Apelidada Ming pelo jornal britânico Sunday Times, a amêijoa recolhida nas águas frias da costa norte da Islândia viria a libertar o seu segredo. Na data da sua descoberta, Ming contava uma vida de 507 anos. Este espécime foi reconhecido como o animal mais velho já registado, ultrapassando todos os recordes anteriores de longevidade. O nome Ming surgiu em reconhecimento do período que viu nascer este molusco, a dinastia Ming da China, no poder cerca de 1499. Posteriormente, os investigadores islandeses da universidade de Bangor, responsáveis pela descoberta do molusco, batizaram-no de Hafrún, um nome feminino que pode ser traduzido como "o mistério do oceano".

Um mistério oceânico que nos transporta literalmente no tempo: "Quando este animal nasceu, Shakespeare ainda não havia escrito as suas principais peças e Giordano Bruno foi queimado em praça pública por afirmar que o Sol, e não a Terra, era o centro do universo", detalharam os investigadores na época da captura de Ming.

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ming Ming créditos: Wikimedia Commons

Uma idade contada na casca

Para determinar a idade da amêijoa, fez-se a contagem dos anéis de crescimento presentes na sua concha, método semelhante ao utilizado para datar árvores (a dendrocronologia). Cada anel representa um ano de crescimento, e a sua análise minuciosa veio a revelar a extraordinária idade deste molusco. A Arctica islandica é conhecida pela sua longevidade, uma espécie com um metabolismo lento e um baixo consumo de oxigénio. A idade avançada de Ming colocou a espécie no centro de diversos estudos sobre a biologia da longevidade e as condições que possibilitam uma vida tão longa.

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Não obstante a atenção que recebeu, a história de Ming também é marcada por uma tragédia científica. A amêijoa foi acidentalmente morta durante o processo de recolha e estudo por parte dos cientistas que a encontraram. Na época, os investigadores desconheciam a idade exata do molusco e só descobriram a sua importância histórica após a sua morte. Facto que levou a uma reflexão sobre as práticas científicas e a necessidade de maior cautela ao lidar com organismos potencialmente raros e valiosos.

Uma janela para o clima do passado

A espécie Arctica islandica, à qual Ming pertence, habita principalmente as águas frias do Atlântico Norte. Trata-se de moluscos que vivem enterrados no fundo do mar, a uma profundidade considerável, o que contribui para a sua sobrevivência em ambientes estáveis ao longo dos séculos.

A amêijoa Ming não é apenas um exemplo notável de longevidade, mas também uma janela para o passado. Os anéis de crescimento presentes na sua concha, além de revelarem a idade do animal, contêm informações valiosas sobre as condições ambientais dos últimos cinco séculos. Ao analisar os anéis, os cientistas obtêm dados sobre mudanças na temperatura do oceano, composição química da água e até eventos climáticos que ocorreram durante a vida do molusco. Este tipo de informação é crucial para entender melhor a história do clima da Terra e os impactos das atividades humanas nas condições ambientais ao longo do tempo.