António Guerner Dias, coordenador do projeto e docente na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (FCUP), disse à Lusa que a ideia surgiu no âmbito de uma unidade curricular de Gestão de Resíduos Sólidos, que inclui visitas a diferentes entidades que lidam com diversas tipologias de resíduos.

Durante as visitas verificam-se os diferentes tipos de resíduos produzidos num hospital e foi constatado que dispositivos como os ‘pacemakers', entrando em contacto com tecidos biológicos, acabam por ser classificados como resíduos hospitalares do grupo III, devendo ser incinerados ou sujeitos a outro tratamento que lhes permita a classificação de resíduo não perigoso.

Na atual legislação, os resíduos hospitalares dividem-se por quatro grupos, ficando nos dois primeiros os que não representam qualquer tipo de perigo, enquanto nos dois últimos são colocados os que podem ter riscos biológicos associados, como os ‘pacemakers' e outros tipos de equipamentos cardíacos implantáveis no organismo humano, explicou o investigador.

Por norma, os equipamentos colocados no grupo III são enviados para incineração ou, "desde que devidamente tratados e desinfetados", podem ser classificados como resíduos hospitalares do grupo I ou II, podendo então ser encaminhados para deposição num aterro sanitário ou para qualquer outro processo de eliminação.

"A questão é que quando um ‘pacemaker' passa por esse processo de limpeza" acaba por se tornar num resíduo igual aos encontrados nos equipamentos elétricos e eletrónicos (REEE)", que "são, muitas vezes, reaproveitados", indicou António Guerner.

Os ‘pacemakers', tal como muitos dos REEE mais comuns (telemóveis ou computadores), são constituídos, entre outros componentes, por uma placa de circuito impresso que contém metais nobres, como é o caso do ouro, da prata ou da platina, em pequenas quantidades, da ordem de alguns miligramas.

Para o reaproveitamento daqueles componentes é necessária uma quantidade elevada de dispositivos, visto que os ‘pacemakers' modernos pesam entre 20 a 30 gramas, "o que não é nada", referiu o professor.

Caso se consiga "obter duas ou três centenas de miligramas de ouro a partir de um 'pacemaker' é algo extraordinário", acrescentou António Guerner, sublinhando que para se ter um quilo de ouro seriam necessárias algumas centenas de milhar de 'pacemakers'.

Em Portugal, a média de dispositivos do género substituídos por ano ronda os oito mil, o que para o investigador "não é um número muito significativo".

Porém, "se aos ‘pacemakers' substituídos anualmente em Portugal se juntarem os que são substituídos em toda a Europa, obtém-se uma quantidade que pode justificar a criação de uma unidade de recolha, tratamento e aproveitamento" desse material, disse ainda.

Neste momento, em parceria com alunos do Mestrado em Economia e Gestão do Ambiente, da Faculdade de Economia da Universidade do Porto, está a ser analisada a evolução dos mercados desses metais nobres, em função da evolução da cotação dos metais, de forma a verificar quantos 'pacemakers' seriam necessários para tornar o negócio rentável.