O século XXI prossegue uma intelectualidade e moral, modelada pela ciência e onde, aos que refletem, sobrevem incompreensão.
Contudo, o mundo pula e avança indiferente a quanto não seja propalado pelas redes sociais.
Talvez até pior, quando nos apercebemos que, como dizia Biden ao cessar o seu mandato presidencial, temos no mesmo barco a política (e que política…), a alta finança e as grandes fortunas, as tecnologias e as redes sociais.
Na Medicina o progresso traz a cada dia o uso de equipamentos e ferramentas tecnológicas que, visando aumentar o número e gama de tarefas clínicas realizadas pela máquina, fazem subir o patamar da eficiência.
Mas a que preço?
E na verdade, tal eficiência reverte-se em usos que beneficiem os pacientes?
A Inteligência Artificial (IA) está crescentemente presente no espectro ou domínio das ciências da vida, muito em especial da saúde humana.
A velocidade da inovação e da introdução de tamanha diversidade e complexidade torna-nos em uma nova gama de maravilhados e atónitos espectadores, seduzidos e enfeitiçados que, perante tais feitos, me evoca os japoneses no século XI quando conheceram a pólvora!
Mas a Medicina, ou melhor, na Medicina as medidas de eficiência, os tempos de espera e outros ou a avaliação dos seus meios ou resultados, não chegam para concluir do sucesso. São claramente muito importantes, mas não o bastante.
É indispensável que à necessidade de fazer bem se associe o compromisso de assegurar eticamente esse bem.
E também a mais escrupulosa decência na gestão dos recursos envolvidos e a evicção de redundâncias e maneirismos bizarros.
O desenvolvimento humano e social não se pode limitar ao crescimento económico e material e tecnológico, pois que sendo embora uma condição necessária, pode ser insuficiente para o desenvolvimento integral e pluridimensional de todos e de cada um.
É neste sentido e em certa medida por antecipação que, ainda que a clássica ética médica tenha sido focada na responsabilização do médico, se fala e discute hoje uma redistribuição das responsabilidades no acto médico, envolvendo os doentes e os seus familiares ou cuidadores em muitos casos.
Tal partilha, com a ocupação de espaços pela IA merece cuidado e atenção porque, mesmo em cenários de assumida e expressa partilha de responsabilidades, o acesso e a utilização das novas possibilidades diagnósticas, prognósticas ou terapêutica pode ter duas consequências muito perigosas.
Uma primeira, a da falta de verificações e casuística para validação das propostas de valor, de inovação real e dos riscos reais.
A segunda, a de saber se a aplicação, observação e actuação nos mais variados cenários clínicos e mais abrangente dimensão holística, contribui ou não para a confiança na relação paciente-médico e no vector da humanidade intrínseca ao acto assistencial clínico.
O mundo digital é perigoso porque confunde conhecimento com sabedoria e a IA substitui a função das nossas cabeças, primeiro na ordenação e depois, na avaliação e orientação para as decisões e as atitudes.
Os horizontes que a IA prenunciam confirmam que a compreensão da realidade, o entendimento do sofrimento, até o nosso lugar no mundo deixaram de ser prerrogativas dos humanos.
Vai já bem distante um passado de certo paternalismo hegemónico da prática médica.
Vivemos agora um período transitório de clínica transformada e fossilizada numa relação contratualizada e mercantil em que tudo tem um custo e um preço.
Caminhamos porventura para um futuro já aí ao virar da esquina em que, a funcionalização do médico poderá ser substituída pela máquina.
Não caminhamos para melhor!
Defendo que o médico do futuro terá de ser um indivíduo de cultura e de humanidade, fiel aos seus compromissos históricos e capaz de interpretar as implicações tecnológicas e científicas no plano ético e filosófico no respeito pelo seu doente.
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