Este catalão de 46 anos, que vive no norte da Inglaterra há duas décadas, disse que já sofria com o desgaste antes da pandemia. E a intensa pressão de trabalho durante as ondas de coronavírus levou-o, como milhares de outros profissionais da saúde pública britânica, a demitir-se para proteger a sua saúde mental.
Cerca de 33.000 funcionários do NHS deixaram os seus empregos entre julho e setembro de 2021 e 7.000 deles dizem que o fizeram em busca de equilíbrio nas suas vidas, segundo estatísticas oficiais. É quase o dobro do último trimestre de 2019, pouco antes do início da pandemia.
Turnos intermináveis, material de proteção sufocante, o risco de contrair o vírus e o medo de espalhá-lo para a sua esposa e filhos, diz Pons, acabaram por esgotá-lo.
Foi internado quando já não conhecia a maioria dos seus colegas. "Vi um paciente da minha idade a despedir-se por um tablet da sua filha que tinha a mesma idade que a minha. Poucos minutos depois, ele estava morto. Comecei a sonhar com os seus olhos à noite. O meu terapeuta diagnosticou-me com síndrome pós-traumática", lembra.
Saiu um dia no meio de uma reunião e nunca mais voltou. Agora trabalha num programa de acesso ao emprego para jovens deficientes, ou desfavorecidos.
Acumulação de turnos
Akshay Akulwar ainda não renunciou ao cargo de cirurgião no leste da Inglaterra, mas está a pensar em ir trabalhar para outro lugar: Nova Zelândia, ou Austrália, onde os salários são melhores, ou regressar ao seu país, a Índia.
Ele denuncia a acumulação de turnos sem fim. "Lentamente vão impactando no seu estado de espírito, a sua disponibilidade para a família. Você começa a sentir a síndrome do trabalhador esgotado, a trabalhar com menos eficácia", sem saber até quando consegue resistir, explica esse médico que também é porta-voz da Associação de Médicos do Reino Unido (DAUK, na sigla em inglês).
De acordo com uma investigação do sindicato Unison, mais de dois terços das equipas médicas sofreu burnout durante a pandemia, e mais de metade trabalhou mais horas do que o estipulado nos seus contratos. Como resultado, mais de metade dos profissionais do setor está agora à procura de um novo emprego.
"Antes do coronavírus já havia um défice de 100.000 trabalhadores no NHS", diz Sarah Gorton, chefe da Unison. "A pandemia aumentou a pressão sobre os profissionais de saúde, e muitos não aguentam mais", acrescenta.
"Tratado como um número"
Bill Palmer, do think tank Nuffield Trust, ressalta que as demissões no setor estavam a aumentar desde 2016, mas pararam no primeiro ano da pandemia. "As pessoas sentiram-se compelidas a resistir e foi mais difícil encontrar trabalho noutro lugar", explica.
Há seis meses, porém, esses números voltaram a aumentar. Alguns profissionais de saúde não querem ser vacinados, um requisito obrigatório no Reino Unido, mas muitos argumentam a pressão sobre os serviços que estão constantemente com falta de pessoal, ou a sensação de não se sentirem devidamente valorizados.
Alex, enfermeiro psiquiátrico que prefere não dar o sobrenome, viu a sua carga de trabalho aumentar 25% durante a pandemia, com mais pacientes e mais responsabilidade. "Eu senti-me tratado como um número. Comecei a sentir-se deprimido", explica à AFP.
Então, decidiu mudar e agora trabalha para uma organização que ajuda vítimas de escravidão moderna e violência de género. "Tenho um salário equivalente, mas muito menos stress e meu trabalho é apreciado", diz.
Entre os profissionais menos qualificados, os baixos salários também os incentivam a sair, principalmente quando outros setores de atividade, como distribuição, precisam de mão de obra e aumentam os salários para atrair trabalhadores.
O Brexit tornou as coisas mais complicadas, pois as vagas no NHS, onde muitos estrangeiros trabalham, agora são mais difíceis de preencher devido ao procedimento de migração mais complexo e caro.
Quaisquer que sejam os motivos, essas demissões agravam a situação do sistema de saúde britânico. Isso reduz as chances de sobrevivência, em caso de acidente, ou doença grave.
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