É uma das mais famosas especialistas portuguesas na arte de bem cozinhar e vive com uma deficiência auditiva, que a levou progressivamente à surdez, desde os 36 anos.
Com 76 anos, conta as dificuldades que enfrenta diariamente e fala sobre a Associação Portuguesa de Apoio a Pessoas com Dificuldade Auditiva, de que é presidente, com o objectivo de sensibilizar a sociedade para o problema da surdez e informar os afectados acerca das soluções e ajudas que têm à disposição.
O problema auditivo de Maria de Lourdes Modesto manifestou-se aos 36 anos, mas nunca pensou que viesse a evoluir para uma situação tão grave nem que a levasse à surdez, porque "até ouvia de mais", desabafa.
"Falava com um telefone em cada ouvido, ouvia sons muito baixos (bastava o simples trabalhar do frigorífico para eu não conseguir adormecer). Por outro lado, nunca tive otites, nem dores de ouvidos, como tinha por exemplo a minha irmã, que é mais velha do que e ouve lindamente, portanto nunca supûs que viesse a ter um problema de surdez", revela.
A causa da sua deficiência auditiva é ainda hoje um enigma. "Na realidade não se sabe o que é que causou este problema". De repente, começou a ter distorções auditivas – ouvia uma espécie de apito - no ouvido esquerdo, que nunca mais a largou e, daí em diante, começou a ter cada vez mais dificuldade em ouvir.
"Os barulhos incomodavam-me muito, mas não havia nada a fazer. Chegou-se a suspeitar que pudessem ser de foro neurológico, mas depois de consultar um neurologista não restou dúvida absolutamente nenhuma de que eram do foro otorrino", confessa.
A causa da sua deficiência auditiva é ainda hoje um enigma. "Na realidade não se sabe o que é que causou este problema". De repente, começou a ter distorções auditivas – ouvia uma espécie de apito - no ouvido esquerdo, que nunca mais a largou e, daí em diante, começou a ter cada vez mais dificuldade em ouvir.
"Os barulhos incomodavam-me muito, mas não havia nada a fazer. Chegou-se a suspeitar que pudessem ser de foro neurológico, mas depois de consultar um neurologista não restou dúvida absolutamente nenhuma de que eram do foro otorrino", confessa.
Os tais barulhos que refere têm a designação científica de acufenos, mas são ainda um fenómeno pouco claro entre os especialistas.
"Os meus são horríveis, então de manhã quando acordo, às vezes parece que tenho os carrilhões de Mafra na cabeça. Tenho de me sentar e pôr imediatamente o aparelho. Aí passo a ouvir os barulhos à minha volta que me distraem dos meus barulhos", diz.
O choque do diagnóstico
Depois de consultar vários especialistas portugueses em busca de explicação e tratamento para o problema, foi aconselhada a procurar um médico em Espanha que dispunha de meios adicionais de diagnóstico. Esteve 12 dias em Madrid a fazer exames com aquele que era considerado, na altura, um dos melhores otorrinos da Europa.
Apesar de afastada a possibilidade de se poder tratar de um tumor – hipótese que Maria de Lourdes chegou a temer – o resultado não foi nada animador. "Infelizmente a minha doença não era só de um ouvido mas dos dois (coisa que eu desconhecia completamente), era progressiva e os danos eram irreparáveis. Foi um choque", recorda.
A progressiva falta de audição
A partir daí, houve vários episódios que foram denunciando a progressão da surdez, desde, por vezes, não ouvir o que lhe perguntavam, até às distorções auditivas constantes. Estava na altura de pôr um aparelho auditivo. Corria o ano de 1987.
"Não foi para mim um problema horrível. Eu estava preparada. Pensei: Levei estes anos todos a mentalizar-me para isto e agora vou-me abaixo? Não!", assume.
Apesar da adaptação dificil e trabalhosa, a utilização do aparelho trouxe-lhe uma qualidade de vida adicional. "Fui-me adaptando, com muita vontade de ouvir, evidentemente", sublinha.
A esperança é a última a morrer
Apesar de, graças ao aparelho, estar relativamente compensada ao nível da audição – "se não estiver em ambientes barulhentos, chego a ter converas de horas com pessoas que não se apercebem que eu tenho um problema auditivo" – a sua maior ambição é poder controlar as distorções.
"Quando chego ao médico, a primeira pergunta que faço é para saber se há alguma coisa nova em relação aos acufenos. A audição, eu sei que está perdida, mas ainda tenho esperança que seja feito algum avanço no tratamento dos acufenos. Ninguém imagina o inferno que causa nas nossas cabeças", desabafa.
Essa é uma das razões por que se mantém profissionalmente activa. "Eu não posso deixar de trabalhar, tenho de ter preocupações, reuniões... O stress é-me completamente indispensável para se sobrepor ao inferno que tenho na cabeça, são 24 horas sobre 24 horas, nunca pára", assegura.
