Não raro, escutamos a expressão “estou stressado/a”, quando nos encontramos perante uma situação de tensão, de ansiedade, de exaustão. Como forma de contextualizarmos a questão, como se define stress em termos médicos?
Sim, deixo-lhe a definição que nos é dada pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Esta, define o stress como um estado de preocupação ou tensão causado por uma situação desafiante, caracterizando-se como uma resposta adaptativa do ser humano que lhe permite lidar com os desafios e ameaças, ao longo da vida. Em 2019, a OMS classificou o stress como um dos maiores desafios de saúde do século XXI, descrevendo-o como uma epidemia global.
Há situações em que o stress moderado, pontual, pode ser positivo? Nomeadamente, poderá ajudar-nos a ultrapassar desafios?
Todos nós, em algum momento, já experienciamos a sensação de stress no nosso dia a dia. No entanto, a forma como cada um de nós lida com o stress é que constitui a grande diferença para o bem-estar de cada um. De forma global, o stress, quando moderado, é uma resposta adaptativa que nos torna capazes de enfrentar os desafios e ameaças que vão aparecendo no quotidiano, podendo ser benéfica e útil.
O temperamento e a personalidade do indivíduo influenciam diferentes reações ao stress?
Sim, o temperamento e a personalidade de cada indivíduo moldam e influenciam a forma como cada pessoa se comporta e reage em cada momento, de acordo com as suas características individuais. Deste modo, ambos vão influenciar a perceção e a experiência que cada um de nós vai ter perante uma situação de stress.
Por exemplo, tipos de personalidade mais associadas a emoções negativas e ansiedade, tendem a estar correlacionadas com reações mais intensas ao stress. Por outro lado, traços de personalidade mais relacionados com a resiliência e o otimismo podem definir-se como fatores de proteção face ao stress.
Quais os sinais que nos deveriam levar a preocupar com as consequências do stress nas nossas vidas?
O stress pode manifestar-se de diversas formas, incluindo através de sintomas físicos como dores de cabeça, dor de estômago ou outra dor física, sintomas emocionais, como por exemplo, sentir-se mais ansioso ou irritado e/ou comportamentais, como dificuldades de concentração, alterações no apetite ou no sono e/ou aumento do consumo de substâncias como álcool ou tabaco.
Relativamente à saúde mental, o stress pode ser um fator de risco ou manutenção para a ansiedade e depressão e contribuir igualmente para alterações de humor.
O stress continuado tem implicações na nossa saúde física e mental. Quer, por favor, detalhar esta questão?
Para além dos sintomas descritos anteriormente, que causam desconforto e impacto no bem-estar global do indivíduo, sabe-se que a exposição prolongada a situações de stress, ou o uso de estratégias desadaptativas para lidar com este, podem ter consequências na nossa saúde, podendo potenciar ou exacerbar condições de saúde física e psicológica já existentes. A nível físico, as patologias mais frequentes prendem-se a doenças cardiovasculares, problemas gastrointestinais, lesões musculares e alterações no sono.
Relativamente à saúde mental, o stress pode ser um fator de risco ou manutenção para a ansiedade e depressão e contribuir igualmente para alterações de humor. O stress pode também manifestar-se nos vários contextos da nossa vida, como o trabalho, evidenciando-se através de problemas de concentração e memória ou, em condições mais complexas, em casos de burnout.
O stress também afeta crianças e jovens. Como podemos preparar as novas gerações para gerirem melhor o stress desde cedo?
De forma a capacitar as nossas crianças e jovens para melhor gerir o seu stress devemos apostar na educação e literacia para a saúde mental, no conhecimento e aprendizagem de ferramentas transversais ao longo da vida, como estratégias de coping, de resolução de problemas e estratégias de regulação emocional.
A sobreproteção e a não exposição a situações de stress, que podem parecer à partida uma forma de as proteger, pode ter consequências a longo prazo na sua autonomia e autoconfiança.
Associado à educação das crianças, os pais e educadores devem também ser capacitados com estratégias e ferramentas de gestão de stress. Especialmente em crianças mais novas, estes são as principais fontes de interação e o contexto de aprendizagem e imitação de comportamentos.
