Filipa Fonseca Silva vai ser uma das oradoras da sessão “Clube das Mulheres Escritoras. Quebrar preconceitos” que acontece esta quinta-feira, dia 5 de setembro, no âmbito da segunda edição do Book 2.0.

Sob o tema #TheFutureOfReading, o evento, que decorre até amanhã, pretende colocar no centro do debate os principais desafios que o livro e a leitura enfrentam, apontando caminhos para os ultrapassar.

A literatura escrita por mulheres surge como um dos desafios por as escritoras continuarem a ter menos oportunidades de promover o seu trabalho. Aliás, o Clube das Mulheres Escritoras (CME) nasce também por esse motivo.

No meio literário desde 2011, Filipa Fonseca Silva, que entrou no top 100 da Amazon com o seu primeiro livro, "Os 30 - Nada é como Sonhámos", só começou a ganhar notoriedade nos últimos dois ou três anos de carreira.

Com cinco romances publicados, dois livros de humor inúmeras crónicas, contos e ensaios, só em 2023 é que foi convidada, pela primeira vez, para um festival. Dois dos seus livros mais recentes, "O Elevador" e "E Se Eu Morrer Amanhã", foram finalistas do Livro do Ano Bertrand e vão ser adaptados para filme.

"Isto mostra bem a desigualdade que há e a falta de oportunidades que existem para as mulheres, sobretudo quando não vêm dos meios académicos eruditos”, comenta a autora que considera que a "escrita é um ato muito solitário".

As mulheres podem se juntar e quando se juntam fazem coisas acontecerem

Após conhecer, finalmente, outras autoras da sua editora durante um evento, Filipa decide criar, em março de 2023, o Clube das Mulheres Escritoras. "Percebi que todas sentíamos a mesma coisa:  desigualdade nas oportunidades, na divulgação no espaço físico das próprias livrarias e esta constante tentativa de menorizar a escrita das mulheres, colocando-a numa caixa que é completamente aberrante, que é a literatura feminina, como se houvesse a literatura, a grande literatura e depois o subgénero condescendente da literatura feminina”.

"Inicialmente, o objetivo era mesmo trocar informação, experiências e quebrar o principal preconceito – e que é transversal a todas as áreas – que é o de que as mulheres não se unem, não sabem trabalhar juntas e só sabem dizer mal umas das outras. E, portanto, logo, só a existência do clube mostra bem que é exatamente o contrário. As mulheres podem se juntar e quando se juntam fazem coisas acontecerem”.

Atualmente, o CME conta com 24 autoras, umas mais conhecidas, outras a dar os primeiros passos. Trocam ideias, informações e tentam abrir caminho para todas, mesmo para as escritoras que não pertencem ao clube. Encontraram na newsletter, uma forma de divulgarem livros escritos por mulheres e de mostrarem a diversidade que existe no projeto. Assim, enviam duas por mês: uma com agenda, entrevistas e sugestões de autoras de literatura lusófona, outra com textos inéditos de três ou quatro autoras do clube. Para Filipa, de outro modo, "as pessoas não têm como conhecer", uma vez que se dá "pouco espaço aos autores portugueses". "O intuito do clube não é a promoção das autoras que estão no clube, é mais do que isso, é mesmo promover a literatura escrita por mulheres", reforça.

O ensaio "Um quarto só seu" de Virginia Woolf também inspira os elementos do clube. "O texto dela tem quase 100 anos e continua, infelizmente, muito atual", lamenta Filipa. "Ela, no final, acaba por dizer que o trabalho que estamos a ter hoje não é para nós, é para a futura escritora, aquela futura escritora que não vai ter que se preocupar se está a escrever mais assim ou mais assado. A escritora que não vai ter esse peso dos vários estereótipos que querem pôr em cima das mulheres. E que tem um quarto só seu. Portanto, esse também é o nosso objetivo: trabalhar para as escritoras do futuro".

