Ao todo, são 20 as áreas em que o Governo está a transferir competências para os municípios, desde a aprovação da lei, em 2018, e 17 delas já são exercidas por estas autarquias desde 01 de janeiro de 2021: Cultura, Habitação, Justiça, Atendimento ao cidadão, Gestão do património imobiliário público, Vias de comunicação, Praias, Áreas portuárias, Transporte em vias navegáveis interiores, Cogestão de áreas protegidas, Proteção civil, Policiamento de proximidade, Segurança contra incêndios, Estacionamento público, Jogos de Fortuna e de azar, Arborização e rearborização e Associações de bombeiros.

No entanto, a Educação, a Saúde e a Ação Social foram as áreas mais difíceis de negociar entre Governo e municípios, por envolverem a transferência de verbas para os municípios através do Orçamento do Estado, pelo que o prazo para a sua aceitação definitiva foi adiado para 01 de abril de 2022.

No caso da aceitação de competências na Ação Social, cujo diploma setorial foi apenas promulgado no início de fevereiro deste ano, o Governo decidiu prorrogar a aceitação pelos municípios até ao final de 2022.

Os dados mais recentes divulgados pelo Governo, relativos ao início de 2022, demonstram algum atraso na aceitação destas competências pelos municípios: em 278 que poderiam assumir competências na Educação, apenas o tinham feito voluntariamente 125 (45%) e, no caso da Saúde, num universo de 201 municípios que poderiam cumprir esta competência, apenas tinham assinado autos de transferência 57 (28%).

Nos últimos meses, vários autarcas, entre os quais os presidentes das Câmaras do Porto e de Lisboa, têm pedido mais um adiamento da descentralização em curso, por considerarem que o processo ainda está confuso e sobretudo por criticarem os montantes envolvidos, considerados insuficientes.

A ministra responsável cessante, Alexandra Leitão, recusou este adiamento por considerar que não se justifica no caso da Educação, enquanto no caso da Saúde “a transferência efetiva” só se dará quando os autos com os municípios forem assinados.

Ainda não há um Orçamento do Estado aprovado para 2022, mas na versão rejeitada em outubro passado estava previsto um Fundo de Financiamento da Descentralização de 832 milhões de euros (ME), a atribuir entre abril e dezembro aos municípios, relativo às competências assumidas.

Estas são as competências que passam a ser desempenhadas pelos municípios no âmbito deste processo:

Educação

A lei transfere escolas do ensino básico e secundário para o município, que fica responsável pelo planeamento da oferta educativa, do transporte escolar, do investimento nos edifícios escolares, da gestão da ação social escolar, do fornecimento de refeições, da gestão das residências escolares, e da vigilância e segurança dos equipamentos educativos (em articulação com as forças de segurança).

Os municípios passam a ser responsáveis pelo “recrutamento, seleção e gestão do pessoal não docente, transferindo-se o vínculo do Ministério da Educação para os municípios”.

Fontes sindicais afirmaram à Lusa desconhecer quantos funcionários foram já transferidos ao abrigo desta descentralização, mas estimativas do Governo revelaram que a totalidade do processo deve envolver a transferência de “quase um milhar de estabelecimentos educativos”, “mais de 3.500 edifícios” e “cerca de 43.000 trabalhadores” operacionais.

Dados do início de 2022 indicam que tinham assumido esta competência 125 municípios, de um total de 278.

Saúde 

Transfere para o município a responsabilidade pela gestão operacional e financeira dos centros de saúde do Serviço Nacional de Saúde (SNS) disponíveis à população na sua área geográfica, designadamente a manutenção, conservação e gestão dos equipamentos e serviços de apoio logístico. Os serviços de apoio logístico relacionados com equipamentos médicos mantêm-se na esfera da administração central.

As autarquias passam também a gerir trabalhadores inseridos na carreira de assistente operacional das unidades funcionais dos agrupamentos de centros de saúde (Aces) e a participar no planeamento, gestão e investimento em novas unidades de cuidados de saúde primários, incluindo construção, equipamento e manutenção.

A parceria nos programas de prevenção da doença, nos cuidados de saúde primários, saúde familiar e estilos de vida saudável e envelhecimento ativo também serão assumidos pelos municípios. Em cada concelho será criado um conselho municipal de saúde, ao qual competirá a coordenação da política de saúde no respetivo território.

