Se teve contacto com o meio rural na sua infância, lembra-se como os seus avós tratavam os animais que consumiam? Com respeito, alimentando-os com o melhor pasto ou ração e cuidando da higiene do seu habitat. Com mais ou menos empenho, o bem-estar dos animais também deveria ser uma preocupação adaptada às grandes explorações pecuárias. De lá para cá, entre avanços e recuos, muita coisa mudou, incluindo a forma como olhamos para os produtos dessa indústria.
As normas comunitárias estão mais exigentes a este nível e pretendem assegurar que a circulação e comercialização de carne fresca obedeça a critérios rigorosos mas as imagens televisivas têm dado o alerta e denunciado as condições desumanas dos sistemas de produção intensivos. Será que sabemos, realmente, o que andamos a comer? Os últimos alertas da Organização Mundial de Saúde (OMS) em relação às carnes processadas relançam o tema.
Comprar no talho ou no supermercado?
Aviários com luz artificial, apinhados de frangos selecionados para crescimento rápido, bovinos e suínos a serem abatidos em série, por vezes sem grandes preocupações éticas ou ambientais, apenas com o único propósito de assegurar os maiores índices de produtividade. Provavelmente, quando escolhe a carne no talho gostaria de evitar este cenário e garantir que provém de produções extensivas, onde existe mais cuidado com o bem-estar do animal e estar certo que esta diferença garante a melhor textura e sabor.
No entanto, segundo Dulce Ricardo, engenheira da DECO, «a qualidade nutricional da carne que comemos varia entre espécies, de animal para animal, de peça para peça, com o tipo de alimentação. A qualidade vai muito além das características nutricionais e engloba, entre outros, aspetos organoléticos, microbiológicos, a presença de resíduos, de medicamentos ou de contaminantes, sendo que tem havido uma evolução muito positiva», realça a especialista.
Criado ao ar livre
Ser criado ao ar livre, como indica a rotulagem de alguns produtos, também pode não ser garantia de melhor qualidade, refere Nuno Dias, técnico alimentar da DECO. «Os nossos testes a frango e a ovos, por exemplo, confirmam que não existe melhor qualidade por serem criados ao ar livre, além de que os alimentos provenientes de sistemas alternativos são mais caros». A informação do rótulo pode ser apenas operação de marketing.
«Criado em total liberdade, como se os animais galopassem pelos campos sem quaisquer restrições, alimentados à base de cereais, como se as rações não fossem elaboradas com cereais, caseiros ou do celeiro, como se a produção não estivesse industrializada. Embora existam regras, são afirmações que não são determinantes para a qualidade do produto», alerta o especialista.
Frescura que se vê
Na opinião da engenheira alimentar, na hora de comprar, «o que importa é confiar nos nossos sentidos. A carne deve ter um odor neutro e pouco pronunciado. A cor deve ser característica e o aspeto tem de ser fresco, sem matérias estranhas, sujidade ou sangue». Ao contrário do que se acredita, as propriedades da carne fresca podem não diferir muito das da congelada em vácuo.
Dulce Ricardo considera mesmo que, «embora o tempo de conservação possa ser diferente, e até mesmo algumas características, nada indica à partida que qualquer uma das formas de comercialização sobressaia». Ainda assim, continua a ser crença generalizada que a carne fresca é sempre superior à congelada. Tal como o peixe, tal nem sempre sucede.
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Antibióticos e risco para a saúde
De acordo com as normas comunitárias que regulamentam o mercado da carne à venda na União Europeia, em caso de doença, o uso de antibióticos é tolerado. «Todo o animal doente tem direito a ser tratado. O problema surge quando os antibióticos e outros anti-infeciosos são usados como promotores de crescimento», pode ler-se no documento. Essa utilização pode ter consequências, «alterando a flora intestinal e aumentando a absorção de alimentos».
Estes também podem ser «utilizados em animais saudáveis com o objetivo de prevenir doenças, contornando-se, por exemplo, problemas de falta de higiene nas explorações. Para além de um problema ambiental, o uso indiscriminado destes medicamentos tem levado ao aparecimento de bactérias resistentes e a uma consequente ineficácia de alguns fármacos. De notar que as bactérias transmitem essa resistência umas às outras», advertem, ainda, os especialistas.
Carne embalada versus fresca
Ao consumir produtos pré-embalados à base de carne, não se esqueça que «estes contêm outros ingredientes, pelo que podem não ser tão interessantes do ponto de vista nutricional». Igualmente, continua Nuno Dias, «há que não confundir os preparados de carne picada, que contêm outros ingredientes além da carne e são vendidos pré-embalados, da carne picada pura, que não deveria conter outras substâncias (dizemos que não deveria porque com frequência contém), que normalmente é vendida a granel».
Pela má qualidade que apresenta e eventuais riscos associados ao consumo, o técnico alertou, na altura, que «a DECO Proteste desaconselhou, no seu último estudo, a compra de carne previamente picada vendida a granel». Nos últimos anos, nos diversos meios de comunicação social também não faltaram notícias sobre a venda de carne que não estava em condições para ser consumida.
Preste atenção ao rótulo
Para além do aspeto da carne, esteja atento à informação fornecida na embalagem, nomeadamente:
- Denominação de venda
- Método de produção
- Lista de ingredientes
- Percentagem de carne
- Quantidade líquida
- Preço por quilo
- Data de abate ou produção e data de validade
- Condições de conservação
- País de origem ou local de proveniência
- Modo de emprego
- Teor de gordura
- Eventual presença de substâncias que provocam alergias
Texto: Fátima Lopes Cardoso com Dulce Ricardo (engenheira alimentar da DECO) e Nuno Dias (engenheiro químico da DECO)
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