É um alimento completo. Contém gordura, proteínas, vitaminas do complexo B e minerais, como o cálcio e o fósforo, mas o que o torna especial são as estirpes de bactérias que nele habitam, benéficas para a flora intestinal, assim como o pH ácido que favorece o crescimento dos microrganismos bons do intestino. De onde vêm estas bactérias? «Da fermentação da lactose, o açúcar do leite», explica a nutricionista Ana Carvalhas.
«O iogurte tem duas estirpes de bactérias, o streptotoccus thermophilus e o lactobaccillus bulgaricus, que degradam a lactose em compostos mais simples. Alguns iogurtes podem ter outras estirpes de bactérias adicionadas durante o fabrico, como bifidobacterium animalis lactis ou lactobaccillus casei, também chamadas probióticos», refere ainda a especialista. Além de outros benefícios nutricionais, crê-se que, por ser fermentado, o iogurte possa trazer benefícios adicionais à saúde.
Tal sucede através do reforço da flora do intestino, já que esta é essencial no fabrico de vitaminas, antioxidantes, hormonas e outros componentes essenciais. Não vive sem iogurte? Este alimento pode ajudar a contrariar a depressão, a combater a osteoporose e até a candidíase. Mas tem de o escolher bem!
Propriedades do iogurte favorecem a perda de peso
O estudo «SUN Cohort», realizado por investigadores espanhois da Universidade de Navarra e publicado em 2014, sugere que o consumo de iogurte pode ajudar a perder peso. A investigação, patrocinada pela Danone, seguiu cerca de 8.000 pessoas durante sete anos, através de questionários enviados por e-mail de dois em dois anos. A análise concluiu haver menos 20% de risco de obesidade nas pessoas que consomem semanalmente sete ou mais porções de iogurte.
Em Portugal, o estudo foi divulgado pela Associação Portuguesa de Nutricionistas que elaborou um programa de promoção do consumo deste alimento, em parceria com a Direção-Geral de Saúde e o Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável. Ana Carvalhas, lembra, contudo, que «os estudos patrocinados por marcas têm de ser lidos com reservas e este não é exceção».
A nutricionista aponta ainda o facto de «estudos baseados em inquéritos terem um grau de distorção potencialmente maior porque não controlam todas as variáveis». As revisões de estudos, ou meta análises, são um indicador mais fiável, assegura. A maioria dos especialistas está de acordo.
A ligação deste alimento à obesidade
Se o estudo «SUN Cohort» sugere que o consumo de iogurte pode ajudar a emagrecer, outros estudos já sugeriram o contrário em relação aos probióticos. Como explicam os cientistas David Marçal e Carlos Fiolhais no livro «Pipocas com telemóvel – E outras histórias de falsa ciência», publicado pela Gradiva, pode até dar-se o caso «do aumento da obesidade estar relacionado com o consumo de probióticos contidos em alguns iogurtes e bebidas lácteas.
A hipótese parte do facto de durante mais de 50 anos terem sido introduzidos probióticos na alimentação de animais de pecuária como promotores de crescimento», defendem. «Mas de uma coisa já se tem certeza», dizem os autores portugueses, «sabe-se que o tipo de bactérias do trato intestinal está relacionado com a obesidade».
«A predominância de certo tipo de bactérias no intestino é diferente em pessoas obesas e magras», asseguram ainda. Porém, tal correlação não significa causa-efeito, pelo que mais estudos serão precisos ainda para clarificar melhor esta associação, defendem também muitos investigadores.
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Leia sempre o rótulo
No programa de promoção do iogurte da Associação Portuguesa de Nutricionistas, chamado «Um iogurte por dia», recomenda-se «o consumo diário de iogurte e laticínios com teores reduzidos de gordura». Mas, segundo a nutricionista Ana Carvalhas, esse conceito está desatualizado. «O foco atual de uma alimentação saudável e das dietas para emagrecer já não está na redução de gordura mas sim na restrição do açúcar. Sabe-se hoje que não é a gordura que engorda mas sobretudo o açúcar», afirma.
«Isto acontece porque o açúcar que ingerimos em excesso se transforma em gordura no nosso corpo por ação da insulina», realça. «Esta é responsável por manter normais os níveis de glicose no sangue. Sempre que consumimos muitos doces ou outros carboidratos, diminui a degradação de gordura no corpo e não se emagrece», defende.
No que toca aos iogurtes, «não se pode prevenir a obesidade comendo dois por dia se eles tiverem 21 g de açúcar cada, como acontece com muitos deles. Um iogurte de aromas tem cerca de 15 g de açúcar, os iogurtes com pedaços, e alguns gregos, têm cerca 20 g de açúcar, alguns iogurtes líquidos chegam aos 30 g, o que equivale a três pacotes de açúcar», alerta a nutricionista.
O limite máximo de açúcar recomendado
Ana Carvalhas é perentória. «Um adulto de 70 kg tem à volta de 6 a 7 g de açúcar (glicose) a circular no sangue. Quando come um iogurte com 21 g de açúcar (três vezes mais), parte dele será transformado em gordura e armazenado nas células gordas. Esporadicamente, não há problema, mas comer dois destes por dia não é bom», adverte a especialista. Nas crianças, o cenário é pior.
Uma criança com 30 kg tem 2,7 litros de sangue e 2,7 g de açúcar em circulação. «Dar o mesmo iogurte com 21 g de açúcar, é dar-lhe um alimento com sete vezes mais açúcar do que ela tem em circulação», sublinha a nutricionista. O que fazer então? «Ler os rótulos e restringir o consumo de alimentos com mais de 7 g de açúcar. Aconselho só iogurtes naturais não açucarados (com cerca de 3 a 5 g de açúcar). É preferível juntar a fruta em casa ou uma colher de chá de açúcar (4 g)», sugere.
O iogurte enquanto agente antidepressivo
Fala-se hoje no intestino como um segundo cérebro e as indicações de que o perfil de bactérias do intestino pode influenciar o humor são cada vez maiores. Por exemplo, pessoas com inflamação crónica dos intestinos podem ter uma probabilidade maior de sofrer de depressão ou ansiedade. Num estudo duplo cego randomizado feito no Leiden Institute of Brain and Congnition, na Holanda, notou-se isso.
O grupo que consumiu um suplemento probiótico com oito estirpes de bactérias durante quatro semanas mostrou-se mais capaz de ultrapassar estados depressivos. Os mecanismos através dos quais a ligação intestino cérebro se processa continuam a ser estudados. Pensa-se que as bactérias podem enviar sinais ao cérebro, desativando áreas ligadas à emoção e dor, o que faz com que haja menos reatividade a estados depressivos.
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O poder ansiolítico do iogurte
Outro estudo recente, publicado na revista Psychiatry Research, veio sugerir a ligação entre o consumo de comidas fermentadas e menores níveis de ansiedade. «Problemas mentais e digestivos podem ter ligações mais íntimas do que se pensava até aqui», confirma o psiquiatra Vítor Cotovio. «Uma das substâncias produzidas no intestino é a serotonina e sabe-se que o desequilíbrio na sua produção está ligado à depressão», defende o especialista.
«É provável que, a médio prazo, o diagnóstico da depressão passe a incluir a definição do entereótipo dos doentes, isto é, o perfil bacteriano dos seus intestinos, à medida que se for sabendo mais sobre as implicações do tipo de flora intestinal em diversas doenças, nomeadamente as mentais. A depressão e outras doenças psicológicas têm causas multifatoriais e os diversos sistemas do organismo estão todos ligados e têm influências recíprocas», refere ainda.
«Mesmo que uma depressão tenha origem num desequilíbrio neuroquímico, esse desequilíbrio pode ter reflexos gastrointestinais que, por sua vez, vão reforçar o desequilíbrio cerebral de origem. É difícil saber onde começa o quê e, no futuro, o tratamento será cada vez mais multidisciplinar», antevê Vítor Cotovio.
O iogurte contra a osteoporose
Sendo um alimento rico em cálcio, o iogurte é benéfico para prevenir a osteoporose, uma doença óssea frequente em mulheres acima dos 50 anos, explica a nutricionista Ana Carvalhas. «A osteoporose é um processo natural do envelhecimento e o consumo de laticínios pode ajudar a prevenir a doença, tal como comer vegetais ricos em cálcio e peixes gordos. Convém lembrar que, para o cálcio se fixar nos ossos, é preciso vitamina D, pelo que, apanhar sol é fundamental para a prevenção desta doença», diz.
Os benefícios dos probióticos
O processo gástrico destrói parte das bactérias presentes nos iogurtes com probióticos. Um estudo recente feito pela University College of London, no Reino Unido, constatou que o consumo de probióticos, em jejum, aumenta a probabilidade dessas bactérias chegarem ao intestino, dado que o tempo de permanência no estômago será menor.
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Qual é o iogurte que anda a comer?
Existem diferentes variedades e nem todas têm as mesmas propriedades:
- Iogurte natural
Contém apenas leite fermentado e culturas de bactérias. É um dos mais recomendados pelos especialistas. Prefira a versão sem adição de açúcar.
- Iogurte grego
Depois de feito, é coado de forma a largar o soro. Fica por isso mais concentrado, daí ter mais proteína e gordura. O original não tem açúcar, mas dependendo da marca pode ter adição de natas e açúcar.
- Iogurte magro
É desnatado, tem menos gordura e, por isso, menos calorias mas pode ter mais açúcar. «A gordura é importante para nos mantermos saciados mais tempo. O que engorda é o açúcar», diz Ana Carvalhas
- Iogurte com aromas
Além do leite e cultura de bactérias são adicionados aromatizantes artificiais
- Iogurte com pedaços
Tem pedaços de fruta adicionados e, eventualmente, aromatizantes, emulsionantes ou espessantes. Muitas vezes também são acrescentados açúcares.
- Iogurte sem lactose
É feito com leite sem lactose. Mas «o iogurte normal já praticamente não a tem, uma vez que é transformada pelas bactérias, sendo tolerado por pessoas com intolerância», esclarece a especialista.
- Iogurte de soja
É obtido pela fermentação da soja com bactérias lácteas ou vegetais e probióticos. Pode ser natural ou ter açúcar, aromas e fruta adicionados.
Texto: Bárbara Bettencourt com Ana Carvalhas (nutricionista), Maria do Céu Santo (médica ginecologista e coordenadora do Núcleo de Medicina Sexual da Sociedade Portuguesa de Ginecologia) e Vítor Viegas Cotovio (médico psiquiatra e psicoterapeuta)
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