No âmbito da descentralização na Saúde está prevista a transferência de cerca de 1.800 trabalhadores, 600 equipamentos e 900 edifícios para os municípios. Segundo dados do início de 2022, apenas 58 municípios tinham assumido competências a este nível, de um total de 201 possíveis.

Ação social

Entre outras competências, transfere-se para o município a responsabilidade pelo desenvolvimento de programas de promoção de conforto habitacional para pessoas idosas, pelo serviço de atendimento e de acompanhamento social, pela atribuição de prestações pecuniárias em situações de carência económica, pela celebração e acompanhamento dos contratos do rendimento social de inserção (RSI) e pelo apoio à família para crianças que frequentam o ensino pré-escolar da rede pública.

Esta é uma competência que deveria passar para os 278 municípios do continente definitivamente em 01 de abril, mas o Governo decidiu prorrogar até ao final deste ano a possibilidade de aceitação por ter sido o último diploma a ser publicado – foi promulgado em 04 de fevereiro -, não dando tempo aos municípios para se adaptarem.

O Governo anunciou ter 56,1 milhões de euros disponíveis para transferir com esta competência para os municípios, correspondente a nove meses de 2022.

Cultura

Transfere-se para o município a responsabilidade pela gestão, valorização e conservação do património cultural classificado de âmbito local e de museus que não sejam denominados museus nacionais. Os municípios ficam ainda com “a competência de gestão dos recursos humanos afetos àquele património cultural e aos museus” e são responsáveis pelo controlo prévio e fiscalização de espetáculos de natureza artística.

Segundo dados do início de 2022, tinham assumido esta competência 56 municípios, de um total de 63. O valor total já gasto por estas autarquias na área da Cultura foi de 228 mil euros.

Habitação

É transferida para o município a responsabilidade pela gestão de programas de apoio ao arrendamento urbano e à reabilitação urbana, assim como a gestão dos bens imóveis destinados a habitação social, que integram o parque habitacional da administração direta e indireta do Estado, e que podem passar para a titularidade dos municípios. Segundo dados do início de 2022, tinham assumido esta competência oito municípios, de um total de 10, que gastaram globalmente nesta área 4,4 mil euros.

Justiça

Os municípios e comunidades intermunicipais têm competências para elaboração de propostas para a criação, instalação, modificação ou extinção de Julgados de Paz, em parceria com o Ministério da Justiça, para participação em ações ou projetos de reinserção social de jovens e adultos, violência doméstica e apoio às vítimas de crimes. Esta competência é exercida pelos 278 municípios do continente.

Atendimento ao cidadão

Transfere para o município a responsabilidade pela instalação e gestão de lojas de cidadão e espaços cidadão, e a gestão de gabinetes de apoio aos emigrantes e de centros locais de apoio à integração de migrantes, ainda que em estreita articulação com os serviços e organismos do Estado responsáveis por essas áreas.

Esta competência é exercida pelo universo de 278 municípios do continente. Até 2022, o valor total gasto pelos municípios nesta área foi de 165 mil euros.

Gestão do património imobiliário público

Transfere para o município a responsabilidade pela gestão do património imobiliário público sem utilização, assim como a gestão de imóveis sem utilização do domínio privado do Estado que se encontrem em inatividade, devolutos ou abandonados, fomentando a sua recuperação, conservação e reutilização, e permitindo a sua fruição pública, por um período não inferior a três anos consecutivos.

Esta competência pode abranger os 278 municípios do continente.

Vias de comunicação

Transfere para o município a responsabilidade pela gestão das estradas nos perímetros urbanos e dos equipamentos e infraestruturas neles integradas, visando salvaguardar os interesses dos utentes e os espaços.

Esta competência abrange um total de 243 municípios. O valor total gasto por estas autarquias foi já de 22 mil euros.

Praias

Transfere para o município a responsabilidade pela gestão das praias marítimas, fluviais ou lacustres integradas no domínio público do Estado, nomeadamente pela limpeza dos espaços balneares e manutenção, conservação e reparação das infraestruturas e equipamentos existentes.

Aos municípios cabe ainda explorar ou concessionar a exploração económica dos espaços em questão e a sua fiscalização, além de assegurar a atividade de assistência a banhistas. Os municípios podem criar e cobrar as taxas e tarifas decorrentes do exercício destas competências.

Estão em causa 121 municípios. O valor total gasto pelos municípios nesta competência foi de 1,3 milhões de euros.

