Salomão (973 a.C.), chamado o rei “pacífico”, foi um grande estratega que soube juntar a política à gestão de recursos e de pessoas. No conhecido “julgamento sábio de Salomão”, perante duas mulheres que afirmavam ser mães do mesmo filho, o rei, ao sugerir cortar o bebé em dois com cada mulher a receber uma metade, discerniu a mãe falsa como a mulher que aprovou a decisão, enquanto a mãe real implorava a salvação da criança e a sua entrega à mãe rival. Em que é que esta lenda se assemelha à realidade?

Então, num paralelismo com a história do Rei Salomão, o novo Diretor Executivo do Serviço Nacional de Saúde (SNS), Fernando Araújo, tem, nos próximos três anos, um verdadeiro poder que lhe permitirá cortar ao meio ou matar muitas estruturas de gestão da saúde em Portugal, especificamente as Administrações Regionais da Saúde (ARS). Para que consiga ameaçar com a verdade de uma nova gestão, que vise dar mais frutos e robustez a um Serviço Nacional e Saúde quase moribundo e fortemente desidratado, serão também precisas as mães verdadeiras gritar, para deixar vivo o que deve continuar a viver. Ou seja, serão precisas outras vozes além do Rei.

A sombra do risco de extinção da atividade das ARS, expressa no Decreto-Lei, é explícita ao enunciar que a missão das Administrações Regionais de Saúde “deixa de incluir a prestação de cuidados e foca-se no planeamento regional dos recursos, numa ótica de coordenação intersectorial”. Isto traz algumas aflições.

Por isso, no “rumor das alcatifas” do diz-que-disse e não disse, exige-se uma verdadeira comunicação de crise, um investimento numa melhor literacia em saúde — não apenas do cidadão, que ainda não está plenamente ciente das mudanças, mas particularmente aos profissionais das várias áreas da saúde. Este novo CEO é um “governador dos governadores”, pelo que a comunicação, nestas alturas, é essencial. É essencial porque também para centenas de famílias que vivem da regularidade dos seus postos de trabalho nestas ARS, que passaram por uma pandemia desenfreada, por situações financeiras de mar alto, por carências de serviços de urgência, internamento, e ambulatório, sentem que a crise está instalada.

Sabemos que muitas vezes a mudança tem de ser disruptiva, fazer quebras e cisões para que renasça algo melhor. Com a missão de “coordenar a resposta assistencial das unidades de saúde do SNS, assegurando o seu funcionamento em rede, a melhoria contínua do acesso a cuidados de saúde, a participação dos utentes e o alinhamento da governação clínica e de saúde”, o poder e a sabedoria do novo Diretor Executivo estarão sob o olhar atento de um povo que o quer ver agir com a magnitude de mudanças deste nível, profundas e necessárias, mas também com o humanismo que se deve na gestão da fragilidade humana.

E isto tudo tem de ter a dose de literacia em saúde quanto à compreensão e uso dos recursos de saúde e às competências que, esperamos, todos venhamos mais a ter.