A mãe do Martim faz as malas de viagem. Vão para casa dos primos e não se pode esquecer de nada: já tem as duas “canetas de adrenalina”, os comprimidos e o inalador para a falta de ar. Está apreensiva, é a primeira vez que está a pensar deixar o Martim com familiares e ele já tem 9 anos. É que o Martim tem alergia às proteínas do leite de vaca e já teve reações muito graves.

“A primeira foi logo aos 6 meses com uma papa com leite… Ficou com a cara inchada, com manchas vermelhas no corpo todo e não conseguia respirar. Foi um susto enorme!... É um menino responsável, não aceita nada sem perguntar se pode comer, mesmo quando as outras crianças à volta dele se deliciam com gelados, batidos ou um simples iogurte.”

A mãe sabe, e o Martim também, que qualquer quantidade mínima de leite pode desencadear uma reação grave, mas já tem tudo escrito para explicar à tia e o Martim há muito que pede para poder ficar com os primos.

O período das férias pode representar um desafio para muitas famílias, como a do Martim. Estar informado é essencial para saber gerir a sua saúde e da sua família. Conheça algumas das alergias mais comuns de forma a ter um verão sem sobressaltos.

O que é a alergia ao leite? Pode ser assim tão grave?

A alergia alimentar é uma reação exagerada do sistema imunitário - das nossas defesas - contra algumas proteínas presentes nos alimentos. No caso do Martim essas proteínas são as do leite. A reação pode ser grave, envolver a pele, a respiração e o sistema digestivo e até pode ser fatal, mesmo com quantidades que poderiam parecer insignificantes. Na maioria dos casos, as reações ocorrem poucos minutos depois do contacto com o alimento e este contacto nem sempre significa comer o alimento, por vezes basta tocar ou cheirar.

Há fatores que aumentam a gravidade das reações alérgicas a alimentos. A falta de informação sobre alergia alimentar é um fator de risco para reações graves - pode atrasar o reconhecimento e tratamento de eventuais reações; quanto mais tempo demorar, pior poderá ser o resultado. Outras doenças como, por exemplo, a asma ou doenças respiratórias crónicas ou cardiovasculares podem também aumentar a gravidade dos sintomas, pelo que é importante serem diagnosticadas e estarem bem controladas. Há ainda outros fatores associados como o exercício físico, o jejum, as bebidas alcoólicas, as infeções e a febre, o stress e alguns medicamentos que podem aumentar a gravidade das reações alérgicas a alimentos.

 Que alimentos podem causar esta alergia? Existem proteínas do leite noutros alimentos?

Sim, o leite está presente na composição de muitos alimentos. Para além dos derivados como, por exemplo, a manteiga, o queijo ou as natas, também as salsichas, o fiambre, o pão, pastilhas elásticas ou sumos podem conter estas proteínas do leite que causam alergia. É muito importante ler atentamente os rótulos para não correr riscos.

O que fazer em caso de reação?

As reações a alimentos tendem a ocorrer rapidamente e é importante que as pessoas com alergia a alimentos sejam sempre portadoras de um estojo de emergência para tratamento imediato. Nas reações mais graves, os dispositivos para auto-administração de adrenalina - as “canetas de adrenalina” que existem para crianças e para adultos - podem salvar vidas e permitem ganhar tempo até à chegada de uma equipa de emergência ou ao serviço de urgência. O tratamento imediato passa também pelo uso de antialérgicos como anti-histamínicos e corticoides orais, bem como inaladores em caso de tosse, pieira ou dificuldade em respirar.

 

A alergia ao leite desaparece com o crescimento?

A alergia ao leite é muitas vezes transitória, no entanto, mais de 25% dos casos poderão persistir para lá dos 3 anos de idade. Depois desta idade diminui muito a possibilidade da doença resolver espontaneamente.

Então, se a alergia ao leite não desaparecer até aos 3 anos de idade, pessoas como o Martim nunca mais vão poder beber leite?

Felizmente, isso pode não ser verdade, mas é dependente de caso para caso. Atualmente, já existe um tratamento inovador para induzir tolerância, isto é, para tentar levar o organismo a não reagir contra o alimento em causa. Este tratamento permite mudar muito a qualidade de vida das pessoas com alergias, por poder permitir uma dieta livre e reduzir os riscos de reação. Os resultados mantêm-se por vários anos, desde que se mantenha a ingestão regular do alimento. São tratamentos que têm sempre de ser realizados em centros diferenciados, sob supervisão do médico Imunoalergologista com experiência nestes tratamentos, de forma a garantir o êxito e a segurança destes procedimentos.

Como podemos saber se temos ou não alergia a alimentos?

Se tiver havido uma reação, ou seja, algum sintoma, alguma queixa, após o contacto com determinado alimento, é importante consultar o médico. Todas as pessoas com suspeita ou com alergia alimentar comprovada devem ser encaminhadas para uma consulta de Imunoalergologia, para um diagnóstico correto e alternativas de tratamento.

Atenção: a reintrodução de alimentos perigosos ou suspeitos só deve ser feita sob supervisão de médicos imunoalergologistas, considerando o risco de reações que podem ser imediatas e graves. 

Existem outras alergias alimentares no verão?

Qualquer alimento pode provocar alergia, em qualquer altura do ano. Em Portugal, a alergia ao leite de vaca é a primeira causa de alergia alimentar nos primeiros dois anos de vida. Nas crianças também é comum a alergia a ovo, peixe e cereais. Já nos jovens e nos adultos, é mais comum a alergia a frutos frescos e vegetais, marisco, frutos secos e amendoim. A alergia alimentar tem vindo a aumentar nas últimas décadas, em frequência e em gravidade, e já atinge mais de 3% da população geral.

Um artigo das médicas Sara Carvalho e Helena Pité, especialistas em Imunoalergologia no Hospital CUF Tejo e Hospital CUF Descobertas.