A nível mundial o cancro do colo do útero é o tumor ginecológico mais frequente e o 4º mais comum, no sexo feminino, depois dos cancros da mama, colorretal e pulmonar. Em termos de mortalidade corresponde ao tumor ginecológico mais letal a nível mundial e à 2ª causa de morte por cancro nos países europeus entre as mulheres jovens (até 49 anos de idade) – facto que atesta o grave problema de Saúde Pública que representa.

A sua incidência e mortalidade é muito variável, sendo particularmente elevada nos países em vias de desenvolvimento do hemisfério sul. Esta dicotomia entre os hemisférios está diretamente relacionada com os cuidados de saúde disponíveis nos vários níveis – prevenção e rastreio, diagnóstico e tratamento.

Em Portugal, segundo dados do Globocan 2020, estima-se uma incidência de 10,7/100.000 e uma mortalidade de 3,7/100.000 habitantes.

Que agente causal e fatores de risco conhecemos?

Como agente causal principal deste tipo de cancro encontra-se a infeção persistente por um dos tipos oncogénicos do vírus do papiloma humano (HPV). Apesar de se tratar da infeção sexualmente transmissível mais frequente, apresentando, portanto, uma alta prevalência no sexo feminino, apenas uma minoria irá desenvolver efetivamente cancro.

Outros agentes funcionam como “facilitadores” no desenvolvimento do cancro invasivo como a imunossupressão (debilidade do sistema imunológico secundária, por exemplo, a infecção HIV, terapêutica específica após transplante de órgão ou para controlo de doenças auto-imunes), o tabagismo, outras infecções sexualmente transmissíveis e condições genéticas específicas.

Entre a aquisição da infeção pelo HPV de alto risco, o desenvolvimento de lesões precursoras ou pré-malignas do colo do útero e a evolução para cancro invasivo decorrem vários anos – esse período de tempo representa a janela de oportunidade em que o rastreio eficaz/ acompanhamento em consultas e exames de rotina pode fazer a diferença.

A que sinais ou sintomas deve a mulher estar atenta?

Aguardar pelo aparecimento de sinais de alerta pode, neste tipo de cancro, ser tarde demais. Porque nas fases iniciais do seu desenvolvimento é um tumor clinicamente silencioso. Por este motivo, a manutenção de um rastreio regular ganha uma importância decisiva na luta contra o cancro do colo uterino.

Queixas como uma hemorragia anómala que surja entre as menstruações, associada à atividade sexual ou após a menopausa, corrimento vaginal com odor fétido ou dor pélvica persistentes devem merecer investigação médica adequada.

Quais são então as principais armas que temos disponíveis contra o cancro do colo do útero?

A nível nacional, nos últimos anos, todos reconhecemos o esforço que tem sido feito nas duas principais áreas de prevenção:

  • A introdução da vacina HPV no Plano Nacional de Vacinação desde 2008 para as raparigas (com uma taxa de cobertura vacinal de cerca de 90%) e, mais recentemente ,também para os rapazes entre os 10-13 anos, trará futuramente uma redução dos casos entre as mulheres mais jovens;
  • O rastreio que pode ser efetuado através da citologia esfoliativa (teste de Papanicolau), teste de HPV ou ambos os teste associados, também tem vindo a estabelecer-se de forma progressivamente mais consistente.

O tratamento adequado e atempado das formas precursoras ou pré-malignas que são diagnosticadas na sequência de testes de rastreio alterados deve ser o nosso principal objectivo.

Por outro lado, mesmo nas fases invasivas do cancro do colo útero, um diagnóstico em estádios precoces está associado a taxas de sobrevivência elevadas aos cinco anos, decrescendo drasticamente para menos de 10% na doença disseminada.

Qual tem sido o impacto da Covid-19 no cancro do colo do útero?

Segundo dados da Liga Portuguesa contra o Cancro, terão ficado por diagnosticar mais de mil casos de cancro de mama, colo do útero e colo-rectal. O equivalente a uma quebra de 60 a 80% dos novos diagnósticos de cancro, de acordo com a Sociedade Portuguesa de Oncologia. Acredito que estes cancros que ficaram por diagnosticar resultam da necessidade de reorganização dos serviços de saúde (onde houve rastreios suspensos) e também do receio das pessoas em se deslocar às unidades de saúde, adiando consultas e exames.

Para além da importância que o doente Covid nos merece, compete-nos alertar que não podemos negligenciar outras doenças nomeadamente a oncológica que apresenta uma taxa de mortalidade muito superior à doença Covid-19.

Por isso, apelamos a todas as mulheres para que, não deixando de acautelar as devidas precauções inerentes à transmissão do coronavírus, compareçam em consulta para mostrar resultados prévios que não tenham sido ainda avaliados pelo clínico (podem até considerar a hipótese de teleconsulta) e desloquem-se para a retoma dos diferentes rastreios. Estes são igualmente urgentes e imprescindíveis, porque um diagnóstico precoce de um cancro pode fazer a diferença na sobrevivência e na qualidade de vida da mulher.

Um artigo da médica Ana Maria Coelho, ginecologista-obstetra no Hospital CUF Tejo - CUF Oncologia