É ele que controla tudo o que fazemos, a forma como pensamos e como comunicamos e até a forma como sentimos, como nos relacionamos com o mundo e com os outros e até como olhamos para nós mesmos. Quando ocorre um acidente vascular cerebral (AVC), parte(s) do cérebro fica(m) danificada(s) e, consequentemente, as funções que essas zonas controlam são também afetadas. Mais de dois terços dos sobreviventes de um AVC, a principal causa de morte em Portugal, fica com sequelas para o resto da vida.

Sequelas físicas e emocionais. Calcula-se que cerca de 40% dos portugueses possa vir a ser vítima desta doença, uma vez que o risco de sofrer um depende, em grande parte, de escolhas que fazemos todos os dias. Acrónimo de acidente vascular cerebral, o AVC é designado como uma trombose. Acontece quando o fornecimento de sangue a uma parte do cérebro é interrompido, o que impede que as células cerebrais recebam oxigénio, acabando por morrer, como explica a associação americana National Stroke Association.

O AVC pode ocorrer a qualquer pessoa, em qualquer momento da vida. Mas ele não é sempre igual. Existem diferentes tipos:

- AVC isquémico

É o mais comum. É responsável por cerca de 87 % dos casos, revela a National Stroke Association. Acontece quando "um coágulo bloqueia a artéria que leva o sangue para o cérebro", explica o site da associação AVC. A obstrução deve-se a um depósito de gordura nas paredes que revestem a artéria. Pode haver dois tipos de obstrução.

No caso da trombose cerebral, há um coágulo de sangue que se forma numa artéria principal em direção ao cérebro. Já no caso de uma embolia cerebral, o bloqueio causado pelo coágulo forma-se num vaso sanguíneo numa qualquer parte do corpo e é, em seguida, levado na corrente sanguínea para o cérebro.

- AVC hemorrágico 

É o mais grave. Cerca de 13% dos casos de AVC são deste tipo, segundo a NSA. O AVC hemorrágico dá-se quando um vaso sanguíneo (aneurisma ou malformação arteriovenosa) rebenta, causando um derrame no cérebro. Pode ser provocado por uma hemorragia intracerebral, "quando um vaso sanguíneo rebenta dentro do cérebro" ou por uma hemorragia subaracnoidea, "quando um vaso sanguíneo na superfície do cérebro sangra para a área entre o cérebro e o crânio [espaço aracnoideu]", refere a associação AVC.

- Acidente isquémico transitório 

É considerado um aviso. O acidente isquémico transitório, também apelidado de AIT, é causado por um coágulo. A diferença entre este e um AVC "é que o bloqueio de fornecimento de sangue para o cérebro no AIT é transitório", demorando um curto período de tempo, explica a National Stroke Association.

A maioria dos acidentes isquémicos transitórios dura, regra geral, "menos de cinco minutos, sendo a média um minuto". É, por norma, "um sinal de que uma parte do cérebro não está a receber sangue suficiente e que há um risco de um acidente vascular cerebral mais grave no futuro", alerta a associação AVC.

O que acontece depois de um AVC

As consequências dependem da área do cérebro em que ocorreu e da sua extensão, mas existem efeitos comuns, independentemente da área cerebral. O lado esquerdo do cérebro controla o lado direito do corpo e vice versa. Quando o AVC ocorre, as complicações neurológicas vão afetar a parte do corpo que esse lado do cérebro comanda.

No lado esquerdo do cérebro:

- Paralisia do lado direito do corpo

- Problemas de discurso

- Perda do controlo emocional e mudanças de humor

- Comportamento mais lento e cauteloso

- Problemas de visão, incluindo perda da visão periférica

- Problemas com a perceção visual

- Disartria (dificuldades na fala)

- Perda de memória

- Mudanças cognitivas, incluindo problemas de memória e de bom senso e/ou dificuldade de resolução de problemas

No lado direito do cérebro:

- Paralisia do lado esquerdo do corpo

- Perda do controlo emocional e mudanças de humor

- Comportamento mais impulsivo e inquisidor

- Dificuldade em compreender expressões faciais

- Problemas de visão, incluindo perda da visão periférica

- Problemas com a perceção visual

- Disartria (dificuldades na fala)

- Perda de memória

- Mudanças cognitivas, incluindo problemas de memória e de bom senso e/ou dificuldade de resolução de problemas

- Falta de consciência do lado esquerdo do corpo, mesmo estando os membros ativos

Os efeitos emocionais de um AVC:

- Depressão

- Apatia e falta de motivação

- Frustração, raiva e tristeza

- Afeto pseudobulbar, uma perturbação que se traduz por choro ou por instabilidade afetiva, no qual as emoções podem mudar rapidamente e, por vezes, não corresponder ao humor

- Não aceitação das mudanças causadas pela lesão cerebral

Quem corre maiores riscos de AVC?

Estes são os grupos mais vulneráveis a um acidente vascular cerebral:

- Todos nós

O risco de sofrer um AVC não é nulo, independentemente da idade e da ausência de doenças que constituem um fator de risco acrescido. Consumir álcool em excesso, ser sedentário, ter uma alimentação pouco saudável, rica em gordura de má qualidade e sal, seguir um ritmo de vida stressante ou ter excesso de peso estão entre os fatores que contribuem para o risco de AVC, revela o National Heart, Lung and Blood Institute.

