Em todo o mundo, existem cerca de 160 milhões de pessoas com infeção crónica por hepatite C1. No entanto, uma nova terapêutica totalmente oral livre de interferão abre novas esperanças para os doentes com o genótipo 1 (GT1) do vírus da hepatite C (VHC).
Um estudo realizado com doentes naïve infetados com o GT1a e sem evidências de cirrose hepática, divulgado na primeira semana de fevereiro de 2014, aponta taxas de êxito entre os 92 e os 99%.
O programa multinacional, que foi desenvolvido pela AbbVie, uma empresa biofarmacêutica global orientada para a investigação formada em 2013, assume-se como «o maior programa clínico totalmente oral e livre de interferão em doentes com o GT1 do VHC realizado até à data», refere a companhia em comunicado. O GT1 (com os subtipos 1a e 1b) é o genótipo mais prevalente a nível mundial. «Mesmo em doentes difíceis de tratar (doentes cirróticos), as taxas de resposta virológica sustentada às 12 semanas foram de 92-96%», sublinha a empresa.
A comercialização da nova terapêutica poderá ter início no mercado americano ainda em 2014. A AbbVie anunciou a conclusão do seu programa de ensaios clínicos de fase III e divulgou resultados de quatro estudos adicionais concebidos para avaliar a terapêutica experimental totalmente oral e livre de interferão com e sem ribavirina (RBV) em doentes com infeção crónica pelo GT1 do vírus da hepatite C. As análises confirmam dados previamente divulgados pela farmacêutica.
As conclusões da investigação demonstram ainda taxas elevadas de resposta virológica sustentada às 12 semanas (RVS12) e de tolerabilidade nestes doentes com GT1 cerca de 12 semanas após o tratamento. «Os resultados dos estudos abrangentes de fase III da AbbVie envolvendo 2.300 doentes em 25 países demonstram o desempenho do nosso regime experimental num amplo espectro de doentes infetados com o genótipo 1 do VHC, incluindo doentes com cirrose hepática compensada», afirma Scott Brun.
O vice-presidente para a área de desenvolvimento farmacêutico da biofarmacêutica considera ainda que «as elevadas taxas de resposta e tolerabilidade do nosso regime, aliadas às taxas baixas de descontinuação, são promissoras». O regime experimental da AbbVie consiste na associação de dose fixa de ABT-450/ritonavir (150/100 mg) coformulado com ABT-267 (25 mg), numa toma diária única, e ABT-333 (250 mg) com ou sem ribavirina (dependente do peso), em duas tomas diárias.
A associação de três mecanismos de ação distintos interrompe o processo de replicação do VHC, com o objetivo de otimizar as taxas de RVS nas diferentes populações de doentes.
Em maio de 2013, o regime da AbbVie, com e sem ribavirina, para o GT1 do VHC foi considerado uma Terapêutica Inovadora pela Food and Drug Administration (FDA), a agência reguladora norte-americana.
«A AbbVie estima apresentar pedidos de autorização de introdução no mercado no início do segundo trimestre de 2014», informa a empresa em comunicado.
Nos próximos meses, a companhia irá revelar resultados detalhados do estudo em futuros congressos científicos e publicações. O estudo M13-389 (PEARL-II) é um estudo global, multicêntrico, aleatorizado, aberto e controlado para avaliar a eficácia e a segurança de tratamento com o regime AbbVie com e sem ribavirina em doentes adultos não cirróticos, infetados com o GT1b do VHC e experimentados, com a duração de 12 semanas.
Os estudos que foram feitos
A população do estudo era composta por 179 doentes experimentados, infetados com o GT1b, e sem evidências de cirrose hepática: 91 doentes receberam aleatoriamente o regime sem ribavirina durante 12 semanas e 88 doentes receberam aleatoriamente o regime com ribavirina durante 12 semanas. No grupo que não recebeu ribavirina, 100% (n=91/91) dos doentes alcançaram uma RVS12, em comparação com os 97% (n=85/88) de RVS12 no grupo que recebeu ribavirina.
Os acontecimentos adversos mais frequentes foram fadiga e cefaleias. Não se registaram descontinuações devido a acontecimentos adversos no grupo sem ribavirina e duas descontinuações (2%) no grupo contendo ribavirina. Não se registaram falências virológicas ou progressão em qualquer doente de ambos grupos de estudo.
Outra das análises foi feita no âmbito do estudo M13-961 (PEARL-III), um estudo global, multicêntrico, aleatorizado, em dupla ocultação e controlado com placebo para avaliar a eficácia e a segurança de tratamento com o regime AbbVie com e sem ribavirina em doentes adultos não cirróticos, infetados com o GT1b do VHC e naïve de tratamento, durante 12 semanas. A população deste estudo era composta por 419 doentes naïve infetados com o GT1b e sem evidências de cirrose hepática.
Desses, 209 doentes receberam aleatoriamente o regime sem ribavirina durante 12 semanas, e 210 doentes receberam aleatoriamente o regime com ribavirina durante 12 semanas. Após 12 semanas de tratamento, 99% dos doentes tratados com o regime sem ribavirina (n=207/209) e 99% dos doentes tratados com o regime com ribavirina (n=209/210) alcançaram uma RVS12. Os acontecimentos adversos mais frequentes foram cefaleias e fadiga.
