Em média, são detetados 150 novos casos por dia. Em 2013, a prevalência da diabetes na população portuguesa, com idades entre os 20 e os 79 anos, era de 13 por cento, segundo o Relatório Anual do Observatório Nacional da Diabetes. Esta é uma doença com grande propensão genética mas que está muito dependente de fatores desencadeantes, como o excesso de peso e o sedentarismo. Existem vários tipos de diabetes, sendo os mais conhecidos o tipo 1 e o 2.

No primeiro, «mais de 80 por cento das células que produzem insulina deixam de funcionar, tornando-se necessário a administração da hormona em falta», explica Luís Gardete Correia, endocrinologista.  O segundo representa cerca de 90 por cento da totalidade dos casos de diabetes. A boa notícia é que, embora tenha alguma influência genética, pode ser prevenida e até controlada através de alterações no estilo de vida.

O que é a diabetes tipo 2?

Ao contrário da diabetes tipo 1, na do tipo 2 não há falta de insulina, às vezes até existe em demasia só que não produz os efeitos desejados. A insulina é uma hormona que se produz nas células beta, nos ilhéus Langerhans, situados no pâncreas, e funciona como que uma chave. Neste caso, ela abre a porta das células para que a glucose entre e aí seja metabolizada e dê energia.

Mas se a chave funcionar mal, a fonte energética (neste caso a glucose) fica à porta, antes da célula. Esta vai começar a sofrer porque não consegue ter energia em quantidade suficiente. Ao fim de vários anos, a célula que produz insulina começa a ficar cansada, uma vez que produz muito, criando resistência a essa fechadura (dá-se o nome de insulinorresistência), podendo também ela começar a ficar deficiente, acabando por falhar.

É possível reverter esse problema?

A diabetes não se reverte, controla-se. Quem é diagnosticado com diabetes, não mais deixa de a ter. E o que nós fazemos através de hábitos de vida, da alimentação, do exercício físico e com a ajuda, muitas vezes, de medicação, é tentar obter níveis de açúcar no sangue aproximados daqueles que são considerados normais. Quando isso acontece, dizemos que a diabetes está controlada.

Porque conseguimos controlar a diabetes tipo 2 sem medicação e a tipo 1 não?

Porque na tipo 1, as células que produzem insulina morreram e tem de se fazer a sua substituição com insulina. Na diabetes tipo 2, o problema é na periferia e de largo tempo, não é na célula que produz a insulina. O que se tenta fazer é melhorar a sensibilidade periférica. Voltando a utilizar a metáfora da chave, tenta-se melhorar a fechadura.

A diabetes tipo 2 é desencadeada por alguma herança genética e por fatores como a obesidade e o sedentarismo. Portanto, se uma pessoa com este tipo de diabetes perder peso e fizer uma alimentação equilibrada, vai ter os níveis de açúcar muito próximos do normal. Só que nem sempre se consegue e quando assim é, tem de se tomar alguns medicamentos que atuam em vários sítios, de modo a baixar a glicemia.

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O que é fundamental fazer-se quando se pretende controlar a diabetes tipo 2 sem recurso à medicação?

A primeira coisa que se tem de fazer é mudar o estilo de vida. Mas só uma parte pequena das pessoas com diabetes o consegue, porque as pessoas têm muita dificuldade em mudar de vida devido à sociedade atual. Uma sociedade consumista, sedentária.

Qual o principal fator que impede que as alterações do estilo de vida sejam o suficiente para controlar a diabetes?

A gestão do peso. É muito difícil uma pessoa que pesa 120 kg passar para os 70 kg. Por vezes, mesmo quem tem muita força de vontade não consegue porque já existem condições estabilizadas  para se ter aquela massa  de gordura. É muito difícil, depois de a pessoa ser obesa, reverter essa obesidade para um peso normal ou próximo do normal. A estratégia é evitar que as pessoas engordem.

Em que casos é que a medicação é mesmo imprescindível?

