Se prefere ficar em casa a actualizar a sua página no Facebook em vez de sair com amigos, tem motivos para se preocupar.

O acesso imediato à Internet e o aparecimento de uma panóplia de dispositivos tecnológicos facilitou a vida a toda gente. Em segundos. estamos conectados com o mundo, competimos num jogo de vídeo onde assumimos a identidade virtual de um super-herói, ouvimos as músicas preferidas ou escrevemos mensagens.

É difícil imaginar a vida sem estes equipamentos que se tornaram omnipresentes no dia-a-dia. No entanto, quando os utilizamos em excesso, corremos o risco de perder o equilíbrio. Partindo dos conselhos de dois terapeutas, ajudamo-la a prevenir e a superar uma eventual dependência das novas tecnologias.

Benefícios das novas tecnologias

Reconhecida como uma poderosa ferramenta de trabalho e de entretenimento, a Internet permite, como sublinha a psicóloga clínica Ana Gonçalves Corrêa, «uma actualização constante de informação e facilita a aprendizagem. Ao mesmo tempo, potencia a eficiência e a eficácia da realização de certas tarefas ou trabalhos, o que poderá contribuir para uma maior rentabilidade de tempo,melhorando a qualidade de vida». Além das vantagens no trabalho, continua a terapeuta, «as novas tecnologias são igualmente uma fonte de entretenimento que ajudam a que haja interactividade e comunicação permanente entre as pessoas».

E ao contrário do que acredita o senso-comum, o psicólogo clínico Paulo Sargento considera mesmo que os dispositivos multimédia desenvolvem competências específicas. «Os estudos sugerem que a prática dos jogos incrementa a cognição visual e o processamento de informação. Sabe-se que quem joga mais tempo aperfeiçoa a técnica e a rapidez, diminuindo os erros. As redes sociais também parecem ter um efeito benéfico do ponto de vista relacional», sublinha.

Reconhecer o vício

O terapeuta lembra que «as novas tecnologias só se tornam negativas quando as tarefas do quotidiano começam a ser prejudicadas pelo tempo gasto na Internet ou quando as actividades se restringem ao computador, exceptuando os motivos profissionais». Se adorava ler, jantar com os amigos ou brincar ao ar livre com os seus filhos, mas as horas que perde online já não lhe deixam tempo para se dedicar às tarefas que antes lhe davam satisfação, está na altura de reduzir as viagens ao ciberespaço.

Segundo os especialistas, este é o primeiro sinal de dependência. No entender de Ana Gonçalves Corrêa, «a necessidade constante de acesso a um determinado dispositivo tecnológico, levando a pessoa a manifestações de irritabilidade e zanga quando não consegue aceder a esse meio, a recusa em sair de casa, a alienação face à realidade envolvente e a menor participação em actividades lúdicas que antes eram preferenciais são os primeiros indícios de que está a ficar viciada na Internet».

Perfil dos ciberdependentes

Para os especialistas ainda é difícil traçar o perfil de uma pessoa dependente das novas tecnologias. Segundo Paulo Sargento, «existe heterogeneidade. A utilização destes meios tem factores desencadeantes diversos e são muitas as razões para tornar um traço dependente de personalidade num vício operacionalizado, das causas afiliativas (essencialmente, as redes sociais) até às compulsivas, que afectam sobretudo os jogadores», refere.

Veja na página seguinte: Como conseguir o equilíbrio necessário

A experiência clínica leva Ana Gonçalves Corrêa a afirmar que «tendencialmente, estas pessoas apresentam um mal-estar geral, muitas vezes associado ao sofrimento psíquico, não necessariamente consciente, conjugadas com outras problemáticas como sejam dificuldades de relacionamento, conflitos conjugais e/ou familiares, laços emocionais frágeis, sentimentos de insatisfação, frustração e incompreensão constantes e uma débil auto-estima».

Jogar com equilíbrio

O psicólogo aconselha a usar uma velha máxima.

«O dia tem 24 horas e há tempo para tudo», refere. Lembra, por isso, que «é aos pais que cabe a função de promover a autonomia e o acesso aos meios necessários ao desenvolvimento dos seus filhos e saber dizer não quando é preciso», enfatiza o especialista, apelando a uma vigilância e a um controlo por parte destes.