Aprender a viver de novo
Com a surdez, a vida de Maria de Lourdes mudou muito, ainda que a maior parte das pessoas não se dê conta disso. A surdez é, na sua opinião, a deficiência que é menos considerada como deficiência.
"Eu fui a uma junta médica onde tive 23% de deficiência, quando houve imensas coisa que eu tive de deixar de fazer pelo facto de não ouvir (deixei de rabalhar em Relações Públicas, por exemplo).
Por outro lado, acho que é a única deficiência que dá vontade de rir.
As pessoas acham imensa graça quando estão a perguntar uma coisa e nós respondemos outra e parecem ser indiferentes ao facto de nós não ouvirmos", refere.
"Por exemplo, quando vou a um guichet, não ouço o que dizem. Marco uma reunião por telefone, é dia 6 mas eu ouço 16... são armadilhas constantes", sublinha.
Actualmente, uma das maiores dificuldade que enfrenta no dia-a-dia é suportar o barulho dos restaurantes. "Faz-me muita falta ir a restaurantes, porque escrevo na Internet sobre o que se está a passar no panorama gastronómico, mas isso representa, de facto, um grande esforço para mim", lamenta.
Por isso, os restaurantes onde mais gosta de ir são os de hotel, porque as mesas são mais afastadas uma das outras e o chão alcatifado. "Estas coisas parecem insignificantes e os bons ouvintes não dão conta, mas têm um enorme significado para mim", realça.
Os conselhos que deixa a quem sofre do problema
Reconhecer a deficiência
"É o primeiro passo, e depois não se conformar, não aceitar como natural, usando todos os recursos à disposição para melhorar a qualidade de vida".
Não rejeitar os aparelhos auditivos
"Não faz sentido sentir vergonha ou embaraço, o aparelho deve ser aceite com a naturalidade com que se aceita usar óculos", refere.
"Quanto à ideia de que os aparelhos não são eficazes, é importante dar a conhecer que os mais modernos melhoram muito a capacidade auditiva, sem fazer o tão desagradável feedback, e são muito confortáveis. O meu é o Rolls Royce dos aparelhos auditivos, é como o pacemaker, não o sinto; posso pôr um gorro na cabeça, deitar-me…, explica.
Cuidar das mãos
"Os aparelhos são cada vez mais pequenos e as pessoas com atroses não conseguem manuseá-los, mudar a pilha… Quando comecei a ter problemas nas mãos, a deixar cair coisas, o meu reumatologista aconselhou-me a fazer parafina em casa, para manter uma boa agilidade digitial".
Aderir ao correio electrónico
"É fundamental para a pessoa não se isolar. Fiz imensas amizades e mantenho mais vivas as amizades através do correio electrónico. Comecei a utilizá-lo aos 72 anos, por sugestão de duas amigas, e para mim foi, de facto, uma benção".
Visitar o médico
"As idas regulares ao otorrino e ao audiologista (para afinar os aparelhos) devem passar a fazer parte da vida da pessoa com deficiência auditiva. Mesmo sem problemas aparentes, deve-se consultar um otorrino, pelo menos de dois em dois anos, até por uma questão de higiene".
Aprender leitura labial
"Em ambientes barulhentos, em que, mesmo com o aparelho se torna difícil ouvir correctamente, é a melhor forma de manter uma conversa".
Não recear expor a limitação
"Não deve ter vergonha de perguntar 20 vezes, se for preciso, para perceber realmente o que as pessoas dizem. Nem de expor a limitação em aeroportos, etc. Só assim terá acesso aos recursos e ajudas já existentes".
"Por exemplo, quando fui condecorada pelo Presidente da República, preveni a pessoa da Casa Civil que ia levar o micro link (uma espécie de microfone) com receio que o Dr. Jorge Sampaio me perguntasse qualquer coisa que eu não percebesse", refere.
Além disso "quando vou ao teatro, peço licença para o colocar no palco".
Associação de apoio a pessoas com dificuldades auditivas
Maria de Lourdes Modesto é presidente da recém-criada Associação Portuguesa de Apoio a Pessoas com Dificuldades Auditivas. A ideia surgiu da constatação de que a sociedade não está devidamente preparada para as receber.
A sua actividade é, sobretudo, pedagógica:
Educar as pessoas na forma como lidam connosco, para não nos agredirem constantemente. Um surdo não é um palhaço, é uma pessoa válida (eu continuo a trabalhar, a pagar impostos...) que merece respeito e não deve ser alvo de risota.
Informar as pessoas com dificuldades auditivas dos recursos existentes em termos de tratamento e apoio.
Criar estruturas. Todos os edifícios que se constroem têm uma rampa para os deficientes motores, mas nem todos respeitam os estudos acústicos.
Texto: Fernanda Soares
Foto: Estúdios António J. Homem Cardoso
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