- Hipertensos

Segundo dados do National Institute of Neurological Disorders and Stroke (NINDS), "a hipertensão aumenta entre duas e quatro vezes o risco de AVC antes dos 80 anos".  A hipertensão "faz com que o coração bombeie o sangue de forma mais enérgica, o que pode enfraquecer os vasos sanguíneos e danificar órgãos principais, como o cérebro", explica a National Stroke Association.

Estes doentes devem "manter e cumprir o tratamento indicado pelo médico", aconselha o consultor de medicina interna Pedro Marques da Silva, habituado a lidar com o problema. Em Portugal, segundo dados da Fundação Portuguesa de Cardiologia, existem cerca de dois milhões de hipertensos. Um número preocupante que representa cerca de um quinto da população nacional.

- Doentes com fibrilação auricular

É um tipo de arritmia cardíaca que forma "coágulos que se podem alojar numa artéria cerebral e provocar um AVC", esclarece a National Stroke Association. A fibrilação auricular é mais comum acima dos 60 anos. Segundo Pedro Marques da Silva, "está associada a um aumento de quatro a cinco vezes de risco de AVC".

- Diabéticos

O risco de AVC nestes doentes aumenta duas a seis vezes, sendo a mortalidade três vezes maior nos doentes com diabetes que sofrem um primeiro AVC.  A diabetes "provoca alterações destrutivas nos vasos sanguíneos em todo o corpo, incluindo o cérebro", explica o NINDS. Para além disso, quando os níveis de glucose no sangue estão altos no momento do AVC, "os danos no cérebro tendem a ser mais graves e extensos", adverte este organismo.

- Obesos

A obesidade provoca grande pressão em todo o sistema circulatório e aumenta a probabilidade de se ter níveis de gorduras no sangue e a pressão arterial elevados, assim como diabetes, fatores que aumentam o risco de AVC, indica a associação norte-americana National Stroke Association.

- Pessoas com apneia do sono

Ressonar durante a noite, acordar com a sensação de que o sono não foi reparador ou adormecer durante o dia podem ser sintomas de apneia do sono. Esta condiciona ou agrava a hipertensão arterial, "causa doenças cardíacas, altera a circulação sanguínea cerebral, acelera a aterosclerose arterial e aumenta a inflamação e a tendência para a trombose", estando, por isso, associada a risco de AVC, revela o consultor de medicina interna.

- Doentes cardíacos

Distúrbios cardíacos comuns, como a doença arterial coronária, defeito nas válvulas ou batimentos cardíacos irregulares podem originar coágulos sanguíneos, que podem romper vasos soltos e bloqueados ou chegarem ao cérebro, levando ao AVC.

- Portadores de doenças genéticas

É raro, mas as doenças genéticas podem aumentar o risco de AVC. É o caso da arteriopatia cerebral autossómica dominante com infartos subcorticais e leucoencefalopatia, causada pela "mutação de um gene que leva a danos das paredes dos vasos sanguíneos no cérebro, bloqueando a corrente sanguínea", adianta a associação Stroke Association.

- Pessoas com antecedentes familiares

O risco de AVC torna-se mais elevado quando, na história médica familiar, "um dos pais, avós, irmã ou irmão já passou por um", revela o site norte-americano da Stroke Association. Segundo Pedro Marques da Silva, "a história familiar de AVC aumenta o risco em cerca de 30%".

- Ambiente familiar

Também deve ser tido em conta. A partilha de um ambiente familiar e cultural que enraíza hábitos, comportamentos e atitudes pode, segundo os especialistas, favorecer fatores de risco, adianta o especialista. Por exemplo, a utilização excessiva de sal na cozinha acaba por ser repartido por todos os elementos da família, o que contribui para um fator de risco de AVC, a hipertensão arterial.

Os gestos de prevenção essenciais

O que tem de fazer rapidamente para reduzir os riscos de AVC:

- Não fumar

É um dos gestos preventivos essenciais. "Fumar aumenta duas a quatro vezes o risco de AVC", sublinha Pedro Marques da Silva. O tabaco está associado à formação de substâncias gordas na artéria carótida cujo bloqueio pode causar AVC, explica também o NINDS. Para além disso, fumar promove a formação de aneurismas e torna o sangue mais espesso, o que aumenta o risco de criação de coágulos.

A nicotina aumenta a pressão arterial e o monóxido de carbono reduz o oxigénio que o sangue transporta para o cérebro, pelo que são, assim, de evitar no quotidiano para prevenir este problema de saúde. "Parar de fumar está associado à rápida diminuição do risco de AVC para níveis próximos do não fumador", revela mesmo o especialista português Pedro Marques da Silva.

- Praticar exercício

A falta de atividade física "pode aumentar o risco de se ter a pressão arterial e níveis de colesterol elevados, diabetes, doenças cardiovasculares e AVC", evidencia a Stroke Association. Por isso, é importante praticar exercício. Um estudo demonstrou que "as pessoas que faziam exercício físico cinco ou mais vezes por semana tinham uma diminuição no risco de vir a ter um AVC". "Experimente fazer, no mínimo, 30 minutos de atividade física diária", aconselha a Stroke Association.

