A depressão resistente ao tratamento é «uma das formas mais graves de depressão, em que a medicação ou a psicoterapia não funcionam e, no limite, os pacientes são incapazes de cuidar de si próprios», podendo ter de ficar internados por longos períodos de tempo, explica o psiquiatra Albino Maia. Para estes doentes, pode estar para breve a chegada ao nosso país de um tratamento inovador.

A promessa chama-se estimulação magnética transcraniana, uma terapia já usada nos Estados Unidos da América (EUA). Albino Maia, o investigador responsável pela Unidade de Neuropsiquiatria no Centro Champalimaud, em Lisboa, publicou, em colaboração com um grupo da Harvard Medical School, na reta final de 2016, um artigo no The Journal of Clinical Psychiatry.

Uma dissertação sobre a eficácia de diferentes equipamentos de estimulação magnética transcraniana disponíveis no mercado e quer trazer o modelo terapêutico para Portugal. A técnica foi desenvolvida na década de 1980, no Reino Unido, mas só em 2008 foi aprovada pela autoridade reguladora do medicamento dos EUA, a FDA», explica o especialista.

«O projeto está em fase de estudo ainda, mas gostaria que fosse implementado até ao final do ano [2016]», confessava, uns meses antes, em entrevista à revista Prevenir. «Apesar de aprovada desde 2008, nos EUA, esta tecnologia tem presença ainda quase nula na Europa», refere. As grandes vantagens são a eficácia, com taxas superiores a 50 por cento, e a quase ausência de efeitos secundários.

O que é a estimulação magnética transcraniana?

É um tipo de estimulação não invasiva do cérebro, feita com recurso a ondas magnéticas. É uma forma de ativar neurónios no sistema nervoso central em que a indução de corrente elétrica no tecido nervoso é conseguida sem tocar diretamente no tecido cerebral.

A forma clássica de estimulação elétrica do sistema nervoso é através da colocação de um eléctrodo por onde passa corrente mas, na estimulação magnética transcraniana, usamos uma bobina que produz um campo magnético com propriedades que induzem nos tecidos a produção de corrente elétrica de forma não invasiva.

Como funciona?

Antes de iniciar o tratamento, o doente é visto por um psiquiatra que o prescreve. «Este é feito diariamente durante quatro a seis semanas, em 20 a 30 sessões. O paciente fica sentado numa cadeira com uma bobina magnética colocada sobre o crânio que é ativada com determinados padrões para induzir corrente elétrica no cérebro», explica Albino Maia.

«O doente é visto ao fim de uma a duas semanas para ver como está a responder e novamente no fim, para aferir a eficácia e o tipo de intervenção que se vai fazer para a manutenção, já que este é um tratamento agudo. No entanto, nada impede que seja feito novo tratamento se o doente vier a sofrer novo episódio depressivo, aliás está em curso um estudo sobre isso mesmo», refere ainda.

Qual a taxa de eficácia?

Segundo o especialista, «há taxas de eficácia com a estimulação magnética transcraniana superiores a 50 por cento, o que faz muita diferença para estes doentes no que toca à sua qualidade de vida. Para comparar, são doentes em que diferentes medicamentos ou mais psicoterapia têm uma eficácia muito baixa, na ordem dos cinco por cento», sublinha.

«Os resultados parecem ir-se acumulando ao longo do tratamento. Não são imediatos», salienta. «Teoricamente, poderia ser usado por todos os doentes depressivos, mas, dado o custo elevado e a necessidade de deslocamento diário ao centro onde o equipamento está, a ponderação de custo-benefício não justifica essa escolha», afirma ainda Albino Maia.

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Quais são os potenciais efeitos secundários?

São vários. «O risco mais importante, embora muito raro, é o de ocorrer uma convulsão, mas esta, quando ocorre, é breve, autolimitada e sem consequências de maior. Os efeitos secundários mais frequentes são a cefaleia e um mal-estar. Outro risco é um efeito auditivo, já que a bobina produz um som forte, mas que é possível prevenir com o uso de um protetor auricular, antes dos tratamentos», diz o especialista.

O que sucede após o fim dos tratamentos?

É frequente os doentes continuarem a fazer a medicação que tinha sido prescrita no início. «Aliás, esta não precisa de ser interrompida», adverte Albino Maia. «O acerto da medicação e/ou psicoterapia será feito dependendo das necessidades do doente», acrescenta ainda o especialista.

As vantagens da estimulação magnética transcraniana:

- É eficaz em doentes para os quais não havia tratamento antes.

- Tem menos efeitos secundários relativamente aos antidepressivos. Por exemplo, não afeta a função sexual.

- Pode ser usada também em doentes com contraindicações para antidepressivos, como mulheres grávidas ou doentes com outras patologias além de depressão, em que os antidepressivos são um risco, por exemplo, pessoas com história de hemorragia digestiva  ou doença cardíaca.

O potencial da estimulação magnética transcraniana para tratar outras doenças

Além de ser usada para tratar a depressão resistente, a EMT é usada em neurologia com fins de diagnóstico. Como explica Albino Maia, «por exemplo, se houver uma suspeita de lesão nas vias de condução motora, permite ver, do ponto de vista funcional, se há ou não lesão», esclarece.

«Avaliando a aplicação do estímulo e o tempo até a mão ou o pé mexer, podemos verificar que naquele doente o tempo está aumentado e isso sugere que algo não está  a funcionar bem. Também há alguma evidência em ensaios da potencial utilidade noutras áreas, como o Parkinson, a dor crónica ou o Alzheimer, embora a única validada até agora seja a depressão e mais ensaios sejam necessários para estas aplicações», afirma.

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Descubra as diferenças entre depressão crónica e depressão resistente

30% a 40% das pessoas que sofrem um episódio depressivo não recuperam inteiramente, isto é, não regressam ao estado que tinham antes de adoecer. A depressão crónica é uma depressão com menor gravidade nos sintomas, mas que se mantém por um período longo de dois anos.

Pode ser subdiagnosticada mas, por norma, responde bem ao tratamento com antidepressivos. A depressão resistente é uma depressão em que há sintomas graves que levam à procura de tratamento, mas em que este não tem resultados.

Texto: Bárbara Bettencourt com Albino Maia (psiquiatra na Unidade de Neuropsiquiatria do Centro Champalimaud e membro do Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa)