E se lhe dissermos que uma alga pode saber a bacon? E que delas se faz pão e até gelados? E não estamos a falar de possibilidades, mas de produtos reais. Os vegetais marinhos são já uma tendência na indústria alimentar, apesar de haver ainda muito para descobrir sobre este superalimento rico em minerais (iodo, ferro e cálcio), proteína e fibra e de baixo valor calórico. Além de que podem ser usados de inúmeras formas na nossa alimentação. Para saber quais são as variedades mais usadas em todo o mundo, clique aqui.

Mas voltemos ao início, à alga com sabor a bacon, uma variante da dulse, usada há já vários séculos na gastronomia pelos irlandeses, islandeses e escandinavos, que um grupo de cientistas da Oregon State University, nos EUA, está a criar em aquacultura. A alga em questão assemelha-se a uma alface translúcida vermelha e pode ser servida das mais diversas formas, como demonstram as experiências feitas no Food Innovation Center (FIC) da mesma universidade. Em janeiro de 2015, o FIC contratou Jason Bell, um chef/investigador, que desde então já desenvolveu 14 protótipos de produtos com a dulse.

«Jason Bell tem feito um trabalho extraordinário, já desenvolveu uma espécie de amendoim quebradiço, uma cerveja, pão, uma galete crocante e molho para salada, entre outros produtos. A reação dos consumidores aos dois últimos produtos foi tão boa, que os vamos começar a comercializar ainda este outono», explica Michael Morrissey, diretor do FIC. E foi durante estas experiências gastronómicas que descobriram que a dulse, como confirma o diretor do FIC, «quando frita ou fumada tem um sabor que se assemelha ao bacon».

Algo que os chefs vegetarianos de todo o mundo procuravam recriar sem sucesso há muito tempo. De acordo com Michael Morrissey, a dulse também pode ser usada fresca, pelo que alguns chefs de restaurantes das cidades norte-americanas de Portland e de Oregon, a convite do FIC, estão a experimentá-la com sucesso, agregando-a a saladas e a pratos de peixe. «Os chefs estão a explorar as várias possibilidades e sentem-se entusiasmados por ser um superalimento, que tem o dobro do valor nutricional da couve», sublinha Michael Morrissey.

A utilização crescente das algas em Portugal

Para os investigadores da Oregon State University, «as algas são a comida do futuro e é magnífico ver chefs, investigadores e consumidores interessados nos legumes do mar». E Portugal não foge à regra. Miguel Laffan, chef do restaurante do L’and Vineyards Resort em Montemor-o-Novo e consultor do grupo Porto Santa Maria, é um dos chefs que coloca algas nas suas receitas. Habitualmente, utiliza kombu, codium, alface-do-mar, tosaka, wakame, musgo-da-irlanda e nori.

E, por regra, usa-as «para acrescentar mar e iodo» às suas receitas. «Mas também gosto de as acrescentar em saladas e tenho, por exemplo, uma manteiga no Barbatana [o seu projeto mais recente, situado no Amoreiras Shopping Center] feita à base de algas marinadas que é um sucesso», conta. Leonardo Pereira, chef do restaurante do hotel Areias do Seixo, na Praia de Santa Cruz, também não dispensa os legumes marinhos.

Regressado no início de 2015 de Copenhaga, onde trabalhava no Noma, durante vários anos considerado o melhor restaurante do mundo, Leonardo Pereira adora «ter sempre algas por perto pela diversidade e complexidade de sabores e texturas» e diz não entender «porque é que são tão ignoradas», refere. «São deliciosas e funcionam perfeitamente para fazer caldos vegetarianos com profundidade e complexidade de sabor», realça ainda.

Na carta do seu restaurante, tem alguns pratos com algas, tais como tomates curados em laminaria saccharina, picanha grelhada com botelho comprido, mexilhões com codium. Quando questionado sobre se os vegetais do mar casam bem com a gastronomia tradicional portuguesa, não tem dúvidas. «Quem gosta de um peixe grelhado na brasa não tem como não gostar de um acompanhamento de algas», refere ainda.

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Um alimento muito completo

Mas será que os portugueses estão preparados para usar este vegetal com maior frequência nas suas receitas? Leonel Pereira, diretor do Laboratório de Algas Marinhas da Unidade de Investigação MARE da Universidade de Coimbra, defende que, para que «o preconceito seja ultrapassado, é necessário introduzir as algas de uma forma gradual e ajustada ao gosto da população portuguesa, ou seja, em pratos simples com ingredientes tradicionais da cozinha mediterrânica».

A nutricionista Patrícia Costa diz que o método de confeção usado depende do tipo de alga escolhida, mas os legumes marinhos podem ser servidos fervidos, assados, estufados, salteados ou marinados. «A alga desidratada é ótima para aromatizar caldos pelo sabor umami [o quinto sabor] que confere, enquanto as algas frescas depois de cozinhadas são boas opções como acompanhamento de pratos com peixe ou em sopas», exemplifica.

«Desidratadas, as algas devem ser demolhadas durante 10 minutos e essa água pode depois ser usada para cozer massa e leguminosas, substituindo o sal». Leonel Pereira realça o potencial dos vegetais marinhos, que diz serem «a melhor forma de corrigir as carências nutricionais da atual alimentação ocidental». Patrícia Costa tem a mesma opinião.

«A sua riqueza em compostos bioativos, diferentes dos presentes em fontes alimentares terrestres, como diferentes proteínas, polifenóis e polissacarídeos, fazem das algas uma nova fonte alimentar com potencial para a saúde humana. São das plantas nutricionalmente mais densas e das fontes alimentares mais ricas em minerais, como o iodo, ferro e cálcio. Um traço comum a todas é o seu baixo valor clórico, por apresentarem valores de gorduras reduzidos e pelo elevado teor em minerais, proteína e fibra», diz.

Como cozinhar algas

Para quem se quer iniciar nos pratos com algas, Leonel Pereira, diretor do Laboratório de Algas Marinhas da Unidade de Investigação MARE da Universidade de Coimbra, sugere, por exemplo, arroz de esparguete-do-mar feito com himanthalia elongata, sultanas e pinhões. «Tem todos os nutrientes necessários para uma refeição vegetariana, mas rica em sabores e aromas», refere o especialista.

Produtos feitos de algas

Na costa portuguesa, como nos diz Leonel Pereira, existem vários tipos de algas divididas em três grandes grupos. «As algas castanhas (como o esparguete-do-mar, o kombu real, o kombu, e o falso kombu), as algas verdes (como a alface-do-mar e o chorão-do-mar) e, por fim, as algas vermelhas (como a erva-patinha ou o nori, a erva-malagueta e o musgo-da-irlanda)», esclarece. Acontece que ainda não são aproveitadas como deveriam.

«Para isso acontecer é preciso haver uma estratégia nacional para que aumente o conhecimento sobre este conjunto de organismos marinhos», diz o investigador da Universidade de Coimbra. O facto «da costa ocidental portuguesa ser naturalmente exposta à violência do Atlântico faz com que seja difícil desenvolver uma indústria de cultivo de algas semelhante à que existe noutras zonas do globo, como é o caso, na Ásia, do Japão, China, Coreia do Sul, Indonésia e Filipinas, e na América do Sul, o Chile e o Brasil», sublinha Leonel Pereira.

A alternativa, diz, «é o cultivo de algas em zonas de estuário ou de ria, como o utilizado pela AlgaPlus». Esta empresa de Ílhavo é pioneira em Portugal na produção controlada de macroalgas marinhas. Para além da venda de algas a granel, a AlgaPlus tem duas marcas, Tok de Mar (produtos alimentares) e Sea Originals (produtos de bem-estar). Tem também uma parceria com a Escola Superior de Turismo e Tecnologia do Mar do Instituto Politécnico de Leiria.

Esse casamento já deu origem a um pão de algas, desenvolvido com a panificadora Calé (à venda desde abril de 2015) com a vantagem de não ter sal. Um mês depois, lançaram o primeiro gin português com algas, Nautiliu com a Oficina de Espíritos. A mesma escola juntou-se também à geladaria Emanha, para criar um gelado de kefir com spirulina, à venda desde 2013. Se as algas ainda não fazem parte da sua alimentação, está na altura de as integrar. Da próxima vez que for às compras, coloque-as na sua lista de compras e experimente.

Veja na página seguinte: O projeto gastronómico em curso nos Açores

As receitas do Calhau

Nos Açores, o projeto «Receitas do Calhau» está a recolher novas receitas com algas açorianas junto da população. Sónia Matos, professora do Edinburgh College of Art, é uma das reponsáveis e explica-nos que estão na fase de conceção do livro de receitas com colaboração do ilustrador André Letria, e que será ser editado pela Pato-Lógico. Um projeto nacional que visa incrementar o consumo de algas.

As algas mais usadas em todo o mundo

As cinco algas mais utilizadas na gastronomia a nível mundial são:

1. Agár-agár

É usada como espessante, gelificante e estabilizante natural em vários alimentos.

2. Kombu

De consistência carnosa, dá sabor aos alimentos e aumenta a digestibilidade daqueles. É usado sob a forma de farinha na confeção de pães e hambúrgueres vegetarianos.

3. Dulse

É uma alga vermelha, que pode ser ingerida seca, como aperitivo ou condimento para alguns pratos. Quando hidratada deve ser incorporada a sopas, saladas e vegetais e é uma ótima substituta do sal.

4. Nori

É das mais conhecidas por ser usada no sushi. Depois de colhida é lavada em água doce, triturada e, de seguida, transformada em folhas fi nas. Dado o seu formato, pode substituir o tradicional pão ou wraps em sandes.

5. Wakame

É aconselhada a quem quer iniciar-se no consumo de algas por ter um sabor suave. Pode ser servida crua em saladas, sopas e estufados.

Outros usos das algas

São um superalimento, mas também são usadas na cosmética, na arquitetura, como fertilizante e para fabricar plásticos. Estas são algumas das áreas onde também têm vindo a ganhar terreno:

1. Cosmética

O fundador do já icónico Crème de La Mer, o físico aeroespacial Max Huber, acreditava que o mar constituía um recurso milagroso e, durante 12 anos, fez experiências até chegar ao Miracle Broth que é a base dos produtos da marca e um potente regenerador cutâneo.

2. Proteção solar

Uma equipa de investigadores do Centro Universitário AlbaNova, de Estocolmo e da Universidade do País Basco, criou um material com moléculas de algas do Mediterrâneo e quitosano, presente na casca de gambas e de lagostins, que no futuro poderá ser usado em protetores solares.

3. Arquitetura

Na Expo Milano 2015, o EcoLogic Studios de Londres apresentou um coreto coberto de algas (espirulina) que purificam o ar e podem ser colhidas e servir de alimento.

4. Plásticos

A empresa holandesa Avantium transforma o açúcar das algas em moléculas de polímero para fazer garrafas de plástico.

5. Fertilizantes

No Minho, as populações ribeirinhas colhem algas para fazer o sargaço, um fertilizante natural para a agricultura.

Texto: Rita Caetano