De forma crescente o cancro tem-se assumido como uma doença para a vida tendo em atenção que há cada vez mais doentes que sobrevivem ao cancro ou até curam a patologia. Em particular, no caso do cancro da mama em que são diagnosticados cada vez mais cedo e em etapas em que é possível controlar ou até mesmo curar a patologia.

Um doente de cancro passa a ser sobrevivente desde o início do diagnóstico até ao falecimento, que pode nem sequer estar relacionado com a patologia. Existem, assim, três grupos de sobreviventes: os agudos, durante a fase de diagnóstico e tratamento da patologia, que pode ter um período de duração de cerca de um ano; o grupo intermédio, que se prolonga até cerca de cinco anos; e o grupo permanente, a partir desta altura até ao momento de falecimento. Ou seja, existem pessoas classificadas como sobreviventes durante décadas.

O consenso “Sobreviventes de Cancro: Guidelines de Seguimento” presente nas Jornadas de Senologia 2017, organizadas pela Sociedade Portuguesa de Senologia, pretendeu assim abordar uma questão que está na ordem do dia, o seguimento deste grupo permanente de sobreviventes de cancro ao levantar a grande questão: por quanto tempo necessitam os sobreviventes de cancro de um controlo na instituição de tratamento inicial?

Se até há algum tempo atrás era possível falar de um acompanhamento “para a vida” nos dias de hoje o reforço das políticas de rastreio organizadas e os avanços nos tratamentos oncológicos têm contribuído para um aumento significativo do número de sobreviventes de cancro. É, assim, importante refletir e planear sobre o seguimento destes doentes pelo Serviço Nacional de Saúde, sem que tal represente uma sobrecarga para os médicos especialistas, uma vez que as agendas diárias dos oncologistas e senologistas estão preenchidas com consultas de acompanhamento a sobreviventes.

O que se pretende é ver discutido e definidas as linhas de orientação sobre qual deve ser o acompanhamento dado aos doentes. São claros os pontos de discussão em cima da mesa. Em primeiro lugar é preciso definir em que momento deve o sobrevivente passar a ser acompanhado por um clínico geral.

Em segundo lugar, é premente dar a conhecer os efeitos secundários que podem surgir a longo prazo (10, 20, 30 anos) resultado de tratamentos químicos. Os médicos devem estar alertados para quais são essas complicações e o que deve ser feito em caso de surgimento. Existe ainda a necessidade de detetar precocemente o reaparecimento do cancro e o que é preciso fazer se ocorrer. No caso das pessoas com antecedentes de cancro da mama, cerca de 15 a 20% dos doentes que não tiraram a mama podem ter uma recorrência nessa mesma mama.

Neste sentido, é importante definir que métodos os clínicos gerais dispõem para essa deteção e para onde devem encaminhar para tratamento. Por último, os aspetos sociais também devem ser considerados - empréstimos, retorno ao trabalho, atestados para acesso a benefícios – e os médicos devem estar informados sobre os procedimentos a seguir em cada caso.

Todos estes assuntos são já abordados de uma forma geral na comunidade médica, mas é essencial chegar a um consenso sobre as linhas de orientação que devem ser seguidas por todos de igual forma. Até porque do resultado deste consenso passam a existir implicações jurídicas.

Os objetivos são claros: diminuir o número de sobreviventes seguidos por oncologistas e senologistas para que novos e atuais doentes possam ter um maior acompanhamento e dar aos médicos de família um papel crescente no acompanhamento dos sobreviventes através de informação e ferramentas que lhes permitam seguir os sobreviventes com conhecimentos alicerçados.

As explicações de Carlos Freire de Oliveira, Médico, Presidente da Direção do Núcleo Regional do Centro da Liga Portuguesa Contra o Cancro, Coordenador da Direção do Colégio da Subespecialidade de Ginecologia Oncológica da Ordem dos Médicos