Dados do Plano Nacional das Doenças Respiratórias, apontam para que em Portugal, 20% da população em idade adulta, em 2020, sofria de Síndrome de Apneia Obstrutiva do Sono (SAOS), uma doença caracterizada por interrupção e/ou redução do fluxo aéreo, por mais de 10 segundos, em mais de 5 eventos por hora, que por sua vez se associa a sintomas como sonolência, sono não reparador, irritabilidade e alterações cognitivas, entre muitos outros. Sintomas com implicações a nível da saúde orgânica e psicológica tal como marcado risco de acidentes de viação e de agravamento prognóstico e maior mortalidade inerente as patologias associadas. Existe tratamento, que nas situações graves ou nas situações ligeiras/ moderadas, mas associadas a sintomas e/ou patologia cardiovascular passa pelo recurso a pressão positiva através de uma interface (máscara). A correção dos eventos, permite uma resolução dos sintomas e uma normalização do prognóstico. Para conhecer melhor esta condição, fomos falar com a Professora Bebiana Conde, Professora auxiliar convidada da UTAD (Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro), Responsável pelo laboratório de fisiopatologia, sono e ventilação, do Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro, EPE (CHTMAD) e Hospital da Luz de Vila Real.
Healthnews (HN) – Porque é que a Síndrome de Apneia Obstrutiva do Sono (SAOS) é tão perigosa?
Professora Bebiana Conde (BC) – A Síndrome de Apneia/hipopneia obstrutiva de Sono caracteriza-se na idade adulta por interrupção e/ou redução do fluxo aéreo, por mais de 10s, em mais de 5eventos por hora. Esta situação associa-se a sintomas como sonolência, sono não reparador, irritabilidade e alterações cognitivas. Associadamente estes eventos desencadeiam ainda alterações metabólicas, por ativação do sistema nervoso autónomo, e consequentemente aumenta a prevalência de patologia cardiovascular e metabólica. Esta síndrome tem assim implicações a nível da saúde orgânica e psicológica tal como marcado risco de acidentes de viação.
Está situação acompanha-se de agravamento prognóstico e maior mortalidade inerente as patologias associadas.
HN – Existem dados sobre a sua prevalência no nosso país?
BC – Dados do Plano Nacional das Doenças Respiratórias, apontam para 20% na idade adulta, em 2020.
HN – As mulheres são menos atingidas? A situação muda com a menopausa?
BC – A prevalência varia na população mundial em função da idade, género e comorbilidades. Em 1993 era referido 9% no sexo feminino e 24% no sexo masculino. Atualmente é referido mais de 30-50% no sexo masculino, sendo esta prevalência na mulher apenas evidente após a menopausa.
HN – Por que motivo é mais frequente nas pessoas obesas ou com excesso de peso?
BC – A obesidade/excesso de peso acompanha-se por menor tonicidade muscular, nomeadamente por infiltração de gordura entre as fibras musculares, o que compromete a permeabilidade da via aérea durante o sono. Igualmente a obesidade também se acompanha de compromisso da ventilação por menor sensibilidade do drive respiratório e/ou pela restrição torácica associada à obesidade.
HN – A duração da frequência das pausas respiratórias pode variar entre alguns minutos e vários minutos?
BC – Os eventos classificam-se quando tem duração pelo menos 10s, no entanto em situações mais graves e quando associado a obesidade podem ter durações maiores e serem tao frequentes, não chegando a normalizar o fluxo durante minutos.
HN – Quais são as implicações para o tratamento do doente?
BC – O tratamento nas situações graves (Índice de apneia/hipopneia (IAH)>30/h ou nas situações ligeiras/ moderadas, mas associadas a sintomas e/ou patologia cardiovascular devem ser tratadas, dando-se preferência ao tratamento com pressão positiva através de uma interface (máscara). A correção dos eventos, permite uma resolução dos sintomas e uma normalização do prognóstico.
HN – Qual é a diferença entre ressonar e SAOS? De que forma as pessoas comuns podem distinguir uma e outra situação?
BC – O ressonar resulta do fluxo turbulento na via aérea. O SAOS exige uma ausência ou redução do fluxo. Daí que o SAOS se associe frequentemente ao ressonar, mas pode haver ressonar sem preenchimento dos critérios de SAOS.
HN – Que técnicas e instrumentos estão disponíveis para o tratamento da SAOS?
BC – Como falado previamente o tratamento mais eficaz nas situações de maior gravidade é a utilização da pressão positiva. No entanto todos os doentes devem respeitar as medidas de higiene do sono, como cumprir os horários de adormecer e acordar, reduzir atividade intelectual ou física, estimulante imediatamente antes de dormir tal como a exposição aos dispositivos eletrónicos, abster-se de refeições abundantes, café, chá ou bebidas alcoólicas ao jantar.
Nas situações ligeiras e com arcada dentária que o permita, pode colocar-se como opção terapêutica a prótese de avanço mandibular. Na presença de eventos exclusivamente ou quase exclusivamente em decúbito dorsal, a terapia posicional pode ser igualmente uma opção terapêutica.
A decisão baseia-se na gravidade da SAOS, dos sintomas a ela associados e/ou comorbilidades.
HN – Qual o impacto destes tratamentos na qualidade de vida do doente? Em termos gerais, existe uma boa adesão?
BC – A adesão depende de cada individuo, da sua consciência em relação à doença e seu tratamento e igualmente da empatia com o clínico e equipa que o trata. Apesar de haver graves situações associadas à não adesão, a maioria dos doentes são aderentes.
Os primeiros dias e semanas são cruciais, daí a importância da primeira abordagem e contacto. Quando o doente é aderente, e os eventos são adequadamente corrigidos, a qualidade de vida do doente altera-se completamente, com extrema melhoria.
HN – Do seu ponto de vista, quais os Outcomes que são importantes para os doentes?
BC – Acho que mais do que o impacto na melhoria da mortalidade por todas as causas, é a melhoria na qualidade de vida, nomeadamente a nível cognitivo, resolução da sonolência diurna e a existência de um sono reparador.
HN – Considera que a SAOS ainda é subdiagnosticada no nosso país? A referenciação parte essencialmente dos médicos de família? O que podemos fazer mais?
BC – Sim, ainda é subdiagnosticado, não pelo desconhecimento da patologia, mas pelas longas listas de espera, no entanto o acesso alargado ao diagnostico e a maior sensibilidade dos cuidados de saúde primários tem contribuído para a resolução do problema. Os protocolos entre os cuidados e especializados tem permitido uma referenciação mais adequada e altas para os primeiros de forma mais célere. Sou da opinião da solução para a abordagem de uma patologia de elevada prevalência passa para uma referenciação rápida mas adequada à gravidade dos sintomas e comorbilidades (tem vários scores de rastreio), diagnósticos alargado (cada vez mais exames realizados), e altas precoces para os cuidados de saúde primários, responsabilizando os doentes para o cumprimento e sucesso da terapia. Alertando ainda para os motivos para a sua reavaliação.
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