Nenhum doente descontinuou o fármaco do estudo devido a acontecimentos adversos. 0% dos doentes tratados com o regime sem ribavirina e 0,5% dos doentes tratados com o regime com ribavirina apresentaram falência virológica ou progressão. Outra das investigações foi feita no âmbito do estudo M14-002 (PEARL-IV), um estudo global, multicêntrico, aleatorizado, em dupla ocultação e controlado com placebo para avaliar a eficácia e a segurança de tratamento com o regime AbbVie com e sem ribavirina em doentes adultos não cirróticos, infetados com o GT1a do VHC e naïve de tratamento, durante 12 semanas
A população do estudo era composta por 305 doentes naïve infetados com o GT1a e sem evidências de cirrose hepática: 205 doentes receberam aleatoriamente o regime sem ribavirina durante 12 semanas, e 100 doentes receberam aleatoriamente o regime com ribavirina durante 12 semanas.
Após 12 semanas de tratamento, 90% dos doentes tratados com o regime sem ribavirina (n=185/205) e 97% dos doentes tratados com o regime com ribavirina (n=97/100) alcançaram uma RVS12. Os acontecimentos adversos mais frequentes foram fadiga, cefaleias e náuseas.
Dois doentes (1%) tratados com o regime sem ribavirina descontinuaram a terapêutica devido a acontecimentos adversos. Não houve descontinuações entre os doentes do grupo com ribavirina. 8% dos doentes tratados com o regime sem ribavirina e 2% dos doentes tratados com o regime com ribavirina apresentaram falência virológica ou progressão.
Outra das investigações levadas a cabo teve como ponto de partida o estudo M13-099 (TURQUOISE-II), o primeiro estudo de fase III concluído exclusivamente em doentes cirróticos infetados com o GT1 para investigação de um regime totalmente oral livre de interferão. Trata-se de um estudo global, multicêntrico, aleatorizado e aberto para avaliar a eficácia e a segurança de tratamento com o regime AbbVie com ribavirina em doentes adultos cirróticos, naïve ou experimentados e infetados com o GT1a ou o GT1b do VHC, durante 12 ou 24 semanas.
A população do estudo era composta por 380 doentes naïve e experimentados, infetados com o GT1a ou o GT1b e com cirrose compensada: 208 doentes receberam aleatoriamente o regime com ribavirina durante 12 semanas, e 172 doentes receberam aleatoriamente o regime com ribavirina durante 24 semanas. Após 12 semanas de tratamento, 92% dos doentes (n=191/208) alcançaram uma RVS12. Após 24 semanas de tratamento, 96% dos doentes (n=165/172) alcançaram uma RVS12.
Os acontecimentos adversos mais frequentes foram fadiga, cefaleias e náuseas. Foram registados casos de descontinuação devidos a acontecimentos adversos em quatro (2%) dos doentes tratados com o regime com ribavirina durante 12 semanas e em quatro (2%) dos doentes no grupo das 24 semanas. 6% dos doentes do grupo das 12 semanas e 2% dos doentes do grupo das 24 semanas apresentaram falência virológica e progressão.
O programa de desenvolvimento para o VHC da AbbVie
O programa de desenvolvimento clínico para o VHC da AbbVie
destina-se a alcançar avanços no conhecimento científico e nos cuidados clínicos através da investigação de um regime livre de interferão e totalmente oral, com e sem ribavirina.
O objetivo é alcançar elevadas taxas de RVS no máximo de doentes possível, incluindo em doentes que tipicamente não respondem bem à terapêutica, como é o caso dos não respondedores à terapêutica com base em interferão.
Mas também dos doentes com fibrose hepática ou cirrose em estado avançado. O ABT-450 foi descoberto na sequência da colaboração existente entre a AbbVie e a Enanta Pharmaceuticals para investigação de inibidores da protease contra o VHC e regimes que incluem inibidores da protease. O ABT-450 está a ser desenvolvido pela AbbVie para utilização em associação com outros medicamentos experimentais da AbbVie para o tratamento do VHC. A ribavirina e o ritonavir não estão aprovados para uso investigacional acima discutido.
Como tal, não se devem nem podem ser extraídas conclusões no que concerne a segurança ou eficácia destes fármacos nesta utilização. «Há considerações especiais relativas à segurança que devem ser tidas em conta aquando da prescrição destes fármacos em populações aprovadas. O ritonavir não pode ser usado com determinados medicamentos, devido à existência de interações medicamentosas significativas, nem em doentes com hipersensibilidade conhecida ao ritonavir ou a qualquer um dos seus excipientes», adverte a empresa.
«A monoterapêutica com ribavirina não é eficaz no tratamento da infeção crónica pelo vírus da hepatite C, não podendo ser usada sozinha para este fim. A ribavirina provoca efeitos teratogénicos significativos, e está contraindicada em mulheres grávidas ou a amamentar, bem como em homens cujas parceiras estejam grávidas», alerta ainda a companhia.
«A ribavirina não pode ser usada em doentes com antecedentes de doença cardíaca prévia grave, disfunção hepática grave ou cirrose hepática descompensada, hepatite autoimune, hemoglobinopatias ou em associação com peginterferão alfa-2a em doentes coinfetados com VIH/VHC cirróticos e score na escala de Child-Pugh inferior ou igual a 6», informa ainda a empresa em comunicado.
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