A verdadeira vocação das terapias não convencionais está na parceria terapêutica e na abordagem holística que médicos e terapeutas podem criar a pensar no que é melhor para nós. Os especialistas com quem conversámos já o descobriram. «A legislação portuguesa é das poucas do mundo que inclui sete terapêuticas não convencionais [acupunctura, fitoterapia, homeopatia, naturopatia, osteopatia, quiropraxia e medicina tradicional chinesa]», refere Pedro Ribeiro da Silva, médico anestesista.
«Em 2003, foi publicada a lei que legalizava seis delas e, em 2013, acrescentou-se mais uma terapêutica não convencional [medicina tradicional chinesa]», acrescenta. «Para a regulamentação ficar concluída, era ainda necessário publicar várias portarias, que estabelecem, por exemplo, as condições dos consultórios, o seguro, os ciclos de estudos de licenciatura, a cédula profissional...», enumera.
«Grande parte dessas portarias já foi publicada, estando o processo próximo do seu término», afirma ainda o especialista, membro da Divisão de Estilos de Vida Saudável da Direção-Geral da Saúde. Está, assim, aberto o caminho para a consolidação do trabalho conjunto entre a medicina ocidental e as terapias não convencionais. «A medicina dita ocidental será mais biomédica, enquanto as não convencionais entenderão melhor a relação una entre o corpo e a mente», conta Mário Cordeiro.
«Estas levam [também] em linha de conta o facto de sermos um organismo energético e os desequilíbrios energéticos poderem causar doenças. Há cada vez mais médicos a ter essa abordagem, embora muitos ainda achem que isso é do domínio do espiritual», acrescenta ainda o especialista, um dos mais conceituados pediatras nacionais que, a par de outros especialistas com quem conversámos, aplaudem o seu potencial.
Quando as terapias alternativas são um aliado
Helena Pinto Ferreira, médica especializada em medicina geral e familiar, acredita que as terapêuticas complementares têm resultados positivos comprovados. «No final dos anos 70, no fim do curso de medicina, tive contacto com as filosofias orientais que apresentavam uma abordagem da doença de forma mais global, o que me levou a estudar acupuntura», recorda ainda a especialista.
«Durante este percurso, contactei com colegas de vários países europeus onde outras abordagens complementares estavam mais divulgadas, como homeopatia, osteopatia, plantas medicinais, algumas ainda pouco conhecidas em Portugal», diz. «A experiência positiva que me transmitiram em relação à vantagem da sua complementaridade com a medicina convencional entusiasmou-me e procurei saber mais», desabafa.
«A sua utilidade revelou-se positiva, especialmente em algumas doenças crónicas, em doentes que tomam vários medicamentos ou em situações em que o tratamento convencional não é satisfatório. As vantagens dependem do tipo de terapêutica e do grau de evolução da doença», sublinha a especialista. «Mas, para o tratamento da dor, por exemplo, a acupunctura será mais eficaz e apresenta vantagens, permitindo diminuir a terapêutica medicamentosa», sublinha.
«Isso é muito importante especialmente em doentes que já tomam vários medicamentos devido a outros problemas de saúde», realça, contudo. «Quando a terapêutica convencional não apresenta resultados satisfatórios pode haver benefício em utilizar a terapêutica não convencional», acrescenta ainda Helena Pinto Ferreira.
«Mas cada caso tem de ser avaliado, sendo difícil dar exemplos. Foram efectuados alguns estudos para avaliação da relação do custo/ benefício de algumas terapêuticas complementares por algumas seguradoras em países europeus, nomeadamente na Holanda e Suíça», diz ainda a médica.
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As vantagens e as desvantagens do recurso a estas técnicas
Os resultados demonstraram que os doentes tratados por médicos que, além da abordagem convencional, utilizavam uma ou mais terapêuticas complementares viviam mais tempo, consumiam menos medicamentos e recorriam em menor número aos hospitais. «A terapêutica que se revelou mais barata foi a homeopatia. A baixa frequência de efeitos adversos é também outra vantagem», afirma Helena Pinto Ferreira. Mas nem tudo são aspectos positivos. As desvantagens também existem.
«Prendem-se com a falta de ensaios clínicos que comprovem a sua eficácia e conduz a um descrédito por parte de muitos médicos, embora haja já uma extensa literatura onde a comprovação da acção terapêutica exista, mas especialmente em ensaios pré-clínicos. A acupuntura é a terapêutica mais estudada e com mais estudos clínicos que demonstram evidência em algumas situações clínicas. Há, no entanto, um caminho grande ainda a percorrer», considera a especialista.
