Antes da mecanização da guerra, os animais cumpriram uma variedade de funções nas forças armadas. Cavalos, burros, mulas, camelos e elefantes foram usados para transporte e no campo de batalha; os pombos para comunicações; e os cães como combatentes, guias, mascotes e socorristas. Animais vivos e mortos também foram usados como armas ofensivas. Cadáveres de animais eram enviados para as cidades sitiadas para infetar a população, e um antigo general chinês chegou mesmo a largar macacos vivos em chamas, cobertos de palha e mergulhados em óleo, para iniciar incêndios no campo inimigo.
Com o advento do motor de combustão interna, dos incendiários químicos, dos bombardeamentos aéreos e das radiocomunicações, seria de supor que assistiríamos ao fim da utilizada dos animais na guerra. Todavia, isto seria subestimar o engenho e a crueldade humana. Desde a Segunda Guerra Mundial (1939-45), os animais receberam novos papéis na guerra enquanto armas vivas.
Cães de guerra
Durante a Segunda Guerra Mundial, os russos tiveram de enfrentar o poder mecânico do exército alemão com recursos tecnológicos limitados. O sucesso dos invasores alemães deveu-se em grande parte à velocidade das suas formidáveis colunas de tanques panzer e carros blindados, por eles usados nas suas ofensivas Blitzkrieg (“guerra-relâmpago”) em França em 1939 e na Rússia em 1941. Para deter estas máquinas de guerra, os engenheiros do Exército Vermelho soviético, desesperadamente desprovidos de armamento e minha antitanque convencionais, lembraram-se de usar exterminadores vivos de tanques, que ficaram conhecidos entre os alemães como Hundeminem, cães-mina ou cães antitanque.
A ideia tinha tanto de engenhosamente simples como de cruel – como acontece com muitas ideias realmente más. A parte mais vulnerável de um veículo blindado é a inferior. Como tal, os russos treinaram os cães para procurar comida sob os veículos blindados e tanques. Em preparação para a batalha, os cães não eram alimentados e depois eram equipados com um arnês que transportava a carga explosiva. O explosivo detonaria facilmente quando o cão rastejasse sob um veículo inimigo.
Quando as colunas militares alemãs eram avistadas, os cães eram largados no seu caminho. Teoricamente, eles deviam ir direitos aos tanques, mas, na prática, no meio da batalha, era frequente os cães ficarem confusos e assustados. Como tinham sido treinados para encontrar comida debaixo de tanques russos, por vezes corriam de regresso às suas linhas, onde eram responsáveis pela explosão dos seus próprios tanques, ou simplesmente assustavam-se com o barulho dos motores e da batalha e fugiam, semeando com frequência o pânico ao correr de volta para as linhas soviéticas. As estimativas da sua eficácia variam, mas pensa-se que possam ter destruído até 300 tanques inimigos antes de os alemães começarem a usa lança-chamas para repelir os ataques caninos.
“Os animais não têm nação. Eles vivem em perpétua servidão involuntária a toda a Humanidade.
Bombas-Morcego
Enquanto os soviéticos lançavam o melhor amigo do homem contra os blindados nazis, os seus aliados americanos também criavam os seus esquemas com animais. Os alvos eram as inflamáveis cidades japonesas, cujos edifícios residenciais eram feitos de madeira, com janelas de papel em vez de vidro. A ideia consistia em largar ao amanhecer, nos principais centros urbanos e industriais do Japão, bombas “recheadas” com centenas de milhares de morcegos equipados com dispositivos incendiários. A descida das bombas seria retardada por paraquedas e o invólucro estava concebido para se abrir a 1500 metros de altitude; então, libertava os seus passageiros voadores. Ao sentir a aproximação do amanhecer, os morcegos procurariam imediatamente abrigo na cidade abaixo. Os dispositivos incendiários eram programados para explodir assim que os morcegos estivessem a dormir profundamente no interior dos edifícios, causando incêndios que seriam difíceis de apagar.
As bombas-morcego foram testadas com sucesso em solo norte-americano numa cidade japonesa simulada construída no Utah. Numa ocasião, morcegos incendiários lançados por engano aninharam-se debaixo de um depósito de combustível, causando danos consideráveis numa base aérea do Novo México. Embora as bombas-morcego se tenham revelado eficazes, o projeto foi abandonado em 1944 porque a bomba atómica estava quase pronta para ser utilizada. Se a bomba-morcego tivesse sido usada para devastar as cidades japonesas em vez da bomba atómica, não deixa de ser interessante como o futuro da Humanidade poderia ter sido diferente.
Pombos ao comando de bombas
Continuando com o tema do voo, outro esquema bélico dos EUA, conhecido como o Projeto Orcon (abreviatura de “controlo orgânico”) foi criado por um professor de psicologia de Harvard e especialista em comportamento animal, B.F.Skinner (1904-90). As forças armadas dos EUA estavam à procura de um sistema de orientação fiável para os seus mísseis, mas a tecnologia disponível na época era demasiado volumosa para caber numa lógica. Em vez de um cérebro eletrónico, Skinner propôs o uso de pombos para guiar os mísseis até aos seus alvos. O esquema exigia um compartimento com pombos no focinho do míssil. Skinner afirmava ser capaz de condicionar os pássaros a bicar nos ecrãs, para que as bicadas garantissem a rota. O sistema usava três pombos como segurança e o míssil seguia a decisão maioritária de dois pássaros. Embora os militares tenham financiado o projeto durante mais de uma década, cancelaram o Ocron assim que se tornaram disponíveis sistemas não orgânicos.
Burros ao serviço de atentados
Os militares não foram os únicos a ter a ideia de usar animais como armas de guerra. Houve vários casos de mulas e burros usados como engenhos explosivos improvisados por insurgentes em Israel, nos territórios ocupados e, ultimamente, no Iraque. O primeiro caso registado foi em 1982, durante a invasão israelita do sul do Líbano, quando uma mula foi usada para transportar explosivos ao encontro das tropas israelitas. Em 2003, um burro explodiu perto de um posto de controlo israelita na cidade de Belém, na Cisjordânia. Além do próprio burro, não se registaram vítimas. Em 2004, um burro explosivo foi encaminhado para um posto de controlo militar dos EUA em Ramadi, Iraque, mas, mais uma vez, o engenho explodiu fora do alcance do alvo pretendido.
Não temos de adorar animais para sentir uma profunda repugnância pela sua utilização como armas de guerra, seja por terroristas, seja pelas forças armadas de um qualquer Estado. Os animais são os inocentes finais. Não partilham os nossos valores, crenças ou ódios. Deixarei as últimas palavras deste artigo para a defensora dos direitos dos animais Ingrid Newkirk: “Os animais não têm nação. Eles vivem em perpétua servidão involuntária a toda a Humanidade e, embora não representem uma ameaça e não possuam armas, o ser humano vence sempre a guerra não declarada contra eles. Para os animais não existe Convenção de Genebra nem tratados de paz – apenas a nossa misericórdia”.
Este artigo é um excerto do livro As Piores Invenções da História, da autoria de Eric Chaline e publicado em Portugal pela editora Marcador.
Eric Chaline é formado pela Universidade de Cambridge e pela Escola de Estudos Africanos e Orientais, em Londres, foi editor da Kodansha Publishers. Entre os livros da sua autoria podem encontrar-se títulos como Artes Marciais para Fitness e as Piores Deceções da História. Eric Chaline vive e trabalha atualmente em Londres.
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