O debate instrutório hoje iniciado, para decidir se o processo vai ou não a julgamento, tem lugar depois de as empresas arguidas, a Adubos de Portugal (ADP) e a General Electric (GE - que se passou a chamar SUEZ II), não terem conseguido chegar a acordo com uma das 58 vítimas que se constituíram assistentes.
Em março de 2017, o Ministério Público (MP) deduziu acusação contra a ADP, a GE e outros sete quadros destas empresas, por responsabilidades no surto, que teve início em 07 de novembro de 2014, terá causado 12 mortes e infetado 403 pessoas.
Na acusação, o MP explica que só conseguiu apurar nexo de causalidade em 73 das pessoas afetadas e em oito das 12 vítimas mortais do surto, que afetou sobretudo as freguesias de Vialonga, da Póvoa de Santa Iria e do Forte da Casa, no concelho de Vila Franca de Xira, distrito de Lisboa.
Hoje foram ouvidas, no Tribunal de Loures, as defesas dos arguidos e da assistente que declinou, bem como o MP. A comunicação social não pôde assistir à sessão.
Vítor Parente Ribeiro, advogado da única assistente, de entre 58, que não aceitou o acordo alcançado pelas restantes em 17 de maio, referiu aos jornalistas haver “indícios suficientes no processo que permitem, em sede de julgamento, sustentar a acusação e mesmo levar à condenação dos arguidos”.
“O facto resulta da extensa investigação feita ao longo do inquérito, de muitos e muitos meses, que permitiram sustentar esta acusação que foi proferida e em julgamento levar à condenação dos arguidos”, sustentou.
De acordo com o advogado, a sua cliente mantém-se como “única assistente efetiva no processo”, tendo em conta que os valores propostos para indemnização “não eram os corretos, considerando o que sofreu e tem sofrido ao longo dos anos”. No início, a vítima pediu cerca de 100 mil euros de indemnização.
“Eu pedi a não pronúncia das minhas clientes para julgamento”, disse, por sua vez, à saída do tribunal, João Medeiros, advogado de duas arguidas engenheiras química da GE, empresa contratada pela ADP Fertilizantes para fiscalizar e monitorizar as torres de refrigeração.
De acordo com o advogado, as matérias em causa “estão bem expostas”.
“Continua a não estar aqui o grande responsável do que aconteceu, que se chama Estado, porque teve uma responsabilidade grande que foi não ter legislação que regulamentasse as questões relacionadas com a ‘legionella’ e teve uma segunda omissão quanto à fiscalização conveniente das normas respeitantes à ‘legionella’”, acusou.
Para João Medeiros, “foram escolhidos meia dúzia de bodes expiatórios” quando quem deveria estar a ser julgado era quem “devia zelar para que houvesse legislação”.
“Só em 2018, quatro anos depois desta tragédia, foi aprovada legislação sobre a ‘legionella’”, salientou.
Segundo João Medeiros, o facto de algumas pessoas terem chegado a acordo não significa uma “admissão de culpa por parte das empresas”, mas antes uma situação de “responsabilidade social das empresas que permitiu fazer um pagamento. Sobretudo a pessoas mais idosas que não veriam o ressarcimento se o processo judicial seguisse os trâmites normais”.
“Foram celebrados 64 acordos, mesmo com pessoas que não eram assistentes, só uma vítima recusou aceitar”, disse, lembrando que a lei só obriga ao acordo da pessoa que é assistente do processo e não a todas as vítimas.
São arguidos neste processo, além das empresas, um administrador, o diretor e o supervisor do setor da produção da ADP Fertilizantes, bem como quatro funcionários, todos engenheiros químicos, da General Electric.
De todos os casos notificados à Direção-Geral da Saúde, o MP só conseguiu estabelecer o nexo de causalidade em 73 situações porque nas restantes foi “inviável a recolha de amostras clínicas”, “não foi identificada estirpe ou a estirpe identificada era distinta da detetada nas amostras ambientais recolhidas”.
O MP sustenta que o surto foi causado pela "manifesta falta de cuidado” dos arguidos, que não cumpriram “um conjunto de regras e técnicas na conservação/manutenção” de uma das torres de refrigeração da ADP.
A ADP, a GE e os restantes sete arguidos estão acusados de um crime de infração de regras de construção, dano em instalações e perturbação de serviços. Os três responsáveis da ADP e os quatro funcionários da GE respondem ainda, cada um, por 20 crimes de ofensa à integridade física por negligência.
O MP relata que “todos os arguidos e cada um deles agiram com manifesta falta de cuidado, que o dever geral de previdência aconselha, porquanto omitiram ações importantes aquando da negociação, celebração e execução do contrato entre as sociedades arguidas ADP e GE”.
A doença do legionário, provocada pela bactéria 'Legionella pneumophila', contrai-se por inalação de gotículas de vapor de água contaminada (aerossóis) de dimensões tão pequenas que transportam a bactéria para os pulmões, depositando-a nos alvéolos pulmonares.
A decisão instrutória deverá ser conhecida em 12 de julho, pelas 14:30.
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