«O risco é maior quando estas terapêuticas não convencionais são praticadas por profissionais que não são médicos, quando não existe diagnóstico prévio, podendo atrasar o tratamento adequado de doenças que não melhoram com estas terapias», refere ainda. Mário Cordeiro, médico pediatra, acredita na eficácia da osteopatia, acupuntura, medicina tradicional chinesa, homeopatia. «Sempre acompanhei a evolução das terapêuticas não convencionais e acreditei nas suas potencialidades», aponta ainda.
Influências externas
«A vivência com o meu pai, também ele pediatra, juntamente com o estudo do comportamento humano e da visão holística que recebi na faculdade levaram-me a compreender que as terapêuticas complementares tinham um importante papel, desde que trabalhadas com um mínimo de base científica, de bom senso e com profissionais habilitados. Recorro, frequentemente à osteopatia, acupuntura, medicina tradicional chinesa e homeopatia», assume.
«Muitas vezes, isoladamente, por exemplo nos torcicolos congénitos ou na plagicefalia do bebé», afirma ainda o especialista. «E aconselho vivamente em situações de tensões musculares, stresse, sinusites e doenças do foro respiratório… As várias medicinas podem articular-se, mas depende do caso e isso nunca deve ser esquecido», alerta.
«O que pode prejudicar os doentes é o facto de as várias medicinas observarem um comportamento competitivo e de se assumirem como alternativas entre si. Ainda assim, o mais preocupante é, que existam maus profissionais. Pela falta de regulamentação, há muitos charlatães a exercer no domínio da saúde, designadamente em programas de televisão», realça também.
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Medicina tradicional ou medicina alternativa?
Nenhum dos dois conceitos. Mário Cordeiro, pediatra, explica porque, para bem do doente, a dinâmica entre médico e terapeuta deve assentar antes na lógica «complementar». «A complementaridade entre a medicina ocidental e as terapêuticas não convencionais deve ser sempre analisada caso a caso. Há que ter, todavia, muito cuidado para que as pessoas não sintam que têm de optar por uma ou outra», diz.
«Infelizmente, as costas voltadas entre muitos profissionais, com culpas para ambos os lados, acabam por levar a isso, e um caso evidente é o facto de muita gente usar a denominação alternativa», refere também. «Os termos tradicional ou convencional também são erróneos, a medicina chinesa, por exemplo, é muito mais antiga do que a medicina dita ocidental», sublinha o especialista.
«Já existe uma predisposição do utente ou terapeuta para a complementaridade entre medicina convencional e as terapêuticas não convencionais, uma atitude fundamental para se distinguirem os bons dos maus profissionais. Espero que, gradualmente, se vejam nos hospitais, centros de saúde e clínicas os vários profissionais em equipa», diz. «Há muito que tenho essa experiência como médico e sei os benefícios que traz», afirma.
«Também como utente tenho o melhor a dizer das pessoas, nomeadamente osteopatas, acupunctores, médicos da medicina tradicional chinesa, massagistas, homeopatas, entre outros, que já me trataram», revela. Pedro Lôbo do Vale, médico especialista em medicina geral e familiar acredita na eficácia da fitoterapia, acupuntura e osteopatia. «Era ainda um estudante de medicina quando contactei com técnicas terapêuticas como fitoterapia, suplementos alimentares e dietética», refere.
O poder das plantas
Pedro Lôbo do Vale continua a fazer desfilar memórias. «Tinha o gosto pelas viagens e descobri os espaços Reformhaus, na Alemanha, um tipo de loja que não existia em Portugal e que oferecia opções muito diferentes e interessantes para o bem-estar», recorda. «Pode-se, por exemplo, ajudar a prevenir uma constipação com a toma de equinácea, vitamina C e vitamina D, assim como, em alguns casos de ansiedade, a erva-de-são-joão e valeriana revelam ser eficazes», assegura.
«A toma de um suplemento alimentar à base de valeriana e melatonina poderá ser útil, por exemplo, no caso de uma pessoa que necessite de terapêutica convencional para a hipertensão, caso sofra de insónia em estado muito concomitante. Quando o paciente não necessita de tratamento cirúrgico para a dor na coluna, o recurso a suplementos à base de curcuma, glucosamina, condroitina e a intervenção de um osteopata será, com certeza, bastante útil. E infecções urinárias recorrentes beneficiam, ao nível da prevenção, da toma de arando vermelho», refere ainda.
