Faz sentido ser feminista nos dias de hoje? Porquê? Faz todo o sentido. Temos de continuar a falar de direitos das mulheres e de igualdade de direitos, de oportunidades e de tratamento entre mulheres e homens. Basta ter presente o flagelo da violência doméstica, que é fundamentalmente, uma violência de género, da mutilação genital feminina, das mulheres tratadas como mercadorias, traficadas para fins de exploração laboral ou sexual, daquelas que, em muitas sociedades, estão ainda privadas de direitos fundamentais.
Entram nessa lista o direito à educação e o direito à saúde sexual e reprodutiva, só para citar alguns. No topo das preocupações estão também aquelas que são forçadas (precocemente) a casar com quem desconhecem, que não têm voz, e a quem não lhe é reconhecido lugar no espaço público. E, claro, outras formas de violência, que assumem uma dimensão mais simbólica, por exemplo, nos media e na publicidade, onde são sistematicamente veiculados estereótipos e conteúdos sexistas.
As mulheres são ainda particularmente vulneráveis à pobreza, a condições precárias de trabalho, aos baixos salários, mesmo quando mais qualificadas que os homens… E continuam ausentes das esferas da tomada de decisão. Uma situação que a investigadora e ex-presidente da Comissão para a Cidadania e Igualdade do Género Sara Falcão Casaca critica em entrevista à Saber Viver.
A desigualdade de género está patente do emprego à vida pessoal. Quais são, para si, as principais questões que se levantam atualmente?
São muitas mas refiro exatamente a questão da articulação trabalho/família. A sociedade e as organizações em geral têm de preparar-se, com responsabilidade e ética social, para o facto de mulheres e homens terem (ou desejarem ter) uma carreira profi ssional e, simultaneamente, a sua vida familiar.
O facto de as mulheres (sobretudo ainda elas) e os homens que assumam responsabilidades parentais serem mais penalizadas nas suas remunerações e na sua progressão profi ssional, de serem até discriminadas quando se antevê que podem ser mães ou quando o são, é, além de ilegal, absolutamente imoral.
O facto de o diferencial salarial em desfavor das mulheres ser proporcional ao seu nível de escolarização e de qualificação é uma aberração. O facto de elas não acederem aos lugares estratégicos e de decisão é uma das maiores fragilidades da nossa democracia…
E o que é preciso fazer?
A modernização das relações de género na esfera privada, no sentido de uma maior simetria no plano dos afazeres e das responsabilidades. O progressivo investimento (e orientação estratégica do Estado) sobretudo nas infraestruturas de apoio às famílias. E a modernização das empresas e das organizações em geral, no sentido de tornarem a sua gestão e a organização do trabalho family-friendly, mais amigas dos tempos e das responsabilidades familiares … São desafios muito importantes...
No caso português, em que campos é mais urgente combater a desigualdade de género?
É muito importante combater as discriminações laborais. As mudanças têm sido muito lentas. Não conseguimos vencer a discrepância entre a igualdade de jure e a igualdade de facto. Há ainda um hiato profundo por estreitar.
Há quem fale numa quarta vaga do feminismo, que se desenrola online. Qual é para si a importância das tecnologias da informação na luta contra a desigualdade de género e pelos direitos das mulheres?
Para mim, é muito importante como um meio de intervenção feminista e social em geral. Os fenómenos nesse domínio não são lineares… As TIC [Tecnologias de Informação e Comunicação] tanto estão associadas a fragmentação como a congregação. Quantas iniciativas coletivas não são organizadas por essa via, rápida e eficazmente?
Os exemplos que a especialista aponta:
- Igualdade de Género nas Empresas
Um projeto desenvolvido pela investigadora Sara Falcão Casaca, no Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG). O objetivo é fornecer às empresas a metodologia para a aplicação das boas práticas de igualdade de género. O projeto desenvolve ainda instrumentos adequados à realidade de cada empresa para promover a igualdade entre mulheres e homens.
- GreatMen
A iniciativa Great Men partiu da ONG britânica The Great Initiative, cujo objetivo é a promoção da igualdade do género. O projeto Great Man inclui a realização de workshops e debates em escolas do Reino Unido, junto de rapazes entre os 12 e os 18 anos.
- Let Girls Learn
62 milhões. É este o número de raparigas em todo o mundo que não vai à escola. Com o direito universal à educação primária e secundária a integrar os 17 objetivos sustentáveis das Nações Unidas para 2030, Michelle Obama, lançou a iniciativa Let Girls Learn.
Texto: Susana Torrão
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