
Em cada dez utentes, apenas dois são rapazes. Todas as outras são raparigas à procura de ajuda. Em vinte anos, a equipa multidisciplinar atendeu milhares de jovens em cerca de 70 mil consultas e quando olha para trás vê que muita coisa mudou.
A sexualidade continua a ser o principal motivo das consultas, mas hoje muitos jovens já pedem ajuda antes de iniciar a sua vida sexual, contou à Lusa Maria de São José Tavares, fundadora e coordenadora do centro de atendimento “Aparece – Saúde Jovem”, destinado a jovens entre os 12 e os 24 anos.
“Quando abrimos há 20 anos havia um tempo entre o início da vida sexual e a procura de ajuda médica que às vezes era superior a um ano”. Atualmente, a grande maioria procura apoio num tempo inferior a um mês, disse Maria de São José Tavares, considerando esta mudança “um ganho de saúde enorme”.
A este propósito, observou que nos últimos três anos não houve nenhuma gravidez indesejada entre as jovens acompanhadas no centro.
Desde que o Aparece abriu portas em junho de 1999, a procura não tem parado de crescer, tendo atualmente 3.500 jovens inscritos. Por dia, há em média três novas consultas e o crescimento sustentado anual tem sido de 15%.
Para isso, contribui o facto ser um centro inclusivo, não ter limites geográficos e os jovens não precisarem de marcar consulta e poderem falar de qualquer problema num espaço confidencial e sem burocracias.
À sua espera tem uma equipa com “muita experiência” e “muito motivada” para os atender e responder às suas necessidades, disse a médica.
Maria do Céu Silva, assistente técnica, é a primeira a acolhê-los. Está há dois anos no Aparece, mas conta com a experiência adquirida no hospital pediátrico Dona de Estefânia, onde esteve 28 anos.
“Sempre gostei muito de crianças e de jovens (…) sou muito feliz aqui”, disse Maria do Céu, que não tem um minuto de descanso no Aparece.
“Todo o dia o telefone toca, todos os dias aparecem muitos jovens” que “têm sempre resposta”. Se estão numa “situação de SOS” são atendidos no próprio dia, se não for é marcada uma consulta no espaço de duas semanas devido à atual escassez de recursos humanos.
Na sala espera, vários adolescentes aguardavam silenciosamente pela consulta, para alguns a primeira, apoiando-se no telemóvel para ajudar a passar o tempo.
Francisco Lopes, 13 anos, chegou acompanhado pelos pais para a segunda consulta. À Lusa, contou que foi “atendido bastante bem” e que se sentiu “à vontade” para “falar de tudo o que queria”, de uma forma “livre, sem pressão” num espaço “bastante simpático e acolhedor”.
O bem-estar sentido por Francisco foi testemunhado pela mãe, Lúcia Carvalho: “senti que gostou muito e que se sente muito bem, porque é um espaço onde pode falar sobre as questões dele, que são únicas” e que, por vezes, os pais ou os professores não sabem como responder.
“Devia haver mais espaços como estes, fazem muita falta principalmente nestas idades, em que precisam de apoio e nós não sabemos o que havemos de fazer com a vantagem de ser gratuito”, defendeu.
Rute Silvério, 17 anos, está a ser acompanhada no Aparece há dois meses, altura em que se mudou de Vila Real para Lisboa.
“Como ainda não consegui alterar a morada no Cartão do Cidadão e estou grávida, e não tinha acesso a outras consultas, o Aparece faz-me o seguimento da gravidez e de tudo aquilo que preciso”, disse, com um sorriso.
Para Rute, uma das mais-valias do centro é os jovens não terem de esperar três ou quatro meses por uma consulta quando precisam de “alguma coisa”, bastando ligar (217211883) ou enviar um e-mail (seterios.aparece@arslvt.min-saúde.pt)”.
“É mais dinâmico, o acolhimento é mais especializado e muito mais direto”, disse Rute, segura de que vai continuar ali a ser seguida.
Os adolescentes sem consulta marcada são recebidos pela enfermeira Manuela Santos, que faz a triagem das situações para perceber se é necessário terem resposta naquele dia.
Alguns chegam “muito nervosos, normalmente meninas na área do planeamento”, umas porque “não estão a usar nada” e têm receio de estar grávidas, outras “vêm pedir contraceção de emergência”, contou a enfermeira.
“Quase todos os dias temos situações que nos marcam, situações muito graves, muito complexas”, algumas delas relacionadas com violência familiar ou de namoro, disse Manuela Santos, confessando que às vezes é preciso “respirar fundo” para descomprimir.
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