Áreas portuárias

Transfere para o município a responsabilidade pela gestão das áreas afetas à atividade de náutica de recreio, das áreas dos portos de pesca secundários, das áreas sob jurisdição dos portos sem utilização portuária reconhecida ou exclusiva.

Também são responsáveis pela gestão das áreas urbanas de desenvolvimento turístico e económico não afetas à atividade portuária, incluindo os bens imóveis e móveis.

É ainda responsável pelas áreas do domínio público marítimo, bem como as zonas terrestres e marítimas necessárias à exploração portuária e à execução e conservação de obras em terra e no mar.

Segundo dados do início de 2022, tinham assumido esta competência 57 municípios, de um total de 58. O valor total gasto pelos municípios nesta área foi de 7,6 mil euros.

 Transporte em vias navegáveis interiores

São transferidas para os municípios, comunidades intermunicipais e áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto competências na área do serviço público regular e de transporte turístico de passageiros em vias navegáveis interiores.

Os municípios assumem-se como “autoridades de transportes”, com competências relativamente à circulação nos rios, incluindo atividades marítimo-turísticas, de caráter sazonal ou pontual.

Segundo dados do início de 2022, tinham assumido esta competência 127 municípios, de um total de 256.

 Cogestão de áreas protegidas

Transfere para o município a responsabilidade pela concretização de um modelo de cogestão, entre a administração central e os municípios, na gestão das áreas protegidas de âmbito nacional.

O universo para exercício desta competência é de 67 municípios.

Proteção civil

Transfere para o município a responsabilidade pelo planeamento local dos serviços de proteção civil e pela melhoria dos níveis de coordenação operacional à escala concelhia (em articulação com Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil).

Esta competência abrange todos os 278 municípios do continente.

Policiamento de proximidade

Transfere para o município a responsabilidade pela participação, em articulação com as forças de segurança, na definição do modelo de policiamento de proximidade nos 278 municípios do continente.

O valor total gasto pelos municípios na área do policiamento de proximidade foi de 36,5 mil euros.

Segurança contra incêndios

Transfere para os 278 municípios do continente a responsabilidade pela apreciação de projetos e medidas de autoproteção, e pela realização de vistorias e inspeções a edifícios classificados na primeira categoria de risco no âmbito do regime jurídico da segurança contra incêndios em edifícios.

O valor total gasto pelos municípios foi de 12,3 mil euros.

Estacionamento público

Transfere para o município a responsabilidade para regular, fiscalizar, instruir e decidir os procedimentos contraordenacionais rodoviários em matéria de estacionamento nas vias e espaços públicos sob jurisdição municipal, além dos destinados a parques ou zonas de estacionamento.

Esta competência abrange todos os 278 municípios do continente. O valor total gasto foi de 308 mil euros.

Jogos de fortuna e de azar

Transfere para os 278 municípios do continente a responsabilidade pela autorização da exploração e fiscalização das modalidades afins de jogos de fortuna ou azar e outras formas de jogo, nomeadamente rifas, tômbolas, sorteios, concursos publicitários, concursos de conhecimentos e passatempos.

O valor total gasto pelos municípios nesta área foi de 12,3 mil euros.

Arborização e rearborização

Transfere para os 278 municípios do continente a responsabilidade pela autorização e comunicação prévia das ações de arborização e rearborização.

Associações de bombeiros

Transfere para o município a responsabilidade pelo apoio às equipas de intervenção permanente das Associações de Bombeiros Voluntários. Por outro lado, as entidades intermunicipais vão participar, através de parecer prévio, na definição da rede de quartéis de bombeiros voluntário e na elaboração dos programas de apoio a estas corporações. No exercício desta competência está em causa um universo de 269 municípios.

Delegação de competências nos órgãos das freguesias

Enquanto recebem competências do Estado central, os municípios podem delegar, através de contratos interadministrativos, competências nos órgãos das freguesias em vários domínios, como a gestão e manutenção de espaços verdes, a limpeza das vias e espaços públicos, sarjetas e sumidouros, a gestão e manutenção corrente de feiras e mercados, a realização de pequenas reparações e a manutenção dos espaços envolventes nos estabelecimentos de educação pré-escolar e do primeiro ciclo do ensino básico, entre outros.

Esta descentralização para as freguesias é válida por um mandato autárquico e desde que não exista um aumento da despesa pública global prevista no ano da concretização.

Assinaram transferência de competências para freguesias 106 de 278 municípios e receberam competências 1.041 de 2.882 do continente.