- Ingerir menos sal

É outro dos maus hábitos. "A ingestão excessiva de sal é responsável pelo aumento da mortalidade cardiovascular, sobretudo cerebrovascular", sendo, por isso, considerada um dos principais fatores de risco de AVC. Esta foi uma das conclusões do II Fórum do Sal, um encontro de especialistas organizado pela Sociedade Portuguesa de Hipertensão (SPH).

Segundo Jorge Polónia, docente da faculdade de medicina do Porto, "uma descida de 3 gramas de sal ingerido por dia significa menos 2.500 mortes anuais por AVC". Substitua-o, à mesa, por ervas aromáticas, como alecrim, cebolinho, coentros, gengibre, hortelã ou orégãos. Veja a galeria de imagens que lhe apresenta (outras) opções de substitutos do sal.

- Medir a tensão arterial

Sendo a hipertensão arterial  o principal fator de risco para o AVC, torna-se fundamental vigiar regularmente a pressão arterial (os valores devem ser inferiores a 90/140 mm hg) e cumprir as recomendações indicadas pelo médico. "O tratamento da hipertensão arterial é, certamente, a estratégia mais efetiva na prevenção do AVC trombótico e hemorrágico, e está relacionado com uma redução do risco de mais de 30%", revela Pedro Marques da Silva.

- Seguir uma dieta colorida

Manter uma dieta equilibrada e variada, com restrição do sal e de gorduras totais e saturadas e rica em frutas, vegetais e legumes "é fundamental para atenuar o risco de AVC", refere Pedro Marques da Silva. Coma, "pelo menos, cinco porções de frutas e vegetais por dia", recomenda.

Prefira carne branca e magra à carne vermelha e opte, por exemplo, por alimentos ricos em fibra que ajudam a controlar os níveis de gordura no sangue, como a aveia, o arroz, a massa integral e o pão integral. "Não acrescente sal à comida e evite alimentos processados", aconselha a associação AVC.

- Vigiar o peso

Ter peso a mais é um fator de risco para a hipertensão, doença coronária e diabetes, fatores que aumentam o risco de se vir a sofrer um AVC. Aliar uma alimentação saudável a um estilo de vida mais ativo é fundamental para a manutenção do peso. Um estudo desenvolvido pela faculdade de medicina da Universidade de Harvard em Massachusetst, nos EUA, veio corroborar este facto.

De acordo com essa investigação científica, as mulheres com um peso 20% acima do recomendado ou que engordaram, pelo menos, 20 quilos desde os 18 anos, mais do que duplicam o risco de sofrer um AVC, em comparação com mulheres mais magras. Independentemente de ser homem ou mulher, pese-se todas as semanas, sem roupa, sempre depois de ir à casa de banho.

- Reduzir o álcool

Em excesso, favorece o aparecimento de "hipertensão arterial, fenómenos trombóticos, redução de fluxo sanguíneo cerebral e alterações do ritmo cardíaco [fibrilação auricular]", aponta o especialista em medicina interna. "Os hábitos alcoólicos intensos são um fator de risco reconhecido de AVC", adianta ainda. Por isso, modere o seu consumo. "Não mais do que duas bebidas por dia para os homens e uma para as mulheres", esclarece a National Stroke Association.

- Controlar o stresse

Elevados níveis de stresse prolongados no tempo favorecem a doença cardiovascular e o AVC. Um estudo científico realizado por investigadores da Universidade de Harvard, em Cambridge, no Massachusetts, nos EUA, concluiu que, nessas condições, o organismo tende a produzir glóbulos brancos em excesso, que se podem acumular nas paredes arteriais.

Como resultado, o fluxo sanguíneo fica reduzido e podem formar-se coágulos que bloqueiam ou interrompem a circulação sanguínea. Para controlar os níveis de stresse, além da prática de exercício físico, a Faculdade de Medicina da Universidade de Harvard aconselha que medite e que reserve tempo só para si.

A explicação é simples. Respirar profundamente reduz os níveis de pressão arterial. Evite verificar o e-mail fora do trabalho e desligue a televisão. Reserve, pelo menos, 15 minutos do dia só para si. Ria também todos os dias. Rir reduz os níveis da hormona do stresse (cortisol), baixando a inflamação nas artérias e aumentado o bom colesterol (HDL).

Os sinais de alarme a que deve estar atento

Será mesmo um AVC? Esteja atento aos sintomas que, segundo a associação AVC, são repentinos. Se for caso disso, ligue imediatamente para 112, sobretudo caso identifique alguma destas situações:

- Fraqueza facial

A pessoa consegue sorrir? Tem a boca ou um olho descaído?

-Fraqueza no braço

A pessoa consegue levantar os braços?

- Problemas de expressão

A pessoa consegue falar com clareza e entender o que se lhe diz?

Texto: Catarina Caldeira Baguinho com Pedro Marques da Silva (médico especialista em medicina interna)