Com frequência podemos perceber que as nossas palavras saltitam em redor do que pensamos, teimosas ou perdidas, porque não conseguimos reduzir ou traduzir o nosso pensamento por discurso verbal.
Pode ser por insuficiência congénita ou quiçá genética.

Mas acredito que tal problema possa derivar de um outro lado da questão. Isto é, talvez os nossos pensamentos ou ideias flutuem igualmente orbitando as palavras, as mais fáceis e as mais difíceis, o que em algum sentido pode significar que ou ficamos calados por constrangidos, ou atrasados por indolência.
Procurar acertar ou tentar fazer coincidir a palavra com a ideia é um exercício de coragem e de lucidez que não deixa de me perseguir.

Vem isto a propósito do cenário atual do SNS em Portugal e do que se vai vendo e ouvindo em torno de uma situação que, claramente, tem nomes e rostos por detrás deste rumo e que tem, igualmente, mais do que um anterior Governo – por acaso até então maioritário – uma pretensão ideológica que arrastou o SNS para um beco sem saída.

Não foi apenas a decisão sobre a extinção das Parcerias Público-privadas (PPP) no SNS.
Sobretudo quando os resultados da gestão hospitalar em parceria com os privados estavam certificados pelo Tribunal de Contas, pela Entidade Reguladora da Saúde e pelo Ministério das Finanças desse próprio Governo!

As populações servidas pelos hospitais de Loures ou de Vila Franca de Xira, por exemplo, sentem-se mais servidas ou tratadas agora que esses hospitais “pertencem” por inteiro ao SNS?

É adequado recordar que a Ministra Marta Temido, ligada a esta fase e escolhas, ainda andou às voltas com o novo estatuto do SNS para tentar segurar a crise do SNS, apesar do Ministro das Finanças Fernando Medina, seu colega de Partido e Governo, ter sonoramente afirmado que o problema do SNS não resultava da falta de dinheiro! De nada valeu.

Em 2019, a Lei de Bases da Saúde aprovada à Esquerda aprovou que, os contratos de PPP passariam a assumir um carácter “meramente supletivo e temporário” e passíveis de celebração em situações “de necessidade muito bem fundamentada”.

Viu-se como o desastre do SNS acelera a partir desse momento. E à luz do que se vai sucedendo, fica demonstrada a razão que assistia a Fernando Medina quando, afirmou que o problema no SNS não era financeiro, mas gestionário e estratégico.

O País anda distraído e doente certamente, mas um dos principais problemas da Saúde em Portugal é a enorme desproporção entre o crescimento das despesas totais e a perda de eficácia.
Ou se preferirem no desperdício de recursos financeiros e na falta de confiança generalizada.

Dos cidadãos no SNS.

Dos profissionais de saúde nos seus dirigentes que quais cataventos entram e saem sem soluções, sem ideias, sem experiência prática, sem ímpeto nem crédito.

Das instituições perdidas em novos paradigmas organizacionais, ditos de parte fulcral no “movimento de reorganização do SNS, o qual tem como desiderato final organizar as respostas em saúde em função das pessoas”, lia-se no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 102/2023, de 7 de novembro…

O tal fatídico decreto da “criação de novas ULS, através da integração dos hospitais e centros hospitalares existentes com os ACES, adotando para isso o modelo de organização e funcionamento em ULS, nos termos previstos no Estatuto do SNS” …

A promoção da saúde dos cidadãos e a sua proteção na doença são uma responsabilidade nuclear do Estado e um direito constitucional.

Fica patente que com a referida integração nas ULS que, nunca provaram no seu conjunto resultados que justificassem a aposta tomada, não se alcançou, ao invés do que se diz no Decreto que foi parido, “uma maior eficiência na gestão dos recursos públicos, simultaneamente com a garantia e respeito pelo papel fundamental da participação dos municípios no planeamento, organização e gestão do funcionamento da resposta em saúde à população de determinada área geográfica, potenciando a proximidade e a gestão em rede.”

É urgente dizer – alto e para o baile!