A prática de exercício físico regular, a construção de uma rede de suporte social com relações saudáveis e o acesso a profissionais de saúde, devem também ser medidas a implementar para ajudar as crianças e jovens.
Apostar no autocuidado, com a adoção de hábitos saudáveis de sono, alimentação e atividade física regular, também se revelam um caminho positivo no combate ao stress.
Que comportamentos individuais podemos assumir para diminuir/mitigar o stress nos nossos dias?
Por exemplo, estabelecer limites importantes para o bem-estar, e definir rotinas diárias, pode ajudar-nos a gerir melhor o nosso tempo e aumentar a nossa sensação de controlo.
Apostar no autocuidado, com a adoção de hábitos saudáveis de sono, alimentação e atividade física regular, também se revelam um caminho positivo no combate ao stress.
Acresce a construção de uma rede de suporte social. A partilha do que estamos a sentir, com pessoas em quem confiamos, pode ser uma forma de minimizar o stress. Ter alguém que nos oiça, compreenda e nos dê sugestões e ou conselhos, pode fazer-nos sentir melhor.
Chega o momento em que há que procurar apoio profissional para mitigar o stress. Neste contexto, qual é o papel do profissional de saúde?
Podemos contar com o apoio de diversos profissionais de saúde em função do contexto onde ocorre este pedido. Em larga escala, o médico de família ou profissionais de saúde de especialidades, muitas vezes são o ponto de partida para a referenciação e encaminhamento para os profissionais de saúde mental, como psicólogos e psiquiatras.
Já em consulta de Psicologia, o psicólogo trabalha em conjunto com a pessoa, de modo a identificar, compreender e gerir as situações e/ou fatores que desencadeiam ou potenciam o stress, promovendo estratégias adaptativas para que esta possa reduzir os níveis de stress atual, mas também criando ferramentas de capacitação a longo prazo.
Atualmente, deparamo-nos com dispositivos e apps que se propõem ajudar a monitorizar ou gerir o stress de forma eficaz. Como encara estes auxiliares de gestão de stress?
Muitos dos dispositivos ou apps que se propõem a ajudar surgem como ferramentas que, pelo seu fácil acesso, nos podem ajudar a monitorizar os sintomas físicos associados ao stress e reforçar a prática de comportamentos que incentivam o autocuidado e hábitos de vida mais saudáveis, através de lembretes e reforços positivos.
Embora numa primeira análise possam potenciar o autoconhecimento e a autoconsciência dos seus utilizadores, e consequentemente promover uma mudança de comportamento, é importante que esta mudança aconteça num ambiente favorável à mesma. O utilizador deve estar capacitado com estratégias e informação para que as possa implementar de forma individualizada, usando ferramentas e expectativas ajustadas ao seu contexto. Contrariamente, esta promoção de autoconsciência e automonitorização, quando associada a um utilizador sem ferramentas, pode ter um impacto negativo no seu bem-estar, podendo até exacerbar os níveis de stress e ansiedade.
Podemos assumir o seu benefício a curto prazo, enquanto soluções rápidas e acessíveis, que abrangem uma grande parte de utilizadores, contudo devem ser integradas como parte de uma abordagem multifatorial, em conjunto com a atuação de um profissional de saúde.
O campo da investigação médica está permanentemente a entregar-nos novos caminhos no combate à doença. Neste campo em específico, quer destacar alguns avanços que lhe pareçam pertinentes?
A Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP) tem tido um papel ativo na promoção e no desenvolvimento da investigação sobre o stress em Portugal, com várias iniciativas que destacam a importância da saúde mental e da gestão do stress. Medidas como campanhas de sensibilização e educação, promoção de boas práticas e programas de prevenção nos diversos contextos (trabalho, escolas, e na saúde pública), formação e desenvolvimento dos psicólogos, publicação de guias práticos de ferramentas para psicólogos e para o público em geral (baseados em investigação científica e adaptados à realidade cultural e social de Portugal) destacam-se como ações que contribuem para uma maior compreensão da temática e facilita o acesso do público geral a informação fidedigna e atualizada, atuando de forma preventiva e promotora da saúde mental.
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