O tratamento de melatonina retardou em cerca de três
meses os primeiros sinais de envelhecimento no
musaranho, o que equivaleria a dez anos no ser humano!

Chama-se musaranho-de-dentes-brancos,
parece um pequeno rato, pertence à família
dos mamíferos, é noctívago, adora insectos e
pode viver entre um ano a 18 meses (no estado
selvagem) ou até 30 meses (em cativeiro).

É este o protagonista de uma investigação
desenvolvida no laboratório francês Arago
CNRS-Université Pierre et Marie Curie,
o primeiro estudo de longo prazo concebido
para compreender a acção da melatonina no
processo de envelhecimento e apurar «o efeito
da sua administração contínua e a longo prazo
nos sinais de envelhecimento do musaranho-de-dentes-brancos, a perda do ritmo da actividade
diária.» As conclusões são surpreendentes
e podem abrir caminho à aplicação terapêutica
desta hormona no ser humano como
arma
anti-envelhecimento, como explica Elodie
Magnanou, investigadora.

Qual a importância desta descoberta?

O tratamento de melatonina que usámos não
permite aos animais estudados viver mais,
eles mantêm a mesma esperança de vida, mas
permanecem jovens mais tempo. É a primeira
vez que é feito um estudo a longo prazo para
apurar os efeitos da melatonina no processo
de envelhecimento!

Demonstrámos que a
administração contínua da hormona permite
manter um ritmo diário da actividade locomotora,
pelo menos, durante três ou mais
meses de vida. Serão necessários mais estudos
para caracterizar a forma como a melatonina
actua e determinar se é adequado administrá-la nos humanos para obter um efeito antienvelhecimento.

Qual será o próximo passo?

Precisamos de compreender os mecanismos
precisos que permitem que a melatonina
atrase o processo de envelhecimento. Para tal,
pretendemos levar a cabo estudos ao nível do
órgão, células e genes. A realização de estudos
a longo prazo em humanos implica uma
melhor compreensão sobre os mecanismos,
através de experiências realizadas em outros
mamíferos.

Qual é o papel da melatonina no corpo
humano?

É uma hormona produzida naturalmente pelo
organismo, sintetizada durante a noite pela glândula pineal, localizada no cérebro. Ajuda a
sincronizar o relógio biológico com as mudanças
ambientais. Ajuda-nos a adormecer à noite
e a estarmos activos durante o dia.

A sua acção no corpo humano difere da
forma como actua em outros animais?

A melatonina é produzida por todos os vertebrados.
Os mecanismos fisiológicos que conduzem
à sua produção diferem de um grupo
para outro, mas esta ocorre sempre à noite.
Este padrão é usado pelos vertebrados para
sintonizar os seus ritmos diários e anuais.
A libertação da hormona pode ter diferentes
propósitos caso a espécie seja diurna ou nocturna,
a produção de melatonina nos humanos é
sinónimo de sono, enquanto corresponde à fase
activa para os musaranhos ou roedores nocturnos.

O mesmo se passa na época de reprodução.
Por exemplo, fases curtas da sua produção
indicam ao roedor que é Verão e então ele
começará a reproduzir-se. Já uma ovelha irá
reproduzir-se quando a produção de melatonina
ocorre em períodos mais longos (Outono).


Veja na página seguinte: As patologias que a melatonina pode ajudar a tratar

Na espécie humana, a melatonina é apontada
como tendo propriedades antioxidantes,
antidepressivas e benefícios na
resolução de problemas do sono...

Foi demonstrado que tratamentos agudos de
melatonina ajudam a adormecer e isso é verdade
não só para os humanos como para outras espécies
de mamíferos.

Tomar melatonina para sintonizar
o relógio biológico após uma viagem é
útil. As suas propriedades antioxidantes foram
testadas em várias espécies de mamíferos a nível
celular.

Esta hormona parece ser um inimigo dos
radicais livres. Existe ainda uma correlação entre
os ritmos internos do nosso relógio, a produção
de melatonina e o humor, o que pode resultar
em depressão, em alguns estados patológicos.

À medida que envelhecemos o que acontece
aos níveis de melatonina?

A produção desta hormona em indivíduos
adultos e jovens é elevada à noite e praticamente
inexistente durante o dia. A sua produção
nocturna diminui com a idade até um ponto
em que os seus níveis nocturnos são tão baixos
como os diurnos.

Estudou os efeitos da melatonina no musaranho-de-dentes-brancos. Existem semelhanças
entre este animal e o ser humano?

A degradação dos ritmos diários de locomoção
deste animal pode ser comparada ao que se
passa com os humanos. À medida que envelhece,
o musaranho torna-se cada vez menos ritmado
e, por isso, começa a sair do seu ninho não só
à noite como de dia. Isto significa que, durante o
dia, descansa menos do que um jovem musaranho.
Os humanos têm cada vez mais problemas
ligados ao sono à medida que envelhecem.

Quais foram as principais conclusões do
estudo?

Verificámos que o tratamento de melatonina
retardava em cerca de três meses os primeiros
sinais de envelhecimento e também que
abrandava a sua evolução. Os musaranhos
tratados mantinham um ritmo de actividade
jovem durante mais tempo e a sua degradação
era muito mais lenta do que os animais não
sujeitos ao tratamento. Não foram detectados
efeitos secundários.

Para quando um fármaco de melatonina
com acção anti-envelhecimento?

Com muito investimento, dentro de cinco
anos. Com menos dinheiro, dez anos. Com
pouco dinheiro, dentro de 20 anos!


Fármacos
associados à
melatonina

A toma desta hormona
deve ser feita sempre
sob vigilância médica. «A melatonina é de venda
livre em muitos países,
mas nem a sua pureza ou
efeitos secundários putativos
são controlados»,
refere Elodie Magnanou.

Em Portugal, encontra-se
à venda um fármaco
aprovado e sujeito a
receita médica obrigatória,
cujo princípio activo
é a melatonina. Segundo
Cristina Azevedo,
farmacêutica e mestre
em Tecnologia do
Medicamento, este «tem
indicação para o tratamento
a curto prazo de
insónias primárias (sono
de má qualidade sem
causa identificada), em
doentes com idade igual
ou superior a 55 anos.

A necessidade de o utilizar
para outras indicações
deverá ser efectuada
sob vigilância médica».
Prevê-se para o final do
ano a entrada no mercado
português de outro
medicamento cujo princípio
activo é a agomelatina,
«um potente agonista
dos receptores da melatonina.
É um antidepressivo,
utilizado no tratamento
de depressão major
em adultos. Só poderá
ser obtido mediante
receita médica», explica
Cristina Azevedo.


Texto: Nazaré Tocha