é que só deve validar o que é válido. Se acha que a pessoa é capaz de agir por si própria, não deve validar a crença de que ela não é capaz intervindo. Por vezes, as dúvidas de uma pessoa são válidas; ocasionalmente, não são. Acreditar em alguém que não acredita em si próprio pode validar as suas capacidades e ajudá‑la a realizar o seu potencial.

A primeira vez que a minha família foi esquiar, tivemos uma aula juntos para aprender o básico. Quando a Havana caiu pela primeira vez, instintivamente enfiei os meus bastões na neve para chegar até ela. A instrutora, uma mulher de vinte e poucos anos, desconfiada e descontraída, estendeu o braço, interrompendo‑me no caminho. “Está tudo bem, minha”, disse ela. “Ela dá conta do recado”. “Obrigada, minha, mas não é fixe”, quase respondi. Enquanto me debatia para determinar se os meus instintos de mãe ursa justificavam que batesse nesta mulher com os meus bastões e partisse as duas pernas para chegar à minha filha, aconteceu algo surpreendente. A Havana levantou‑se.

Ela deu conta do recado e levantou‑se, e o olhar de orgulho no seu rosto quando se estabilizou revelou o que isso significava para ela. A instrutora não validou a dúvida de Havana intervindo; em vez disso, validou a competência, a força e a resiliência da minha filha ao acreditar nela.

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