“O que é o autismo? Lembro-me de um filme que vi há muitos anos atrás, onde ele sabia o número de fósforos que tinha caído no chão só de olhar. E depois abanava-se. E não gostava de ser tocado e começava a gritar sem ninguém perceber porquê. Um pouco assustador. Parece um deficiente, mas diferente daqueles deficientes mais profundos.”.
“O que é que causa o autismo? Penso que pode ser as vacinas. Já ouvi uma vez um médico na internet a falar disso. Mas também já ouvi dizer que pode ser a forma como os pais educam as crianças. Muitas delas parecem ser mal educadas, não aceitam regras, fazem birras, têm problemas do comportamento. E isso é da responsabilidade dos pais, penso eu.”.
“O que pensa sobre a capacidades das pessoas autistas? Não sei muito bem. Não conheço nenhum. Na escola havia umas salas onde ficam as crianças com deficiência e eu nunca ia para lá. Depois deixaram de haver, mas na minha turma nunca tive ninguém com essa doença. Havia uns miúdos esquisitos na lá escola mas ninguém se dava com eles e eu também não. Penso que vão ser pessoas que vão sempre precisar de alguém para os ajudar. Nem sei se eles vivem muito tempo ou não. Não conheço nenhum adulto autista. Nem sei se isso existe.”.
Por que é que precisamos de sensibilizar a sociedade para a Perturbação do Espectro do Autismo?
Por isto, por estas respostas que não obstante estarmos no séc. 21 continuamos a ouvi-las. E elas continuam a criar obstáculos e barreiras para que as pessoas autistas possam viver de forma condigna.
A falta de informação e de conhecimento, a desinformação, a ignorância, e o estigma em que tudo isto se transforma, traduz-se num impacto devastador para a vida da pessoa autista.
Ao longo de nove semanas fomos desafiados a refletir sobre o autismo no adulto. Passamos por vários tópicos fundamentais para as pessoas autistas adultas, desde o conhecimento do seu diagnóstico e da importância do mesmo na compreensão do próprio e do mundo envolvente. Mas também da importância do diagnóstico para a intervenção a desenvolver e o desenho do projeto de vida futura com a pessoa.
Olhámos para a mulher, porque continuam a ser muitos, inclusive profissionais de saúde que não olham para a expressão comportamental da mulher autista como fazendo parte do espectro. Dizem que esta não pode ser autista porque é mais competente a nível social. E dizem que os estudos referem que por cada quatro autistas há uma mulher autista e por isso justificam que tem de haver menos mulheres autistas.
Quando pensamos na vida adulta, não é possível não pensar na integração no mercado de trabalho como fazendo parte integral deste processo. Ser adulto é poder ser autónomo e independente, e para tal precisamos de trabalhar e ser remunerados. Mas quando percebemos que uma percentagem significativa de autistas não trabalha e que um número grade de pessoas não autistas pensa que os autistas não são pessoas capazes e autónomas.
E tal como no trabalho, também pensamos sobre a importância do desenvolvimento psicossexual e da expressão da sua sexualidade e afetividade. Sabemos que estes são pilares para um desenvolvimento saudável e equilibrado e fundamental para o estabelecimento de relações intimas e de uma família. Mas ouvimos muitas pessoas não autistas afirmarem que estes não têm interesse em relações intimas e que não são maduros para construirem uma família e serem responsáveis por ela.
Em Portugal a escolaridade obrigatória vai até ao 12º ano, e como tal, são cada vez mais as pessoas que procuram ingressar no Ensino Superior. E também por isso pensamos sobre qual o Ensino Superior que existe para receber as pessoas autistas. E percebemos que apesar de haver cada vez mais a frequentarem este espaço, também sabemos que o número de desistências é grande. E que também continuam a ser muitas as pessoas que pensam que um autista não terá competências para frequentar este nível de ensino.
Afirmámos que todos somos diferentes nesta nossa forma de processar a informação. O nosso cérebro tem um conjunto de processos que acabam por funcionar de forma diferenciada. E no caso do autismo, esta é apenas mais uma forma diferente.
O que nos levou a afirmar que se trata de compreender a neurodiversidade como um modelo universal de funcionamento. E que importa respeitar todas as suas diferentes expressões.
Por último falamos da necessidade de formação dos profissionais de saúde. Tendo em conta que são estes aqueles que estão na linha da frente e que podem ajudar a mudar o percurso de vida de todas estes mulheres de pessoas autistas, nomeadamente aqueles que descobrem apenas na vida adulta que são autistas. E por conseguinte a travar a escalada de sofrimento ao longo destes anos todos.
O conhecimento acerca do autismo continua a ser muito aquele que consta nos manuais de diagnóstico. Mas a heterogeneidade desta condição ao longo do ciclo de vida é suficientemente grande para extravasar aquilo que está descrito nesses critérios de diagnóstico. E como tal é preciso informar e formar estes profissionais para estarem mais capazes de diagnosticar, referenciar e acompanhar as pessoas autistas e as suas famílias.
Por que é que precisamos de sensibilizar a sociedade para o autismo? Por tudo isto anteriormente dito. E porque sabemos que 1 em cada 59 crianças tem uma Perturbação do Espectro do Autismo.
E como tal sabemos que há um número significativo de jovens autistas que atingem a sua maioridade todos os anos.
E que além de sofrerem mais frequentemente bullying e incompreensão por parte dos seus pares. Vêm-se vedados a ter aquilo que é consagrado na Declaração Universal dos Direitos Humanos.
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