Uma cirurgia no intestino é, desde há um par de anos, a nova esperança de cura da diabetes tipo 2, uma doença que afeta cerca de meio milhão de portugueses. A técnica ainda é experimental, mas promete uma elevada taxa de sucesso.
A hipótese de poder vir a controlar a diabetes tipo 2 através de cirurgia estava na mesa desde 1995, mas só no ano passado vieram a público os resultados das primeiras experiências realizadas em doentes.
A técnica ainda é experimental e, segundo José Luís Medina, presidente da Sociedade Portuguesa de Diabetes e Metaboismo, «só deve ser usada em doentes com IMC superior a 35, nos quais falharam as terapêuticas convencionais». Mas, atendendo aos impressionantes resultados obtidos até agora (numa das experiências, 90% dos doentes tratados deixaram de ter hiperglicemia, excesso de glicose no sangue), poderá, no futuro, estar na primeira linha de tratamento da diabetes tipo 2.
Mas antes de explicar ao certo como funciona esta cirurgia, é importante recordar que a diabetes tipo 2 resulta da resistência do organismo à ação da insulina (hormona que transporta a glicose, proveniente dos alimentos, do sangue até às células, onde é transformada em energia). E que, até agora, a única forma de compensar a insulino-resistência era através de injeções de insulina ou comprimidos antidiabéticos orais.
Que cirurgia é esta?
A cirurgia consiste em fazer modificações a nível do estômago (que fica com uma capacidade mais pequena) e fazer uma ligação do intestino delgado (parte distal) ao estômago. De acordo com José Luís Medina, este tipo de procedimento «faz com que a ingestão de alimentos por refeição seja mais pequena e que os alimentos cheguem mais cedo ao intestino delgado, o provoca a produção de hormonas no intestino (as incretinas) que estimulam a produção de insulina, diminuindo a glicose no sangue».
O método deriva das observações realizadas em pacientes submetidos a gastroplastia para o tratamento da obesidade mórbida: após a cirurgia, que remove parte do intestino delgado, os doentes não só diminuíam o peso como melhoravam significativamente de doenças como a diabetes e a hipertensão.
«No estudo SOS da Suécia, publicado em 1995», assinala José Luís Medina, «o tratamento cirúrgico da obesidade deu origem a uma remissão da diabetes tipo 2 em 68% dos doentes obesos e da hipertensão arterial em 43% dos casos». Daqui concluiu-se que a chave para eliminar a resistência à insulina estaria na perda de peso (que faz diminuir a resistência à insulina) através deste tipo de cirurgia.
Dois tipos de cirurgia
Nos últimos anos, têm vindo a ser testados de uma forma mais incisiva dois métodos cirúrgicos originários do Brasil e da Costa Rica:
Cirurgia de interposição do íleo
Consiste em aproximar uma parte do íleo (secção final do intestino delgado) ao estômago para aumentar a produção de incretinas. O objetivo é facilitar a secreção de insulina. A cirurgia prevê ainda a redução de 20% do estômago (redução em sleeve).
Essa diminuição faz com que o doente ingira menos calorias de cada vez, reduzindo o peso corporal e, consequentemente, diminuindo a resistência à insulina. Esta técnica foi testado por Áureo de Paula, no Brasil, e de acordo com os resultados publicados na revista médica Surgical Endoscopy, citados pela revista Veja, 90% dos 39 pacientes operados ficaram sem hiperglicemia e três em cada 10 deixaram imediatamente de necessitar de medicação antidiabética.
Cirurgia de exclusão do duodeno
Consiste em isolar o duodeno e 40% do jejuno (duas das três regiões do intestino delgado) do processo digestivo. Com isto, os alimentos chegam menos degradados ao íleo (a terceira região do intestino delgado), o que estimula a ação das incretinas. Um dos percursores deste método, o brasileiro José Pareja, segundo a revista Veja, já operou 15 doentes que estavam medicados com injeções de insulina e antidiabéticos orais e todo eles ficaram livres das injeções, ainda que tenham tido de manter a toma de comprimidos.
O que se pode esperar destas cirurgias num futuro próximo
O presidente da Sociedade Portuguesa de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo, José Luís Medina, esclarece as questões mais pertinentes:
A quem está indicada a cirurgia?
Este tipo de cirurgia pode atrasar ou prevenir a evolução da diabetes mas se o doente voltar a ter os mesmos estilos de vida que o fez engordar anteriormente, a hiperglicemia aparecerá novamente.
No futuro, poderá estar indicada em casos de associação de obesidade grave com diabetes tipo 2 (índice de massa corporal superior a 35 - 40) nos quais falhou toda a intervenção farmacológica, dietética, de exercício e de terapêutica de modificação comportamental. A intervenção tem riscos, como todas as intervenções cirúrgicas deste tipo, e os doentes têm que ser previamente informados e motivados.
Este tipo de intervenções devem ser realizadas em centros de referência por cirurgiões com experiência neste tipo de cirurgia, acompanhados por equipas multidisciplinares. Os doentes selecionados são os que têm IMC > 35 se tiverem doenças associadas, que não contraindiquem a cirurgia.
Tem contraindicações?
As contra-indicações devem ser ponderadas pela equipa multidisciplinar tendo sempre em mente que os riscos têm que ser francamente menores do que os benefícios. A mortalidade operatória é baixa em centros de referência especializados neste tipo de cirurgia, mas pode haver outros riscos a ponderar, nomeadamente deficiências de micronutrientes, neuropatia, complicações pós-operatórias e, às vezes, depressão pós-operatória.
Quando chega a Portugal?
Os centros de referência que há em Portugal devem estar aptos a fazer este tipo de cirurgia. O problema não reside aqui mas sim na indicação e contraindicação deste tipo de cirurgia para tratamento da diabetes. Será melhor aguardar mais algum tempo para ver os resultados.
Texto: Fernanda Soares
Revisão técnica: Dr. José Luís Medina (presidente da Sociedade Portuguesa de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo)
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