Cátia Curica viu a sua consciência ambiental nascer cedo na vida, quando, ainda criança, recolhia lixo deixado no meio ambiente. Mais tarde, Cátia alterou os seus hábitos alimentares, optando por uma dieta de base vegetal.
Um percurso de vida que levaria a farmacêutica de paixão e eco-positiva por paixão, como se assume, mãe de dois filhos, a fundar a empresa de cosméticos biológicos Organii e Unii onde adota a sua conceção de um mundo mais amigo do ambiente
Já este maio, Cátia Curica assina o livro Limpeza Natural (edição Planeta) e convida-nos a regressar às origens e a produzir os nossos detergentes da louça ou da roupa, quer seja à mão ou na máquina, o produto para limpar o chão e os vidros, para tratar dos tapetes ou colchões, passando pelos tira nódoas e ambientadores.
À conversa com Cátia Curica percebemos como lidamos, diariamente, com uma perigosa receita, a dos detergentes sintéticos, perniciosos para o ambiente e para a nossa saúde. Há, neste contexto, que estar atento aos rótulos, sabendo determinar os perigos. A legislação europeia determina quais os pictogramas obrigatoriamente presentes nas embalagens de detergentes.
No decurso desta entrevista, Cátia propõe-nos uma perspetiva ecológica de toda esta questão, por exemplo, aprender que com limão, sal, vinagre, bicarbonato de sódio, entre outros ingredientes, que encontramos facilmente nos supermercados, conseguimos fabricar os nossos detergentes caseiros: “naturais, livres de tóxicos, simples, baratos e eficazes”.
É comum dizer-se que a mudança de atitude face à forma como estamos a (mal)tratar o planeta começa em pequenos gestos diários. No caso da Cátia, como começou este caminho?
Este caminho começou na minha adolescência, há 25 anos, a pensar na forma como me alimentava, a querer ser vegetariana, a comer biológico.
Em específico, e no que toca à utilização de detergentes sintéticos, poucas vezes refletimos sobre o seu impacto nocivo no planeta e na nossa saúde. Pode dar-nos alguns exemplos?
Um dos principais problemas ambientais associados aos detergentes está relacionado com a presença de fosfatos nos ingredientes. Atualmente, a legislação europeia limita a sua utilização, mas esta não está banida. Os fosfatos, também presentes em fertilizantes, provocam o aumento da concentração de fósforo nas águas, fenómeno a que se chama eutrofização e que tem como efeito a multiplicação acelerada da quantidade de algas e outros microrganismos nas águas. Muitos destes microrganismos são tóxicos, como as cianobactérias, e além de constituírem um risco para a saúde pública destroem os ecossistemas aquáticos.
Outro problema relaciona-se com o efeito ambiental dos surfactantes ou tensioativos. O mais polémico é o lauril sulfato de sódio. Na sua forma pura este composto foi classificado como moderadamente tóxico para a vida aquática.
O Nonifenol etoxilado (NPE) é um surfactante não iónico problemático pois em contacto com as águas residuais pode converter-se num disruptor endócrino chamado nonifenol (NP).
Existem problemas quer a nível de saúde quer a nível ambiental, mas são problemas de quantidade, de sobrecarga, a longo prazo. E por isso tendemos a não ver, ou não querer ver.
A indústria tem dado passos no sentido de tornar estes detergentes mais ecológicos, ou há mais marketing do que ação?
É sempre as duas coisas. A indústria dá passos nessa direção, mas é sempre lenta e mais atenta ao lucro que às reais preocupações humanas e ambientais. A legislação deveria impor-se mais, mas os lobbies são sempre muitos.
Um dos principais problemas ambientais associados aos detergentes está relacionado com a presença de fosfatos nos ingredientes. Atualmente, a legislação europeia limita a sua utilização, mas esta não está banida
No caso dos detergentes, a legislação protege o consumidor face aos limites admissíveis na utilização de certas substâncias?
A legislação tenta, mas como existem poucos estudos de efeitos de longo prazo e cumulativos dos efeitos de vários detergentes em conjunto e por acumulação, quer no corpo, quer no planeta, vai-se empurrando com a barriga a dizer que não há estudos que comprovem.
O consumidor não se pode isentar e achar que não tem um papel a fazer. O estado e os governos, tal como as indústrias, querem sempre agradar à maioria, que tem determinados hábitos e muitas vezes está pouco atenta. Cabe sempre a uns poucos ir alertando e trabalhando para aumentar a consciência para estes problemas.
Estamos sensibilizados para a questão da rotulagem alimentar, mas não tanto para a dos detergentes. Pode dar-nos alguns exemplos de aspetos a ter em conta na leitura dos pictogramas presentes nas embalagens de detergentes?
Sim, verificar símbolos de toxicidade, tipos de surfactantes e de fosfatos.
Quais são os detergentes mais tóxicos?
Surfactantes como o lauril sulfato de sódio, compostos de amónio de que é exemplo o cloreto de benzalcónio, o formaldeído, os branqueadores ópticos, e os detergentes à base de cloro como é a lixívia.
No que toca às alternativas domésticas, a Cátia apela no seu livro a uma simplificação, nomeadamente na quantidade de detergentes a que recorremos. Usamos demasiados detergentes no dia a dia?
Acho que sim, usamos muitos e em elevadas concentrações. Sem necessidade, estamos a caminhar para ambientes muito estéreis. Devemos pensar que vivemos em equilíbrio com imensos microrganismos e bactérias e não num mundo assético.
É fácil fabricarmos os detergentes domésticos? Pode dar-nos alguns exemplos com base nos ingredientes a que recorre?
Muito fácil mesmo, no meu livro todas as receitas são simples e com ingredientes do dia a dia, como o sal, o sabão, o vinagre ou o bicarbonato de sódio.
Como chegou às recetas que apresenta no seu livro, através de tentativa/erro, recuperou saberes de outro tempo…?
Tudo isso. Juntei os saberes antigos e as receitas de antigamente com investigações de ingredientes que fui fazendo ao longo do tempo. Depois fui testando receitas e chegámos ao livro.
Alargando um pouco a análise, a Cátia também fabrica os seus produtos de higiene?
Sim, desde 2016 que fundei uma fábrica de cosméticos biológicos, a Unii, e fazemos investigação de ingredientes, formulações para chegar a artigos de cosmética e higiene saudáveis para a pele, completamente biodegradáveis para o meio ambiente e com o mínimo de impacto no planeta.
Entrevista cedida por escrito em maio de 2022.
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