Passei quase uma década da minha vida ausente, submersa numa angústia ensurdecedora, quase letal. Uma morte arrasara os meus alicerces emocionais. No dia em que recebi a notícia, perdi o norte. Perdi-me. Fiquei apavorada com a perspetiva de nunca mais ser capaz de me levantar.

Pensava compulsivamente em tudo o que acontecera, o que era indescritivelmente doloroso. Mas em vez de procurar apoio, optei durante anos pela estratégia da fuga para a frente. Sufoquei-me em trabalho, distanciei-me dos outros, não me permiti refletir, acumulei tensões e nunca parei. Tudo isso funcionava como uma aparente anestesia. Acabei por quebrar. Que me recorde, duas vezes. Só à segunda pedi ajuda. Ou melhor, convenceram-me a fazê-lo.

Crise anunciada

Há muito tempo que o agravar desta crise se vinha anunciando. Um ritmo de trabalho alucinante pô-la-ia a descoberto. Sem forças, sentia um cansaço esmagador, só pensava em dormir, contavam-se pelos dedos os dias em que não chorava. Tudo era encarado como uma inevitabilidade, não tinha apetite, acordava com uma ansiedade sufocante mesmo sem motivo. Tinha medo de falhar. A minha vida tornara-se um inferno. Eu tornara a vida dos outros infernal.

Felizmente, tive a sorte de encontrar no trabalho uma amiga com uma abnegação rara. Durante meses, insistiu para que eu procurasse a ajuda de um psiquiatra. Eu teimava em resistir, convencida que este tipo de consulta só serviria para receber uma receita de fármacos dos quais ficaria dependente para o resto da vida e que, no fundo, nada resolveriam. Estava enganada…

Sem divã

Foi depois de uma crise de choro indescritível que finalmente percebi que bastava. Marquei consulta num consultório com boas referências e apareci acompanhada pela minha amiga que, pacientemente, ficou à minha espera.

Numa sala à prova de som, recebeu-me não um mas uma psiquiatra. Uma médica, como me viria a aperceber, extremamente humana, verdadeiramente interessada. Não, durante as consultas não me deitei em nenhum divã, nem ela se limitou a ficar calada, a balbuciar «hum, hum», a prescrever-me fármacos ou a tomar notas. Sentei-me ao longo de várias sessões, na cadeira em frente à sua secretária. Simplesmente, conversámos.

Naquele dia em particular, contei-lhe as minhas angústias, mesmo as que não havia dito a ninguém. Vinte lenços de papel depois, respondi às suas perguntas, recuámos à minha infância e falámos sobre o presente. No final, diagnosticou-me ansiedade generalizada e depressão.

Teoria da ansiedade

Tive a certeza que estava em boas mãos: pediu-me para fazer análises de forma a verificar alguns níveis hormonais e, desta forma, poder ajustar a medicação. «Receitou-me» mais tempo livre, ensinou-me a importância de dizer não e explicou-me que a minha natureza era tendencialmente ansiosa, mas que o impacto da situação emocionalmente perturbadora que havia vivido inscrevera-se e manifestava-se a nível físico. Entrara em espiral. A sua teoria seria flagrante nos resultados dos exames.

Passei então a tomar doses baixas de um antidepressivo e de um ansiolítico e a monotorizar o meu estado hormonal. A dosagem da medicação foi sendo reduzida à medida da evolução do meu caso. É verdade que tive de suportar alguns efeitos secundários – aumento do apetite, dificuldades iniciais em focar as imagens, suores noturnos – mas sabia que a terapia teria um fim. Hoje voltaria a fazer tudo outra vez, apenas com uma diferença: teria procurado apoio especializado mais cedo.

Sensação de controlo

Três meses depois, sentia-me substancialmente diferente. A ansiedade foi-se dissolvendo, voltei a gostar de mim, comecei a ouvir os outros dizerem-me como tinha mudado. A sensação de ter tomado uma atitude foi extremamente libertadora. Finalmente retomara o controlo sobre a minha vida. Passei a preencher cada hora de consulta com o balanço de tudo o que de bom havia acontecido comigo nos últimos tempos. Falávamos sobre livros, cinema, a minha profissão, os afetos.

Tudo isto aconteceu em pouco mais de um ano. Os resultados das minhas últimas análises indicam que estou preparada para deixar a medicação.