Para sabermos isso, temos sempre de fazer uma análise ao sangue, nomeadamente a hemoglobina A1C, também conhecida por hemoglobina glicada ou glicosada. Se os valores estiverem acima do padrão de equilíbrio, vamos, progressivamente, atuando de modo a baixá-los.

É sempre através desta análise que se consegue perceber se se necessita de recorrer à medicação ou não. Depois é por patamares: se não se consegue só com alterações no estilo de vida, junta-se um medicamento. Se ainda assim não se consegue controlar, junta-se mais outro ou, então, trocamos de medicação.

Pode acontecer a pessoa com diabetes ter de recorrer a medicamentos e mais tarde não precisar deles?

Às vezes pode acontecer. As coisas podem ficar muito bem controladas e vai-se fazendo um desmame da medicação. Não é habitual, mas pode acontecer.

Que consequência evitamos ao controlar a doença?

A diabetes é uma doença sobretudo com impacto vascular. É a primeira causa de amputações pós-traumáticas, cerca de 30 por cento das pessoas que estão a fazer hemodiálise é devido à diabetes e é uma das principais causas do enfarte do miocárdio. Portanto, se se conseguir controlar bem a diabetes, o risco de a pessoa vir a ter estas complicações não desaparece totalmente, mas reduz-se muitíssimo.

Tem de se controlar a glicemia, a tensão arterial, os lípidos, o colesterol e os triglicerídeos. Estes são os grupos principais, que se estiverem bem controlados, o risco de se vir a ter essas complicações é muito reduzido.

Veja na página seguinte: O mito dos hidratos de carbono

O papel (decisivo) do estilo de vida

Para perceber a influência da alteração do estilo de vida no controlo da diabetes tipo 2, um estudo desenvolvido pela University of Alabama at Birmingham dividiu as pessoas com diabetes em dois grupos. Um mudaria o estilo de vida (1.200 a 1.800 calorias diárias, redução do consumo de gorduras saturadas e 175 minutos de exercício físico semanal) e o outro teria apenas um apoio no tratamento  da diabetes. Os resultados foram os seguintes:

- 11,5 por cento do grupo com mudanças no estilo de vida conseguiu diminuir a diabetes sem recurso a medicação. No outro, grupo apenas dois por cento o conseguiram.

- Em ambos os grupos, a remissão da doença teve mais impacto nos participantes que tiveram maior perda de peso ou com melhor desempenho no exercício físico.

- Os melhores resultados foram obtidos pelos participantes que tinham há menos tempo diabetes tipo 2 ou que não administravam insulina.

- Muitos participantes que inicialmente conseguiram reverter a doença necessitaram, porém, de voltar à medicação mais tarde.

O mito dos hidratos de carbono

Eliminar os alimentos ricos em hidratos de carbono da dieta é um erro. Margarida Barradas, dietista da Associação Portuguesa dos Diabéticos de Portugal, explica porquê. «Uma vez que os hidratos de carbono se transformam em açúcar (glicose) durante a digestão, há pessoas que optam por reduzir bastante o consumo de alimentos ricos neste nutriente (pão, batatas, arroz, massas, leguminosas, fruta, leite, iogurtes) pensando que, desta forma, conseguem estabilizar as glicemias».

«No entanto, o açúcar é a principal fonte de energia do organismo e não deve de forma alguma ser eliminado da alimentação. Claro que não se aconselham refeições sobrecarregadas em hidratos de carbono. Duas horas depois, o valor da glicemia vai certamente estar muito elevado. Mas não existindo hidratos de carbono numa refeição poderá ocorrer mais tarde uma hipoglicemia. A moderação é a chave», garante a especialista.

Texto: Catarina Caldeira Baguinho com Luís Gardete Correia (médico endocrinologista e Presidente da Associação Portuguesa dos Diabéticos de Portugal) e Margarida Barradas (dietista da Associação Portuguesa dos Diabéticos de Portugal)