O cenário tem tons negros mas, também, pinceladas mais claras. Se é verdade que teremos cada vez mais fenómenos meteorológicos extremos e que, em Portugal, perderemos algumas praias, também é um facto que seremos uma sociedade com uma energia mais limpa, virada para o sol, numa economia em que a eletricidade terá um peso cada vez maior. Antecipe já o futuro!
«A mudança climática é real, está a acontecer agora mesmo», voltou a alertar o ator Leonardo DiCaprio, nos primeiros dias de 2016, quando recebeu o Óscar de Melhor Ator. «É a ameaça mais urgente com que se depara a nossa espécie e temos de trabalhar em conjunto e parar de procrastinar», insistiu o intérprete de filmes como «Titanic» e «The Revenant».
«Precisamos de apoiar os líderes que, em todo o mundo, não falam pelos grandes poluidores, mas sim, por toda a humanidade, pelos povos indígenas do mundo, pelos milhões e milhões de pessoas desfavorecidas que serão as mais afetadas. Pelos filhos dos nossos filhos e por aquelas pessoas, cujas vozes foram abafadas pelas políticas de ganância», insistiu ainda.
A necessidade premente de projetos inovadores que protejam o ambiente
Conhecido ativista ambiental, o ator criou em 1998, a Leonardo DiCaprio Foundation, através da qual apoia projetos inovadores em todo o mundo. Desde 2010, com a proteção da biodiversidade, a conservação dos oceanos, as alterações climáticas e a preservação das áreas naturais como principais áreas de atuação, a instituição doou 30 milhões de dólares em bolsas para financiar 78 projetos em mais de 44 países.
O empenho do ator na causa ambiental foi reconhecido pelas Nações Unidas, que o nomeou Mensageiro da Paz para as Alterações Climáticas, cargo que o levou à Cimeira de Paris, em França, em meados de dezembro de 2015. Meses depois, seria uma das estrelas maiores do Fórum Mundial em Davos, em janeiro de 2016.
O ano fundamental
A realização da cimeira do clima, em Paris, a par da aprovação dos 17 Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável, agenda que substituiu os Objetivos do Milénio, em setembro de 2015, em Nova Iorque, nos Estados Unidos da América, fizeram de 2015 um ano fundamental no que toca à mudança na forma como encaramos o ambiente.
Enquanto em Paris se tentava chegar a acordo sobre a melhor estratégia para abrandar o aquecimento global, os vários países estabeleceram a meta de 1,5º C no aumento da temperatura global até ao final do século, algo que parece muito difícil de cumprir. Enquanto isso, os cientistas declaravam 2015 como o ano mais quente desde que há registos.
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Os problemas de má gestão ambiental que se continuam a registar
Em Portugal, viveu-se, em 2015, o dezembro mais quente de sempre e, no outro lado do mundo, em Pequim, a cidade paralisou devido a níveis de poluição atmosférica nunca antes vistos. Entretanto, em fevereiro de 2016, a Agência Europeia do Ambiente (AEA) divulgou um relatório onde ilustrava a situação de fragilidade vivida nos ecossistemas europeus.
Desde as áreas de pasto e floresta, passando pelas zonas húmidas, ameaçadas pelo aumento da poluição, a sobre exploração, o crescimento urbano e os efeitos das alterações climáticas, as ameaças sucedem-se. Meses antes, a AEA alertara para a necessidade de uma melhor gestão das bacias hidrográficas e leitos de cheia dos rios europeus, como forma do continente se adaptar a uma realidade onde as cheias e inundações são cada vez mais frequentes.
Das 3.563 cheias registadas em 37 países, entre 1989 e 2010, 321 ocorreram em 2010. O cenário, a que se somam a diminuição das calotas polares e o recuo dos glaciares, pode parecer catastrófico, mas é possível mudá-lo, aproveitando a resiliência do clima. Entretanto, maio de 2016 foi o mais chuvoso dos últimos 22 anos.
O que dizem os especialistas nacionais
Francisco Ferreira, investigador da Faculdade de Ciências e Tecnologia, e presidente da nova ONG do ambiente em Portugal, a Zero-Associação Sistema Terrestre Sustentável, mostra-se confiante quanto às metas estabelecidas pelos Objetivos para um Desenvolvimento Sustentável. «A grande diferença em relação aos Objetivos do Milénio é que estes últimos também são claramente destinados aos países desenvolvidos», opina.
«Nos 17 novos objetivos, vários estão relacionados com o ambiente, como é o caso da salvaguarda dos ecossistemas marinhos, dos ecossistemas terrestres, em relação ao clima, energia e, finalmente, uma aposta essencial, no consumo sustentável», diz ainda.
O esforço conjunto que se exige aos líderes mundiais
Luísa Schmidt, investigadora do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, também apresenta um discurso otimista. «Uma das coisas positivas nesta cimeira é que todos os países ficam obrigados a fazer um plano de combate às alterações climáticas, que tem de ser revisto de cinco em cinco anos», refere.
«Se forem feitos planos mais ligados à mitigação dos efeitos das alterações climáticas, alguns países mais emissores tenderão a reduzir as suas emissões, existirão projetos ao nível de mecanismos compensatórios e, dentro dessa estratégia, poderá haver uma maior aposta nos transportes públicos eficientes», afirma.
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O que vai mudar nos próximos 10 anos
Apesar do longo caminho a percorrer, os tempos atuais são de mudança. «Há uma espécie de revolução industrial do ambiente. Já se pode reaproveitar toda a água que se gasta, já se podem reaproveitar todos os resíduos que são produzidos. Há tecnologia criada para isso», afirma ainda a investigadora do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa.
