Não sou fã da TeleMedicina. Nunca fui. Com as óbvias excepções do ensino à distância, da possibilidade de apoio remoto em geografias distantes e com menores recursos de saúde, encaro as consultas por telefone ou por vídeo como uma forma limitada, pobre e enviesada de praticar Medicina. Se já o tempo perdido numa consulta presencial a preencher dados e a olhar para um computador me parece um contra-senso, aqui estamos perante algo mais disruptor da relação médico-doente: a distância física.
A actual pandemia forçou-nos a olhar para esta ferramenta de um modo diferente. Não existindo consultas presenciais, este modelo sempre era melhor do que nada. Permite manter o contacto, o vínculo, esclarecer dúvidas, acalmar ansiedades e receios, prescrever receituário, pedir exames e, se necessário, referenciar para um Serviço de Urgência.
Eu próprio realizei algumas videoconsultas durante o ano passado e reconheci que tiveram a sua utilidade.
Alguns trabalhos recentes sobre o impacto das teleconsultas revelam algumas preocupações e limitações, como a dificuldade de criar uma relação médico-doente eficaz, sobretudo no caso de primeiras consultas, a perda do trabalho de equipa (cada consulta ocorre num espaço restrito, com menor possibilidade de interacção imediata com outros profissionais para esclarecimento de dúvidas), a impossibilidade de realizar a observação médica e a dificuldade em recolher uma história clínica mais detalhada.
Os desafios futuros serão, no que se refere a este tipo de Medicina, a criação de plataformas mais fiáveis e seguras, que garantam um adequado registo de dados, que permitam uma interligação com registos e exames prévios e que ofereçam protecção de dados e confidencialidade.
Uma área particularmente interessante será a da integração da TeleMedicina com as novas plataformas de inteligência artificial que se têm revelado extremamente precisas e céleres em áreas como o diagnóstico do melanoma, da retinopatia diabética ou a análise de exames imagiológicos. Esse tipo de articulação, com a criação de algoritmos de diagnóstico, poderá reduzir a margem de erro e ajudar os profissionais de saúde a prestarem uma Medicina de maior qualidade.
Um dos riscos pode residir no excessivo comodismo que este modelo proporciona, estimulando os doentes a não saírem de casa, com impacto num maior sedentarismo e numa menor qualidade do acto médico. Se os doentes perceberem esta ferramenta como uma alternativa real, passarão a recorrer menos aos hospitais e clínicas com inevitável deterioração da qualidade dos actos médicos e das relações inter-pessoais.
É, por isso, importante que a TeleMedicina seja publicitada e oferecida a todos, mas salvaguardando sempre o primado da Medicina presencial e reforçando que é esta que permite uma avaliação holística, integrada, multidisciplinar de cada caso.
Provavelmente, o caminho será o de um modelo crescentemente misto, em que uma abordagem inicial poderá ser realizada à distância, num modelo de triagem, identificação de problemas e requisição de exames complementares, uma segunda fase convencional em os pacientes são observados e tratados pelos seus médicos e uma fase subsequente em que, após o tratamento, a vigilância poderá ser retomada e mantida à distância.
Uma pesquisa na National Library of Medicine revela que, apenas nos últimos doze meses, foram publicados mais de nove mil artigos abordando o uso de TeleMedicina nas mais variadas áreas e especialidades. Este número demonstra que este é um caminho sem retrocesso que importa não diabolizar mas sim explorar, avaliar de um modo crítico e construtivo e potenciar a sua utilidade para todos, pacientes e profissionais.
A tecnologia tem sido um dos motores mais poderosos de mudança em Medicina, tanto nos planos diagnóstico como terapêutico, e nada impede que ela nos ajude a abrir novas janelas para estarmos mais próximos dos nossos doentes, sempre que a doença, a distância, a meteorologia ou outro factor impossibilitem uma consulta convencional.
Como sempre disse, e sempre direi, a Medicina, a verdadeira Medicina nunca poderá ser concebida sem uma relação de presença, de toque, de afecto. Estes são os elementos que a tornam única e, em muitos casos, são os suficientes para um processo de melhoria clínica.
Mas a tecnologia, na sua frieza, traz benefícios extraordinários e, do mesmo modo, poderá tornar a distância menos distante, o Mundo mais pequeno e a Medicina mais eficaz.
Não existindo a perfeição nesta ou noutra matéria, todos os contributos são importantes, todos os passos nos levam mais longe, tudo deve considerado e nada deve ser descartado enquanto não for devidamente avaliado e validado.
A TeleMedicina veio para ficar? Provavelmente sim. Seguramente que sim.
Saibamos integrá-la nas nossas vidas, no nosso trabalho, no modo como cuidamos dos nossos doentes. Saibamos utilizá-la com sabedoria e bom-senso e que ela nunca sirva de desculpa para não vermos os nossos doentes.
Nem eles a nós.
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