Maria de Medeiros esteve em Portugal, país onde nasceu e se emociona cada vez que regressa. Há muito que Paris se tornou a sua casa. Atriz, compositora, cantora e realizadora, é uma mulher assumidamente das artes que lança agora o seu terceiro CD. Mãe de duas raparigas, vaidosa qb, afirma ainda ser cedo para olhar para trás...ainda que tenha pisado o palco pela primeira vez já lá vão trinta anos.

Pássaros Eternos é o nome do seu mais recente CD, aquele que a traz a Portugal por ocasião do seu lançamento. Porquê este nome?

O nome vem da canção “Nasce o dia na cidade” que foi feita em parceria com Raimundo Amador que é um grande músico espanhol, foi talvez o inventor do flamenco rock que trouxe a guitarra elétrica à maneira de Jimmy Hendrix e começámos a colaborar em concertos. Um dia ele fez-me descobrir esta melodia no seu computador, eu achei lindíssima e propus fazer uma letra. E então escrevi “Nasce o dia na cidade” onde imaginei uma criança que observa o amanhecer numa das nossas cidades, talvez uma da Península Ibérica, uma cidade afetada pela crise e ela vê o fluxo de carros pelas manhã, as pessoas a correrem para o trabalho e a rádio a anunciar notícias catastróficas, as bolsas a caírem, falências dos bancos, tudo muito desanimador… Entretanto sopra nuvens de vapor no vidro da janela que assumem formas de pássaros efémeros, fugazes, que desaparecem obviamente, mas o que é eterno é a sua capacidade dever os pássaros, de os sonhar…

… para lá deste cenário tão desanimador?

Exatamente. Existe essa capacidade de liberdade de espírito.

Pensou no nosso país quando escreveu esta letra?

Muito. A crise existe um pouco por toda a Europa, mas no nosso país é bastante dramático, pois temos uma economia mais frágil.

E a Maria acompanha à distância este retrato de Portugal?

O mais possível. Interessa-me muito.

Voltando à música, de três em três anos edita um CD. É um mero acaso ou tem a ver com um timing específico da música na sua vida?

(Risos) Tem sido por mero acaso. Significa que já la vão nove anos desta aventura e na verdade estou muito grata ao meu marido porque este CD fez-se graças a ele que me empurrou, senão teria deixado passar mais algum tempo.

Como é que a Maria se descobriu como cantora e compositora? Ou descobriram-na?

Bom, cresci num contexto muito musical e sempre rodeada de música. Enquanto atriz sempre me pediram para cantar em vários filmes, mas o começar a dedicar-me à música, fazendo CD’s e apresentando espetáculos, é uma novidade que surgiu há nove anos.

O tal bichinho do pai estava lá?

Sim, por um lado estava lá o famoso bichinho, mas por outro foi uma inibição que fui vencendo, pois tinha imensa vergonha já que a música era domínio da minha irmã mais nova que é uma ótima compositora e do meu pai. Mas o meu amor pela música venceu…

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"...foi uma inibição que fui vencendo, pois tinha vergonha já que a música era domínio da minha irmã mais nova que é uma ótima compositora e do meu pai"

Tem por hábito mostrar-lhes antes de editar os CD’s?

Não, nem por isso…

Tem medo, receio….?

Um pouco talvez.

Costumam ser muito críticos, é isso?

Não, eles são muito simpáticos, muito clementes. Eu é que sou muito envergonhada.

Tem pena de não dedicar mais tempo à música em detrimento da representação ou é suposto ser mesmo assim?

Penso que na minha vida, neste momento, está tudo interligado, todas estas formas de expressão. Por exemplo, uma das poucas músicas que não é inédita no CD é o tema ‘Aos nossos Filhos’ de Ivan Lins e de Vítor Martins, data dos anos 70 e é uma carta de pais que resistiram à ditadura militar e que pedem perdão aos filhos pela sua ausência. Quis cantá-la em homenagem direta ao filme que realizei, um documentário brasileiro que estreou no Brasil e já foi premiado, e que retrata uma relação mãe/filha terrivelmente perseguidas. As mulheres passaram por experiências difíceis e trata-se de uma história de exilo, felizmente que conseguiram resistir e fugir.

Os temas sociais parecem atrai-la. A propósito da peça ‘Aos nossos filhos’…

É verdade. Recebi uma proposta para fazer uma peça de teatro no Brasil que se chama precisamente ‘Aos nossos filhos’ e que retrata a temática muito atual dos casais homossexuais e a questão das novas formas familiares.