É possível uma pessoa passar por toda a adolescência e entrar na vida adulta sem ler uma única mulher

O caminho para um futuro literário mais igualitário ainda parece ser longo. Como refere a porta-voz do clube, existe o fator histórico. Tendo em conta que a mulher "chegou mais tarde à literatura porque não lhe foi permitido chegar mais cedo, sobretudo à prosa", a "figura do escritor está associada ao homem". Também “quando começaram a aparecer as primeiras mulheres a escrever e a tentar impor-se”, “houve sempre uma resistência da parte dos homens e da sociedade”. De algum modo, perpetuou-se a ideia de que as mulheres “não escrevem nada de jeito” e de que a “literatura a sério é para os senhores”.

Filipa Fonseca Silva não estranha que os leitores julguem que não existem muitas escritoras. "Se observarmos bem, desde a escola, a partir do oitavo ano, mais ou menos, não há uma única mulher no plano de obras obrigatórias", repara. "É possível uma pessoa passar por toda a adolescência e entrar na vida adulta sem ler uma única mulher. E, portanto, logo aí existe já esta ideia de que as mulheres não escrevem".

A autora não tem dúvidas: os homens podem escrever para todos, independentemente do género, enquanto as mulheres só as que são mais eruditas ou que vêm de uma academia. As restantes, segundo a escritora, são atiradas para a literatura feminina, light, cor-de-rosa ou popular.

As capas dos livros, para a porta-voz do clube, também condicionam o trabalho das escritoras a um público feminino. "Há sempre ali qualquer coisa que logo na capa que diz: isto é um livro para mulheres. E isso também não ajuda, porque um homem se calhar olha e não sente interesse”.

a literatura não tem género, raça ou fronteiras

Para a fundadora do CME, "é uma pena", visto que "mesmo os leitores acabam por perder". Para a responsável do projeto, "continuam a perder uma visão do mundo de uma perspetiva feminina ou de outra minoria qualquer. Portanto, a literatura não tem género e não tem raça e não tem fronteiras. A literatura pode ser policial ou pode ser mais comercial ou menos comercial".

"É uma pena", desabafa. "Mesmo os leitores acabam por perder", constata. “Continuam a perder uma visão do mundo de uma perspetiva feminina ou de uma perspetiva ou de outra, de outra minoria qualquer. Portanto, a literatura não tem género, raça ou fronteiras. A literatura pode ser policial ou pode ser mais comercial ou menos comercial".

Filipa Fonseca Silva acredita existir lugar para uma oferta literária mais diversa, uma vez que o "leitor, à partida, é sempre uma pessoa curiosa". A autora acredita que o "preconceito não vem tanto dos leitores, mas sim do que lhes é apresentado", ou seja, "se as pessoas não conhecem, nunca ouviram falar ou o produto é apresentado de uma forma que não apela àquele público, o mesmo nunca vai chegar lá".

"É muito importante falar do assunto porque as pessoas não têm noção", declara a autora que vai falar esta quinta-feira no Book 2.0. "Façam o exercício de ver quantas mulheres é que estão em destaque e façam e façam o exercício de ver os painéis dos festivais", sugere aos leitores. "Aí é que as pessoas começam a ver que realmente as mulheres não têm tanto espaço".

"Nós dizemos sempre que isto não é, nem nunca será, contra os homens ou qualquer outro género literário. É apenas uma sensibilização e tentar dar mais espaço às mulheres, porque nós também somos mega fãs dos nossos autores portugueses", realça. "E também sabemos que há coisas em comum, que as dificuldades são para todos".

"No fundo, aquilo que o clube pretende é ser visto de igual modo a nível literário", finaliza. "É para isso que serve a literatura, para nos abrir horizontes, criar empatia, para nos mostrar pontos de vistas diferentes e vivências diferentes, não é? E, portanto, se os homens só lerem homens, estão limitados à sua própria visão, no seu próprio conhecimento", conclui.

"Clube das Mulheres Escritoras. Quebrar preconceitos" acontece esta quinta-feira entre as 15h40 e as 16h00, no Museu do Oriente, em Lisboa. Para além de Filipa Fonseca Silva, a sessão exclusiva no Book 2.0 vai contar com a participação de Sara Rodi e Gabriela Relvas.

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