Uma década é um intervalo curto para poder observar alterações numa realidade que requer uma mudança radical e estruturante. Mesmo assim, Francisco Ferreira acredita que, daqui por dez anos teremos mais impactos em termos de alterações climáticas. «Já estamos a ter uma série de consequências às quais temos de nos adaptar, como as grandes chuvadas», sublinha.
O especialista refere ainda o aumento de temperatura, que à semelhança das chuvas, «não precisam de ser sucessivas, mas estão a acorrer». Francisco Ferreira alerta ainda para os perigos da subida do nível do mar, «que se dá quer pela expansão dos oceanos quer pelo degelo das calotes e das zonas terrestre nos continentes».
«Vamos ter um mundo e um país mais ameaçados», assume, sem rodeios. A nível nacional, a orla costeira é, talvez, um dos aspetos em que poderemos assistir a mais alterações. «Infelizmente, muito à custa de eventos meteorológicos extremos e da ondulação elevada, haverá zonas que estarão diferentes, muito provavelmente sem areia», afiança.
A ameaça que paira sobre as praias
As mudanças levarão a uma reconfiguração da costa litoral atual.«Praias que hoje já são muito pequenas, tenderão a desaparecer», acredita Francisco Ferreira. Em Portugal, 67 por cento das zonas costeiras estão em risco com as alterações climáticas e há que decidir qual a melhor solução para cada uma em termos de custo/benefício. «Isso tem de ser discutido com as pessoas», refere.
«Houve um programa para o litoral que aponta as zonas de risco e dá algumas ideias sobre o que se pode fazer. Nalguns casos, passa por não construir mais esporões, noutros em manter os que existem e, noutros ainda, passa mesmo por sensibilizar as pessoas para o perigo. É uma questão de segurança das pessoas e de razoabilidade dos custos», diz ainda.
Luísa Schmidt sublinha a necessidade de ser criada uma estratégia para toda a orla costeira. «É preciso uma política pública virada especificamente para o litoral. Há 90 e tal instituições que mandam no litoral, não há uma visão integrada», alerta. Mas, entretanto, há boas práticas em curso em diversos pontos do país que poderão ser replicadas.
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Os municípios do país que têm feito um bom trabalho
Luísa Schmidt elogia o trabalho desenvolvido em vários pontos do país. É o caso dos municípios de Almada, de Gaia e de Espinho, onde têm vindo a decorrer trabalhos de consolidação e naturalização das dunas. Para a especialista, a questão dos leitos de cheia é outro aspeto fundamental. «Tem de se fazer uma gestão das barragens, uma gestão da água mais atenta às questões das cheias», defende.
«Em Portugal, está a ser desenvolvido o programa ClimAdaPT.Local e uma questão que está sempre em cima da mesa é a das inundações e das cheias», diz. A solução passa pela criação de bacias de retenção da água a montante das ribeiras, pela renaturalização dos rios e das ribeiras que se encanaram nas cidades e por planos de drenagem que permitam um bom escoamento das águas.
«São as chamadas medidas de adaptação que devem ser pensadas a nível macro do planeamento e ordenamento do território», diz Luísa Schmidt. A resposta para alguns dos principais problemas atuais pode estar num relatório divulgado recentemente pela Agência Europeia do Ambiente, que aponta a economia circular como o modelo que mais vantagens, económicas e ambientais, traria à Europa. Portugal incluído.
O futuro começa agora
Perante este cenário, há que trabalhar o quanto antes para que as metas apresentadas em Paris na redução das emissões sejam mais apertadas e restritivas. É que, somadas as intenções dos diferentes países, o resultado final conduzirá a um aumento de 3º C da temperatura média do planeta, em comparação com a da era pré-industrial, quando o objetivo é de não ultrapassar os 2º C ou, idealmente, ficar nos 1,5ºC de subida da temperatura média.
«O importante é que, daqui a dez anos, na Europa, em Portugal e à escala global, esteja em curso uma transição para aquilo que foi acordado em Paris, um balanço neutro de emissões na segunda metade do século XXI. Termos uma sociedade neutra em termos de carbono é o verdadeiro desafio que já discutimos na [associação] Zero e que achamos que Portugal devia discutir muito seriamente para 2050», diz Francisco Ferreira.
«Olhar o ambiente para daqui a dez anos, mais do que ter grandes resultados, é começarmos a ter resultados nas decisões que temos de tomar já. Têm de ser decisões estruturais, mas, também, mais profundas. Vivemos numa sociedade em que as pessoas, os países e os responsáveis políticos ficam felizes se conseguirmos falar na palavra crescer ou investir», refere o ambientalista.
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O longo desafio que as novas gerações têm pela frente
Para Francisco Ferreira, o sucesso no combate às alterações climáticas passa por uma mudança do paradigma de consumo da sociedade ocidental. «É muito difícil que uma pessoa seja feliz se tiver fome e não tiver acesso à saúde e à educação. Mas já está mais do que demonstrado que, a partir de um determinado patamar, diferente consoante o país, não faz grande diferença ter 500, 5.000 ou cinco milhões», afirma.
«E este é um desafio que não é para dez anos, o de transformar os ideais à escala do indivíduo e da sociedade, sobre o que as pessoas querem e o que as deixa satisfeitas. Trabalhar cada vez mais horas? O consumo pelo consumo? Ou conseguirmos ter outro tipo de qualidade de vida e de felicidade, porque percebemos que os nossos objetivos têm de ser diferentes», questiona.
Texto: Susana Torrão com Luis Batista Gonçalves (edição internet)
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