A propósito das novas formas familiares, sempre disse ser uma família nómade feliz. Ainda é assim?

Sim, sempre. As minhas filhas acompanham-me sempre que podem, agora são mais velhas, é mais complicado, mas sempre que podemos viajamos juntas. Neste momento, por exemplo, estão aqui em Portugal comigo.

E é em português que se entendem?

Sim. É a minha língua afetiva. Mesmo com crianças estrangeiras tenho tendência para falar em português, porque é a minha língua de coração.

"É a minha língua afetiva. Mesmo com crianças estrangeiras tenho tendência para falar em português, porque é a minha língua de coração"

A mais velha tem 16 anos e a mais nova dez. Já se nota uma tendência para as artes?

A mais velha já participou num ou dois filmes, um deles em que fazíamos o mesmo papel, ela em pequena e eu em grande, escreve muito bem e adora teatro. A mais nova inclina-se mais para a música, toca piano muito bem.

Influências dos pais?

De toda a família. Cresceram a ouvir musica, a ver filmes, a ir ao teatro, tudo isso cria influências.

E por falar em influências, também é filha de mãe jornalista. Alguma vez lhe aconselhou como responder a entrevistas?

Aos 15 anos deu-me umas boas dicas que ainda uso hoje.

O famoso ‘não comento’ …?

Não, isso só se eu tivesse seguido política! (risos)

Apesar da ligação ao português, a Maria canta em várias línguas. É uma forma de internacionalizar a sua música ou é um reflexo de ser poliglota?

É mesmo reflexo da minha realidade, não há uma intenção comercial. De há anos para cá que o meu quotidiano me leva a falar três ou quatro línguas por dia.

Curiosamente nenhuma música em francês…

A ideia é editar uma versão quase inteiramente em francês, provavelmente a ser lançada neste outono em conjunto com um livro, porque o CD tem uma componente gráfica forte e estamos a pensar desenvolver mais essa vertente.

É a ‘pintora’ que sempre desejou ser a falar mais alto…

É verdade. Sempre quis ser pintora e foi exatamente o que não fiz. Este CD permitiu-me recuperar esse gosto, pois como sempre associei imagens à música, resolvi pedir a amigos que fizessem uma ilustração para cada música e consegui reunir pintores e ilustradores franceses espanhóis, portugueses, um mexicano, uma iraniana… este disco reúne todas essas minhas paixões artísticas. No fim, faltavam duas ilustrações que faltavam que acabei por fazer eu.

"Sempre quis ser pintora e foi exatamente o que não fiz. Este CD permitiu-me recuperar esse gosto"

E algo que faz quando sente necessidade ou somente quando tem tempo livre?

Costumo dizer que sou uma rabiscadora compulsiva.

Neste momento em Portugal, amanhã em França, depois ruma ao Brasil. É uma cidadã do mundo. O que sente realmente quando regressa a Portugal… é a sua terra, a sua casa?

É a minha terra…a minha casa não, porque vivo em Paris há muito tempo. Sempre me emociono quando venho a Portugal, porque creio na frase de Fernando Pessoa, ‘ A minha pátria é a minha língua’. Há uma carga de memórias, boas lembranças e afetos aqui…

Uma carga que leva para a música?

É verdade…

Via-se a viver em Portugal?

Porque não, eu vivo onde o trabalho me leva.

Já reparou que primeiro representa depois realiza, primeiro canta, depois compõe… há uma tendência para agarrar os projetos do princípio ao fim…

Tem a ver com uma necessidade de aprendizagem que os meus pais me transmitiram. Ambos são muito estudiosos e incutiram essa necessidade em nós. Ver como tudo funciona, o saber e isso reflete-se no meu dia a dia.

A Maria é uma mulher que chama a atenção pelos seus traços. É vaidosa?

Sim, um pouco. Adoro moda, por isso…

Mas segue as tendências?

Não sigo muito confesso. Gosto da elegância no sentido intemporal. Mas vejo o que os criadores apresentam, pois é uma forma artística também.

Sente-se um pouco como embaixadora das artes de Portugal?

Gosto de promover a cultura portuguesa o mais possível. Ás vezes conhece-se Portugal apenas pelo futebol, mas há outros aspetos mais eternos como a cultura.

Já se passaram mais de 30 anos desde a sua primeira representação em Silvestre. Costuma olhar para trás e ver o que faria de diferente?

De facto eu comecei muito jovem. Creio que é importante ter presente o passado e as lembranças, mas tento estar projetada para a frente. Ainda é cedo para fazer balanços…