«Ausência, noutros casos, a existência de menos efeitos secundários, em relação às terapias medicamentosas» é outra das vantagens que aponta. «Por exemplo, existem situações músculo-esqueléticas em que a osteopatia pode colocar os vários elementos do sistema osteoarticular na sua posição correta, aliviando tensões e dores. Já a acupunctura é útil nas situações em que o paciente sofre de dor, como citalgias ou outras nevralgias», sublinha.
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As regras de segurança a ter em conta
Uma regra de ouro para que o tratamento não convencional escolhido seja adequado é a realização de um correto diagnóstico o que, alerta Pedro Lôbo do Vale, só acontece «se a experiência clínica de quem recomenda a terapia for a adequada. Os médicos que utilizam ou procuram terapias complementares para os pacientes devem ter conhecimento de ambas. E as técnicas complementares devem ser praticadas por técnicos de escolas reconhecidas que garantam os seus conhecimentos sobre farmacologia e terapêuticas convencionais».
Benefícios para a saúde pública
«A saúde pública pode beneficiar da interação entre as diversas abordagens». Quem o diz é Pedro Ribeiro da Silva, médico e membro da Divisão de Estilos de Vida Saudável da Direção Geral da Saúde. «Existem variadíssimas situações em que a complementaridade entre as diversas abordagens podem ser benéficas para o tratamento e a cura», afiança. O médico garante haver benefícios para a saúde pública com esta interação, desde que se respeitem as diferentes práticas, atuando sempre em prol do doente, da promoção da saúde e da prevenção da doença.
«Por exemplo, assisti num congresso à apresentação de um cirurgião maxilofacial, do Porto, que opera casos muito dolorosos, como cancros, em que a anestesia eficaz é fundamental. Existem, pessoas que não podem ser anestesiadas pelos processos convencionais e, nessas situações, o cirurgião tem trabalhado com um acupunctor que intervém ao nível da anestesia e cuja ação tem sido sempre bem-sucedida», garante mesmo.
3 situações em que a medicina alternativa não é solução:
-Doenças crónicas
«Em casos urgentes ou de doenças com controlo médico apertado, como diabetes, doenças cardiovasculares, infeciosas, entre outras em que haja lesões orgânicas. Podem ser aliviados alguns sintomas associados mas sempre em complementaridade e sob controlo médico regular», considera Helena Pinto Ferreira, médica.
- Doenças graves
«Há doentes oncológicos que querem evitar a quimioterapia ou radioterapia e se entregam nas mãos de terapias que, por muito bem-estar que deem, não combatem diretamente o problema», assinala Mário Cordeiro, pediatra.
- Doenças agudas
as terapias alternativas não são solução em «casos de patologias agudas, graves, nomeadamente apendicite, pneumonia, tuberculose ou patologias de tratamento cirúrgico obrigatório», indica Pedro Lôbo do vale.
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Glossário de medicinas alternativas:
- Acupuntura
Consiste na aplicação manual de agulhas na epiderme que podem também ser activadas por impulsos elétricos. Permite «modular o funcionamento do sistema nervoso, do sistema endócrino, do sistema imunitário e das glândulas exôcrinas», refere a sociedade Portuguesa Médica de Acupuntura.
- Fitoterapia
Técnica milenar que tem a sua aplicação nos princípios ativos de origem vegetal. Recorre a plantas e a alguns dos seus componentes para conseguir uma estabilização correta do organismo.
- Homeopatia
Rege-se por quatro princípios, a lei dos semelhantes, a experimentação na pessoa sadia, a dosagem infinitesimal e o medicamento singular. «Consiste em dar ao doente em pequenas doses, uma substância que, administrada a uma pessoa saudável, reproduza os sintomas observados», descreve a Sociedade Homeopática de Portugal.
- Medicina tradicional chinesa
Estuda o equilíbrio energético do corpo humano. Nasceu na China há milhares de anos e agrupa um conjunto de diversas práticas como, por exemplo, a acupuntura ou o recurso a produtos derivados de plantas.
- Osteopatia
Tem como propósito a harmonia estrutural do organismo nomeadamente em termos de tecidos como articulações, músculos, ligamentos e outros. A técnica utilizada tem nas mãos do terapeuta as suas ferramentas, com vista à eliminação do problema e identificação da sua origem.
Texto: Carlos Eugénio Augusto com Helena Pinto Ferreira (médica especialista em medicina geral e familiar e presidente da Sociedade Portuguesa Médica de Acupunctura), Mário Cordeiro (médico pediatra), Pedro Lôbo do Vale (médico especialista em Medicina Geral e Familiar) e Pedro Ribeiro da Silva (médico e membro da Divisão de Estilos de Vida Saudável da Direção-Geral da Saúde)
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