Estimar a incidência e prevalência da dispareunia - dor no ato sexual - pode constituir um enorme desafio uma vez que dependem de fatores tão variados quanto o ambiente cultural, a idade, a forma de obtenção dos dados e muitos outros. No entanto, a maioria dos estudos aponta para valores entre os 6 e os 40% em geral e em torno dos 20% das mulheres adultas em Portugal.

Esta disfunção reveste-se de particular importância pelo impacto negativo que tem em esferas tão diversas da vida feminina quanto a saúde física e mental, a autoestima, o estabelecimento de relações, a qualidade de vida e até a produtividade laboral.

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A identificação da causa ou causas definitiva(s) pode revestir-se de particular complexidade, pois engloba desde alterações anatómicas até questões biopsicossociais complexas, algumas vezes associadas entre si.

Vários níveis de dor

Existem variadas classificações para a dor associada à relação sexual, tentando atribuir um cariz mais médico/físico ou mais psiquiátrico ao problema, quando na verdade ambos parecem desempenhar um papel relevante. A Fourth International Consultation on Sexual Medicine (ICSM), em 2015, tentou estandardizar todas as classificações prévias, classificando esta perturbação de "distúrbio da dor/penetração génito-pélvica", caraterizada pela persistência ou recorrência de:

  • Dor durante a penetração vaginal (dispareunia) e/ou
  • Dor marcada vulvar e vaginal ou pélvica durante o contacto sexual e/ou
  • Medo ou ansiedade marcados da dor vulvovaginal ou pélvica, em antecipação a, durante ou como resultado de contacto genital e/ou
  • Hipertonia ou hiper-reatividade marcadas dos músculos pélvicos com ou sem contacto genital (vaginismo)

O "distúrbio da dor/penetração génito-pélvica" pode não ter causa definida (causa idiopática). Porém, quando o fator causal é identificável, poderemos encontrar:

Causas anatómicas

Síndrome de dor miofascial pélvica, em que a dor tem origem nas fáscias (estruturas que revestem os músculos) pélvicos:

  • Anomalias congénitas dos ductos de Müller (onde embriologicamente se originam as trompas, útero e terço superior da vagina);
  • Prolapso dos órgãos pélvicos;

Causas infeciosas

  1. Candidíase;
  2. Doenças de transmissão sexual (gonorreia, herpes, etc);
  3. Doença inflamatória pélvica;
  4. Infeções urinárias;

Causas hormonais

  • Mas mulheres em idade fértil, o uso de pílula pode contribuir para um certo grau de secura vaginal;
  • Já na pós-menopausa, cerca de 50% das mulheres apresentam atrofia e secura da mucosa vaginal pela diminuição drástica da produção de estrogénios nesta fase da vida;

Causas inflamatórias

  • Líquen, doenças inflamatórias intestinais, entre outras causas;

Causas oncológicas

  • Cancros ginecológicos, intestinais ou do sistema urinário;
  • Terapêuticas oncológicas: cirurgia, radioterapia local, hormonoterapia;

Causas neurológicas

  • Esclerose múltipla, fibromialgia, entre outras patologias;

Causa psicossociais

  • Antecedentes de abuso físico;
  • Antecedentes de abuso sexual;
  • Depressão e ansiedade;

Causas relacionais

  • Problemas conjugais como falta de comunicação, discrepâncias no desejo sexual, conflitos verbais, físico ou abuso sexual.

A avaliação da mulher com queixas de dor associada ao contacto sexual deve ser completa e exaustiva.

Dada a multiplicidade de causas, é importante que sejam todas identificadas para que os tratamentos posteriores tenham resultados otimizados. Assim, devem-se respeitar os passos seguintes:

  1. História clínica detalhada, não só sobre o background cultural, ou a vida sexual desde o seu início, mas igualmente incluindo sintomas ginecológicos, urológicos, gastrointestinais, dermatológicos, musculares, psiquiátricos/psicológicos, medicação habitual, etc. É essencial estabelecer um ambiente de confiança, sem preconceitos, julgamentos ou pressões para que a paciente se possa expressar livremente e fornecer dados relevantes sobre as suas experiências e eventuais abusos passados ou presentes. Este "bom ambiente” irá permitir reduzir também a ansiedade relacionada com o exame físico que se seguirá. Já a caracterização da dor irá fornecer dados fundamentais para o esclarecimento da sua etiologia: onde (localização exata), quando (desde sempre, desde o parto, apenas com este parceiro...), com que frequência (sempre, em que situações específicas...)
  2. À história clínica devem seguir-se a inspeção visual e a palpação.
  3. Os dois primeiros passos orientam quais os testes a pedir, caso necessários: exsudados vaginais, uroculturas (se infecção) ou ecografias, ressonâncias (se endometriose, por exemplo).

Depois de apuradas as causas, o tratamento será dirigido de acordo com cada caso, sendo variável. Pode passar pelo ginecologista ou pela referenciação a outra especialidade (urologista, psiquiatra, psicólogo, reumatologista, terapeuta conjugal, entre outros).

Do mesmo modo, quando é um problema multifatorial, a abordagem terá de ser multidisciplinar, conjugando terapêuticas concomitantes de especialidades diversas.

Taxas de sucesso

As taxas de sucesso são variáveis, de acordo com as causas. No entanto, podem situar-se acima dos 70% em algumas séries.

As mulheres que sofrem diariamente com este problema devem ter a noção do quão frequente ele é e da disponibilidade de soluções, para que se sintam cada vez mais encorajadas a procurar ajuda especializada.

Por vezes, não é fácil abordar este tema numa consulta de rotina e há quem prefira informar-se um pouco mais antes de expor a sua vida íntima perante um profissional de saúde. Existem vários recursos onde é possível obter informações, dentre os quais são exemplos úteis:

  • "When sex is painful", um manual do colégio norte-americano dos médicos ginecologistas/obstetras

As explicações são da médica Elsa Milheiras, especialista em Ginecologia e Obstetrícia na Clínica de Santo António.