Licenciado em Medicina pela Universidade de Lisboa, Fernando Leal da Costa foi chefe de serviço de Hematologia do Instituto Português de Oncologia de Lisboa, membro da Comissão de Avaliação de Medicamentos do Infarmed e, entre muitos outros cargos, subdiretor-geral da saúde. É autor ou co-autor de mais de uma centena de trabalhos nas áreas da hemato-oncologia e da gestão de serviços.
O Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde pertence a várias sociedades científicas nacionais e internacionais, entre as quais a Sociedade de Ciências Médicas de Lisboa, e faz parte do Comité de Acidentes Nucleares do Grupo Europeu de Transplantação de Sangue e Medula Óssea. Leia a entrevista que Leal da Costa concedeu ao Hospital do Futuro.
Hospital do Futuro (HDF): Esperávamos mais candidaturas aos Prémios HdF, à semelhança do que aconteceu noutros anos. Pensamos que o contexto da profunda crise em que estamos imersos possa condicionar estes resultados, mas por outro lado existe a leitura positiva, pois ainda assim conseguimos candidaturas. Qual destas visões partilha? Continuam os agentes da saúde em Portugal motivados para inovar e partilhar boas práticas?
Fernando Leal da Costa (FLC): Penso que a situação de desafio em que nos encontramos deve ser um estímulo adicional para querer melhorar e inovar. A “crise”, porventura não tão profunda como parece, não pode ser desculpa para deixar de querer fazer melhor e acrescentar valor com a novidade, no fundo, inovar.
Existem alvos, bem identificados, de como podemos operar melhor na área hospitalar, nos sistemas de informação, na logística, na dispensa de medicamentos, na própria prestação de cuidados, que são motivos para querer apresentar propostas. A nossa experiência, no Ministério da Saúde, é de que os atores respondem muito favoravelmente quando se lhes pede contributos para a inovação.
(HDF): Num contexto de escassez de recursos tem sido apontado de que as novas tecnologias (e-health), juntamente com novas formas de organização dos serviços mais centrados no paciente e não na doença, poderão ter um impacto significativo na redução de custos. Concorda com esta afirmação? Quais são as prioridades de atuação do Ministério da Saúde para melhoria dos resultados em saúde?
(FLC): O presente dos cuidados de saúde é o enfoque nos utentes. Julgo que a grande evolução que temos de fazer, na própria análise dos sistemas de financiamento, está aí. Diria que estamos a progredir em calcular e ajustar pagamentos em função de risco capitado. Por exemplo, o próprio sistema de comparticipação de medicamentos tem de ser revisto para incorporar as necessidades das pessoas e os seus condicionalismos.
Todos, os que trabalhamos e vivemos para a saúde, sabemos que os nossos utilizadores são a nossa razão de ser do SNS. Este governo percebeu e valoriza o valor do utente e segue essa visão. Estamos a mudar a prestação de cuidados de saúde em Portugal. Fomos e vamos muito para lá de aspetos meramente de orçamento. O orçamento é uma razão para mudar, mas não é a única razão da mudança.
Eu diria que o grande contributo que temos de dar é reforçar a aposta na qualidade e aceitar que essa qualidade tem um componente essencial, que é o da percepção do utilizador. Com a carga fiscal, de que infelizmente precisamos para sustentar a aposta nacional em Serviços Públicos, temos de ser muito rigorosos na qualidade do serviço prestado.
Temos de ser profissionais e exigir profissionalismo, temos de ser muito efetivos, temos de o fazer com o mínimo custo específico, e temos de ter uma população com uma consciência muito maior do que deve e pode fazer pelo seu SNS poder ser sustentável. O SNS não é do Governo, é da população que o paga e esta tem de ser parte ativa na manutenção dos níveis de saúde de todos nós.
(HDF): Em relação ao último relatório do Observatório Português dos Sistemas de Saúde (OPSS), foi dito que o Ministério da Saúde não fez uma estimativa do impacto da crise sobre a saúde. Os utentes, que são apontados como os principais prejudicados, sofreriam menos com o impacto negativo da crise se a estimativa tivesse sido feita?
(FLC): Ninguém, em todo o mundo, tinha ou tem estimativas de impactos na saúde de crises desta dimensão. Existem efeitos internacionais inesperados. O anterior Governo não se preparou para esta crise que, em boa verdade, não permitiu antecipação rigorosa e preditiva. Nem sequer há uma ideia clara de quais os indicadores novos a monitorizar.
O ministério está muito empenhado em implementar sistemas generalizados de avaliação de impactes na saúde de políticas transversais e conta com o apoio de organizações reputadas para o fazer, como a OMS e, se possível, o Banco Mundial ou o FMI. A ignorância sobre o impacto deste tipo de crises, em países desenvolvidos, é enorme. Já organizámos um seminário em Portugal com peritos da OMS e vamos seguir uma linha de cooperação interministerial de medição de impactos na saúde.
Mas a verdade é que é sempre difícil que a saúde tome a condução da economia e das finanças ou, pelo menos, tenha uma intervenção que não seja a da poupança do desperdício. Este Governo está, neste como em outros campos da Governação, a abandonar este paradigma de que a Saúde é fonte de gastos. Não é! Pelo contrário, é fonte de grandes ganhos de bem-estar e produtividade de uma Sociedade. A OMS solicitou a nossa cooperação para nos deixarmos avaliar externamente, porque somos um exemplo de país com um sistema de saúde desenvolvido sob assistência financeira, e nós, naturalmente aceitámos.
Os mais atingidos pela crise, os mais vulneráveis, estão ainda mais expostos e há a emergência de novos grupos com vulnerabilidades ainda não conhecidas. Temos de reagir em grande velocidade a fenómenos que só se tornam aparentes quando já têm uma dimensão considerável, um verdadeiro fenómeno de iceberg, e as ferramentas para se ver debaixo da linha de água estão longe de ser precisas. Em todo o caso, a DGS e o INSA já têm os sistemas montados para vigilância de indicadores e usaremos as medidas corretivas que existirem.
(HDF): Na sequência deste relatório surgiram algumas divergências. Como é que o Ministério encara as divergências, certamente já ultrapassadas?
(FLC): Não há divergências para ultrapassar. O nosso motivo de queixa não se prendia com a qualidade das pessoas que elaboraram o relatório, todas muito sabedoras, nem com os alertas para os riscos potenciais da crise económica sobre a saúde das pessoas. Apenas considerámos e mantemos que é preciso mais dados para falar de situações estatisticamente significativas do que um conjunto de casos isolados baseados em notícias de imprensa, algumas carecendo de confirmação.
Admitimos as nossas falhas, na disponibilização de dados, bem como acho que os autores do estudo devem aceitar que se poderá fazer melhor. Acho que há necessidade, mais do que nunca, para uma discussão sobre a verdade da Saúde Pública, sem entraves ideológicos, já que todos estamos de acordo que a saúde é o bem mais precioso das pessoas e das sociedades.
Por Sofia Filipe
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