Gaspar Machado, detentor do título de melhor jogador do jogo Unreal Tournament, um jogo de computador bastante popular entre os jovens, e vencedor do torneio mundial, em Londres, no estádio de Wembley, é a prova de que, quando se tem o acompanhamento familiar, nada impede de se ser um utilizador tecnológico, um aluno de sucesso e ter uma vida social saudável. «Terminei a licenciatura este ano, em Comunicação e Multimédia, e preparo-me para fazer o mestrado na mesma área. Tenho muitos amigos e saio de casa como qualquer pessoa da minha idade», refere.

Gerir o tempo

O apoio e o acompanhamento dos pais foram decisivos para este jovem de 22 anos. «Eles compreenderam que jogar era algo que me realizava e que, se o meu tempo fosse bem gerido, não haveria qualquer inconveniente em apostar numa carreira como jogador», refere. O caso de Gaspar Machado pode servir de exemplo a outras pessoas. Por isso, o campeão de e-games não hesita em tentar mudar as opiniões erradas que circulam entre muitos jovens.

«A história que me fez mais impressão e que me leva a perceber porque se tem um visão tão distorcida dos jogadores de computador foi quando um rapaz veio ter comigo e me disse que queria ser como eu. Deixar de estudar e apostar nos jogos para ganhar muito dinheiro. Tive de lhe explicar que esta actividade é apenas uma entre muitas e que estudo e me dedico à família e amigos como toda a gente», conta.

Peso e medida

É reconhecido que a Internet e outras novas tecnologias servem para facilitar a nossa vida. No entanto, devem ser usadas com peso e medida. Um estudo da Open University, na Holanda, que envolveu 219 estudantes, demonstrou que os utilizadores das redes sociais como o Facebook e o Twitter passam demasiado tempo online, o que os leva a obter um pior desempenho académico.

O segredo reside em saber encontrar a linha que separa o padrão do exagero. Como sugere Ana Gonçalves Corrêa, «cada vez mais, as novas tecnologias fazem, e devem continuar a fazer, parte integrante do nosso quotidiano. Porém, e como em tudo, a sua presença deve ocorrer de forma equilibrada. Os pais devem procurar intervir numa perspectiva antecipatória.

É fundamental uma educação assente no diálogo, fomentando a consciencialização, o sentido crítico e o discernimento dos filhos quanto aos benefícios e às desvantagens inerentes à utilização deste tipo de equipamentos. Quando se verifica já uma utilização excessiva e abusiva, é necessária a imposição de limites, os quais passam pelo estabelecimento de regras claras e específicas que regulam o tempo de acesso e utilização.»

Veja na página seguinte: O principal método de prevenir riscos

Navegar com regras

A existência de timings e de regras para a utilização destes meios parece ser, adianta Paulo Sargento, «o principal método de prevenir os riscos».

Apologista do uso das tecnologias pelos mais jovens, este terapeuta considera que «seria um desastre educativo privar as crianças dos meios tecnológicos que farão parte do seu futuro. Contudo, permitir uma utilização exclusiva desses meios sem qualquer tipo de enquadramento por um adulto constitui uma irresponsabilidade», sublinha.

«Claro que, actualmente, muitas crianças e adolescentes possuem mais competências nestas tecnologias do que os pais. Por isso, devem fazer um esforço para aceder aos conhecimentos mínimos que possam prevenir alguns dos riscos que estão presentes nestas tecnologias», acrescenta ainda.

«Quando o problema se instala, quer em adultos como em crianças ou adolescentes, os especialistas aconselham a recorrer à ajuda terapêutica. Os tratamentos são «gerais e comuns à generalidade das perturbações dos impulsos e da adição», conclui o psicólogo.

Os sinais que demonstram que o seu filho passa demasiado tempo online, segundo a revista Archives of Pediatrics & Adolescent Medicine:

- Uso excessivo do computador e da ligação à Internet

- Ideias obsessivas

- Alienação da realidade

- Impulsividade

- Deterioração dos mecanismos de controlo do tempo

- Dificuldade em tomar decisões

As conclusões dos cientistas

Cientistas da Universidade da Califórnia concluíram que, ao mantermos o cérebro constantemente ocupado com dispositivos digitais, estamos a perder tempo que seria utilizado para estimular as capacidades cognitivas como aprender melhor, memorizar a informação ou ter ideias novas.

Os cientistas descobriram também que quando os ratinhos vivem uma experiência nova, como explorar uma área desconhecida, os seus cérebros apenas apresentam novos padrões de actividade se realizarem uma pausa depois do período de acção.

Texto: Fátima Lopes Cardoso com Paulo Sargento e Ana Gonçalves Corrêa (psicólogos clínicos) e Gaspar Machado (jogador profissional de e-games)